Capítulo quatro - Tão Óbvio

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Talvez eu estivesse um tantinho animado com o jantar dos Malta. Logo pela manhã, desci as escadas apressadamente, tendo ao fundo a voz de Cléo se sobressair sobre a de mamãe, vinda da cozinha. Elas pareciam conversar sobre um bolo. Naquela manhã eu me sentia diferente, um pouco ofegante, ansioso. Mas eu me sentia estranhamente disposto.

Para ser ainda mais honesto, minha ansiedade surgira no momento em que liguei meu celular, logo após acordar, – eu não conseguiria esperar, ou fingir que não me importar tanto – e me deparei com onze mensagens, vindas todas do meu melhor amigo, Miguel Malta.

Fiquei um tanto nervoso no começo, que fora há uns vinte minutos, mas, mesmo assim, minha curiosidade falara mais alto. O ato de checar o celular não deveria ser responsável por tamanha ansiedade aquela manhã, era quase não saudável.

Então, elas estavam lá, as onze mensagens de Miguel. Por alguns segundos eu me esqueci de quase tudo. Meus pensamentos me fizeram acreditar que eu receberia respostas um tanto opostas as que eu obtive aquela manhã. A tarde de ontem ainda me era muito fresca, para o meu próprio mal. Era como se no dia passado eu estivesse alterado por qualquer substância e hoje recuperara minha sanidade verdadeira. Fora com ela que abri a caixa de mensagens com meu melhor amigo, automaticamente criando cenários, – que eu já deveria saber – nada ligados a realidade do que de fato encontraria.

"Conversar sobre o que??"

"a"

"Ian, vc já tá acordado ne?"

"Hoje é o jantar e você prometeu que iria"

"se me deixar sozinho eu te mato, ouviu bem?"

"Mamãe tá tão animada. Aqui em casa tá uma loucura"

"que horas vc vem?"

"ME RESPONDE LOGO IDIOTA"

"se as oito vc não aparecer tá ferrado parceiro"

"tenta chegar antes pra experimentar a droga do terno"

E a décima primeira mensagem fora um áudio de Miguel, gritando, para que eu acordasse logo. Ainda que eu tenha o ouvido após acordar, e, com certeza, esse áudio ter sido responsável pela pontada no lado esquerdo da minha cabeça, eu sorri.

Era o Miguel de sempre. Ele quem me enviou essas mensagens quase grosseiras, não poderia ser outra pessoa a não ser ele.

Então depois eu fiquei pensando, calado, olhando meu corpo coberto sobre a cama. Não adiantou de nada, no entanto. Eu nem saberia dizer no que exatamente estava pensando. Ou talvez saiba.

Tudo voltava para aquele garoto com cabelo cor de carvão, com aqueles olhos de uma escuridão densa demais, onde um brilho curioso se fazia presente. Aquele qual eu senti os lábios contra os meus. Eu ainda me lembro de como o selar fora tímido demais, ao ponto deu considerá-lo egoísta por não ter dado tudo de si. Agora eu sei que não o impediria se o fizesse.

E chegar a conclusão que aquele Miguel de ontem e o dessas mensagens que recebi poderiam ser opostos não me assustou tanto quanto a ideia me pareceu absurda ontem a noite. Eu às vezes penso em probabilidades que beiram a fantasia de uma maneira anormal, e sei que vou me prender a isso por mais algum tempo.

De qualquer maneira, não há chances de ser ele. Definitivamente não há.

Assim que cheguei a cozinha, vi Cléo inclinada, quase deitada, sobre a mesa, com mamãe posicionada em pé, perto de uma das beiradas. Ela segurava uma vasilha e uma colher de pau. Fazia um bolo, e pelo visto Cléo tentara ajudar. A desorganização da cozinha e as cascas de ovos espalhadas pela mesa, – sem contar o fato da mão de Cléo estar lambuzada da massa de chocolate – eram bem sugestivas do que aquela manhã fora até eu descer.

Adoráveis Garotos - Max MelimOnde histórias criam vida. Descubra agora