Epílogo

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Música: Nothing at all, Matilda Mann, Lucy Lu (música está na playlist do Spotify "Café com Suga", user @/mclarah)

Música: Nothing at all, Matilda Mann, Lucy Lu (música está na playlist do Spotify "Café com Suga", user @/mclarah)

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(I) Café

A seletividade da memória é algo impressionante. Talvez seja justamente por isso que me recordo daquela manhã com detalhes, enquanto existem várias lacunas na minha mente sobre a mesma época. Lembro-me do cheiro forte de fritura, das paredes impregnadas de gordura, da pintura vermelha desbotada, do vapor suspenso próximo ao teto e dos temperos fortes da cozinha do Lee. E, de tudo isso, não há nada mais vivo na minha memória do que os olhos de Miyoung atrás do balcão, curiosos diante do novo entregador. Um feixe de luz naquele contexto degradado.

A primeira vez que nos "vimos". Eu passei pela entrada do restaurante, sem nem mesmo me apresentar, escondido sob o capuz de um moletom surrado, peguei os pacotes sobre o balcão e saí apressado.

O ano era 2010 e aquela era mais uma manhã fria de inverno, mais um primeiro dia em mais um novo trabalho que eu apostava que eu não suportaria até o fim do mês, da mesma forma que foram os anteriores.

O dinheiro da gravadora era curto e só a ideia de ter onde almoçar todos os dias sem gastar mais por isso já me tranquilizava, ainda que trabalhar como entregador não fosse o que tinha planejado para o meu futuro tão tão brilhante quando saí de Daegu. Na verdade, no período, nada estava saindo como o planejado. Eu esperava algo bem mais glamouroso quando me mudei para a Capital e tinha esse conceito de fama e sucesso que coincidiam com uma conta bancária com numerários a perder de vista, carros caros e coberturas decoradas em mármore. E por mais que eu tenha alcançado essas coisas, hoje eu sei que não é sobre isso.

Naquela época eu ainda não sabia como transcrever meus sentimentos sem conectá-los a coisas. Por isso, quando notei que algo transbordava de mim quando ela me chamava debochando do meu nome artístico — seu sotaque ainda mais arrastado do que o meu estendendo propositalmente a primeira sílaba ( "S uuu g a" ) e um sorriso pedindo para escapar anunciado pelas covinhas na bochecha — eu disse que assim que o grupo fizesse sucesso eu a daria de presente aquela cafeteria charmosa da avenida principal.

Coisas e mais coisas.

Todo dia era uma transação diferente com a minha conta bancária imaginária do futuro: a cafeteria, a cobertura que teríamos de dois andares e várias coisas que hoje acho de mal gosto como o vestido de noiva bufante e uma festa para centenas de convidados — o vestido que Miyoung não usaria e a festa que eu não gostaria de frequentar — casacos de pele, roupas de marca, jóias, eu a prometia tudo. Promessas e mais promessas, como se fossem uma forma de garantir que nossos futuros ainda estariam ligados independente da incerteza que circundava nosso presente. Promessas de coisas. Era mais fácil traduzir o intraduzível em objetos, mesmo que invisíveis e inexistentes, mesmo que inalcançáveis para o Suga daqueles tempos. É que eu ainda não entendia muito bem o que tinha naquele café amargo que ela fazia questão de pedir, o gosto que ficava nos seus lábios, mascarando por um tempo aquele dos cigarros que compartilhàvamos nos fundos do restaurante.

Café com Suga • Min YoongiOnde histórias criam vida. Descubra agora