Butter Town?

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 Beatrice

   – Já está decidido. Você vai comigo para Butter Town, quer queira ou não - minha mãe acaba perdendo a paciência comigo.

  – Mas mãe... - ela me corta.

  – Sem mais, nem menos. Você vai e pronto.

  – Mãe! Butter Town?! Sério?

  – Sim. E o assunto encerra aqui – bufo e ando pisando forte e de braços cruzados. Entro no meu quarto e bato a porta atrás de mimm

   – Beatrice Cooper! Não bata a porta para mim!

Me aproximo da cama, agarro o travesseiro e enquanto afundo o rosto nele, grito. E mesmo assim ainda sinto raiva.

Minha mãe quer que nós nos mudemos para uma casinha no interior em uma cidadezinha chamada Butter Town.

Cidade da manteiga.

Deram esse nome porque quando a cidade surgiu, a base da economia dos habitantes de lá era a manteiga.

Ela quer isso desde que meu pai pediu divórcio. Ele queria tentar viver uma vida diferente, em um lugar diferente, com um alguém diferente. Isso foi há quatro meses.

Às vezes eu visito ele e sua nova família. Eles vivem em um chalé afastado da cidade. Sua namorada, Marta, tem dois filhos.

O Gilbert e o Aaron, eles são gêmeos e têm 12 anos de idade. Eles são as únicas coisas boas que aconteceram nessa situação. Sempre brincamos quando nos encontramos.

Marta tenta ser legal comigo e eu faço o mesmo, mas só por simpatia.
Minha mãe quase nunca os visita. A última vez foi no natal. Estamos em janeiro, é verão. Ainda é férias, mas elas acabam no dia 30 de fevereiro. 1 mês e algumas semanas.

Depois do meu surto com o travesseiro, pego meus fones e coloco uma música bem alta. No primeiro momento não fico animada, mas aí o ritmo aumenta e o meu humor melhora um pouco. A música faz parte de mim. É o que me define. E o que me acalma.

Me aproximo da janela do nosso apartamento e a abro.
Uma brisa invade o quarto e faz carinho em minha pele e em meus cabelos como se fosse uma velha amiga. Encaro toda a cidade iluminada, apesar do horário.

A porta range atrás de mim e agora, além da brisa, um cheiro de bolinhos de chocolate invade o quarto junto com a nostalgia.

   – Desculpe por surtar, de novo - minha mãe caminha até mim e estende uma bandeja para mim - Bolinho?

    – Sim – pego o bolinho – Me desculpe também. Sei o quanto você quer sair daqui, eu deveria ser mais compreensiva.

    – Ah querida, não se preocupe. Não precisamos ir se você não quiser.

    – Não mãe. Não posso fazer isso com você. Não depois de tudo o que o Richard fez.

    – O seu pai.

    – Tanto faz - ficamos em silêncio, observando a pouca movimentação que resta nas ruas - Mãe - chamo.

     – Sim?

     – Vamos para Butter Town - ela parece tão confusa quanto eu por não saber se é uma afirmação ou uma pergunta, mas meu coração sabe o que é e logo eu esclareço - É uma afirmação - seu semblante muda. Sei que ela está feliz, mas ela não quer demonstrar.

   – Tem certeza, filha?

   – Sim, mãe. O que nós temos a perder? Vivo aqui há anos e não tenho quase nenhum amigo.

   – E as suas aulas de guitarra. E de violão? - é, eu amo tocar.

   – Mesmo sendo uma cidade pequena, deve ter alguma escola ou algo do tipo. E eu praticamente já sei tocar. Talvez nem precise mais das aulas. Vamos, mãe. Será a nossa pequena aventura.

   – Está disposta a fazer isso?

   – Sim, já disse.

   – O que te fez mudar de ideia? - ela diz sorrindo.

   – Também não tenho certeza. Mas pela senhora, faço tudo. Sabe disso, não sabe?

   – Sim e eu digo o mesmo. Mas se vamos mesmo para Butter Town, teremos que começar a empacotar as coisas amanhã de manhã para não atrasar com nada. Agora, acho melhor dormirmos e eu te explico melhor as coisas que estão por vir, tudo bem?

   – Aham - mamãe beija minha testa e sai do quarto, deixando a bandeja de bolinhos ali.

Mesmo mandando eu dormir, continuo na janela e avisto um pequeno ponto preto se movendo.

Aperto os olhos para identificar o que é e percebo que se trata de um gato preto, mas já está tarde para sair de casa. Infelizmente.

Me deito e penso na minha vida que está prestes a mudar. Nova casa, nova escola, novas pessoas e talvez novos amigos. Aqui, não falo com ninguém da minha turma.

Algumas meninas tentam se aproximar às vezes, e elas são legais, não tenho nada contra, mas não consigo falar com elas ou me aproximar.

Os únicos amigos que já tive foram o Nicolas e a Sarah. Eles eram irmãos, mas tiveram que se mudar para o Brasil por causa do emprego do pai deles.

Eles nasceram lá e já me ensinaram algumas palavras, falaram da cultura, das músicas e um gênero que eles chamam de "pagode". Ouvi alguns e até que é bom.

Nicholas e Sarah me faziam sentir que fossemos todos irmãos. Me sentia importante.

Depois da mudança deles, não me abri para ninguém. Porém, talvez eu consiga fazer algumas amizades na cidade nova. Talvez não seja tão ruim assim. Talvez até seja... bom.

Alguns minutos depois, ainda estou acordada e escuto a mamãe falando com alguém pelo telefone.

Algo sobre "compra", "casa" e "mudança", mas decido ignorar já que mamãe disse que vai explicar tudo durante a organização da casa amanhã.

Mal percebo que dormi.

Margaridas, café e mentaOnde histórias criam vida. Descubra agora