Seja o encalhado do rolê || PARTE 2

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Aquela conversa deveria ter sido uma segunda despedida. Um mero acerto de contas, algo para que ele pudesse seguir mais leve e eu também. Foi um surto, tive um dia horrível, culpa do isolamento, dos hormônios, do cansaço. Não precisava — não deveria — se repetir. Mas quando Lee mandou mensagem no dia seguinte, eu respondi. Quando ligou, eu atendi. E, talvez, só talvez, eu tenha tomado a iniciativa algumas vezes. Quando dei por mim, nos falávamos quase todo dia. Uma tragédia.

A princípio, não contei para ninguém. Não precisei pedir que Lee fizesse o mesmo — embora sua súbita onda de felicidade nas redes sociais fosse muito suspeita. Eu me sentia uma criança fazendo coisa errada, apesar de todos naquela casa (exceto o meu pai) desejarem aquilo. No fim, apesar dos meus esforços, acho que à minha maneira, fui tão indiscreto quanto o Lee. Começou com uns olhares desconfiados, risadinhas e cochichos. Um dia, Kankuro simplesmente lançou, no meio da mesa de café:

— Você não contou tudo, né? Ele já teria batido aqui.

— Ele não sabe o endereço — disse naturalmente, entre um gole e outro do que para minha extrema infelicidade, não podia ser café.

— Não é tão difícil assim de encontrar — minha mãe concluiu, tão calma quanto Kankuro.

Matsuri, Temari e eu buscamos a visão do meu pai. Ele apenas ergueu os olhos do tablet por um segundo, analisou a cena, quase dava para ouvir as engrenagens do seu cérebro trabalhando. Me encarou por um pedaço da eternidade.

— Passa o suco, por favor.

Ele só pediu por favor porque falou com a minha mãe. Eles trocaram um olhar passivo-agressivo e decidiram ficar calados. Contemplei o homicídio do meu irmão enquanto dava as últimas colheradas no cereal. Infelizmente, eu amava aquele cretino e não estava em condição de grandes esforços, tive que me contentar com o chute mais forte que aquela posição me permitiu acertar em sua canela. Ele me xingou e tentou devolver, meu pai nos parou com uma ameaça qualquer. Minha mãe riu.

Até que valeu a pena, ela não andava rindo muito ultimamente. Um sacrilégio, minha mãe tinha um sorriso lindo. Estávamos todos preocupados de que dessa vez o divórcio não fosse um blefe. Eles não dormiam mais no mesmo quarto. Um dia ou dois era normal para eles, mas semanas? Estava errado, muito errado.

Minha rotina continuava uma tortura e a de Lee continuava pesada. Todavia, ambos não nos sentíamos mais tão mortificados. A expectativa pelas nossas conversas se tornou o alívio perfeito, a motivação para enfrentar as partes difíceis do cotidiano. Certa vez, ele disse que empurrar as horas era pior do que lutar comigo. Eu o repreendi. Odiava lembrar daquela luta.

Nos falávamos basicamente de manhã e à noite. De tarde era impossível tirar o Lee-Sensei da academia, mas às vezes, almoçávamos juntos. Quando digo isso, digo a quilômetros e duas telas de distância. Adquirimos tantas habilidades para levar o outro pelos cantos, que comecei a entender a magia que Kankuro via na cinegrafia. Já poderíamos gravar um found footage. Ele me transmitia as aulas, eu as deixava rolando no Ipad enquanto fazia outras coisas. Não me admirava que ele chegasse tão cansado e fosse sempre o primeiro a dormir. Eu o observava por um tempo, até chamar meu próprio sono e desligar, torcendo para que o celular dele bloqueasse a tela e não consumisse toda a bateria.

Por de manhã, digo logo que o Sol nascia. Lee acordava muito cedo para seus treinos pessoais, manutenção da casa e checar seus pais. Nunca fui uma pessoa tão matutina, mas valia a pena, logo me acostumei. Os treinos do Lee eram uma visão e tanto, exigia muita resistência afetar naturalidade. Eu sugeriria um OnlyFans se não fosse um tiro no meu próprio pé.

Havia um lado bom nisso. Lee tinha razão, naquela noite, eu apressei tudo. Agora estávamos caminhando e não correndo. Esses dias foram uma oportunidade para nos conhecermos. A verdade é que fomos de um crush pelos corredores do campus para uma declaração e direto para o sexo desprotegido depois da balada. Muito rápido. Lee não sabia das consequências e eu estava feliz de que ele pudesse apenas viver os sentimentos dessa fase de encantamento, onde tudo que o outro faz é uma novidade excitante e admirável, sem essa pressão nos ombros. Já havia pressão de mais em sua vida.

como sobreviver ao fim de ano [GAALEE]Onde histórias criam vida. Descubra agora