cuidado com as crianças

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Saio rápido, mas não tão rápido a ponto de escancarar que estou fugindo. Shino, Akamaru e Kiba não estão mais na piscina. Ponho as mãos no bolso do casaco, consciente de no quê elas estão esbarrando. Meus punhos estão cerrados, não quero fazer isso mais do que o inevitável.

Ando devagar agora que estou sozinho. Respiro fundo como se não o tivesse feito desde que cheguei. Sinto que não o fiz. As palavras de Tenten e Sasuke se misturam na minha cabeça. Me sinto zonzo e sei que não é físico.

Tenten ressaltou o mal que fiz a Lee. Vê-lo confirmou. Lee enfrentou toda sua rede de apoio, apenas para vir aqui piorar a própria vida.

Sasuke me lembrou de que existo. E se nada intervir continuarei a existir, seja como for que isso acabe. Nos últimos cinco meses, pensei em Lee, pensei em cada membro da minha família, pensei até nos eleitores do meu pai e pensei, obsessivamente, nessa criança. Não pensei em mim.

Não sou a mesma pessoa de antes. Jamais voltarei a ser. Não sei ao certo quem sou agora. Sei ainda menos quem serei depois. Em qualquer depois. Não achei que fosse importante. Mas é. Que tipo de pessoa quero ser? Nunca pude escolher quem sou, porque poderia agora? Se ficar com esse bebê, que tipo de pai quero que ele tenha? Se não, a pergunta permanece. E que tipo de pessoa isso me torna? Como seguir a vida depois disso?

Ouço um assobio. O ritmo não é particular. Olho para trás. Shikamaru se aproxima. Se fosse possível andar deitado, seria isso o que ele estaria fazendo. Meu cunhado tem os dedos cruzados apoiando a nuca. Sei que o assobio foi uma gentileza, uma forma de se anunciar. Não paro de andar. Ele dá uma corridinha até mim.

Como pode ser tão difícil ficar sozinho num lugar tão grande?

— Eles falam demais, não é?

Uma frase generalista e fática, mas a comunicação é efetiva. Olho para ele. Shikamaru tem um sorrisinho muito específico na cara e ergue as mãos em rendição. O que ele realmente disse foi "não serei o próximo a te encher o saco, não se preocupe". Dá certo. Ele está com preguiça de se defender e eu de atacar. Não faço absolutamente nada e Shikamaru entende isso como um aperto de mãos diplomático.

— Qual é o seu problema com o caseiro? — digo.

— Quem é esse cara?

Shikamaru é exímio diplomata. Não dirá nada antes de saber que tipo de relação o homem tem conosco. Não queimará pontes. Meu pai o adoraria. Ele é namorado da Temari e eu consigo vê-la o levando a sério. Talvez se casem e tenham filhos. Meu pai o odiará mais do que a qualquer pessoa na face da Terra e fará isso até seu último suspiro.

— Não sei. Eu não sabia que tínhamos um caseiro, para falar a verdade.

— Seu pai nunca falou nada a respeito?

— Imagino que Temari tenha te falado sobre essa casa — cuspo as palavras como uma tesoura no assunto. Paro de andar e me viro para ele. — O que aconteceu?

— Ele é estranho.

O cara deve ser muito estranho mesmo, para Shikamaru considerar razoável levar isso para mim como uma reclamação.

— Estranho como?

Shikamaru não responde. Acompanho seu olhar e entendo. Não precisa. Uma cacofonia de chaves batendo delata o caseiro. Ele sai de sua casa num esforço quase cômico para abrir a menor brecha da porta possível. O anexo não recebeu o mesmo tratamento do imóvel principal. Está desatualizado, digamos assim, mas tem um jardim próprio, muito bem cuidado. A tinta da fachada é fresca, combina com a paleta cores do casarão. Pelo menos por fora, está limpa. É bonita. Me lembra uma casa de bonecas. Todas as janelas estão fechadas, inclusive as cortinas.

como sobreviver ao fim de ano [GAALEE]Onde histórias criam vida. Descubra agora