Chame a polícia

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ALERTA DE GATILHO: Agressão física, sangue, alusão a violência doméstica, abuso sexual e relacionamento abusivo, descrição de cadáver, homofobia e transfobia.

*

Vem aos poucos, quebrando devagar aquele limbo entre o mundo dos sonhos e a realidade. Por cima do barulho da chuva agressiva e persistente, gritos. Uma cacofonia conflituosa. A voz de Naruto se sobrepõe. Imperiosa. Irada.

Jogo um braço para o lado antes de abrir os olhos. Lee não está na cama. Me ponho de pé com urgência, meu corpo protesta. Ignoro. Bato na porta do banheiro. Um último e tolo fio de esperança. Nada. Abro. O banheiro está duas vezes mais limpo do que quando estivemos ali e o caos do mundo parecia acima de nós.

Meus olhos varrem o quarto com frustração. O tempo de conforto acabou. Todas as minhas roupas estão espalhadas pelo chão, mas não vejo a mala. Quando disse que Lee podia fazer o que quisesse, não imaginei isso. Não bate com o perfil de quem lava o banheiro depois de trepar. A bagunça costuma ficar dentro da cabeça dele, não fora.

Me abaixo xingando meu não-namorado mentalmente, pego um jeans (maldito tecido, maldito) e um casaco que já não sei mais se roubei ou ganhei do Kankuro, porém poderia ser do Chouji. A sorte me sorri quando não preciso lutar muito com o botão da calça. Logo estou atravessando a porta destrancada. Detenho a velocidade antes de encarar a escada.

Não sou idiota. Não sairei correndo para os braços de um conflito generalizado do qual nada sei a respeito. Dou aos meus passos o tempo de separar e entender o que estou ouvindo.

A voz de Neji é descartada por um Naruto indignado.

"Eu não esperava isso de você!".

"Estou sendo razoável, Naruto. É você quem não está ouvindo", Neji rebate, irritantemente centrado, para o choque de ninguém.

Naruto apela para Hinata. Péssima escolha e no mínimo cretino, colocar a garota entre a paixão e a família. Kiba estimula Hinata a concordar com Naruto. Shino acha que ele não deveria se meter. Há vozes paralelas, mais baixas, provavelmente tentando decidir de que lado ficar, abafadas por ocasionais latidas do Akamaru. Há um lamento funesto, um choro gemido, quase infantil.

— Se não tem nada de errado, por que ninguém fala nada? Por que não posso falar com ele? — Naruto insiste.

— Ninguém disse que não pode — Lee diz, definitivo. É o tom que usa quando sente que um aluno está passando dos limites.

— Ele quem? — desço os últimos degraus.

Penso que assustei o Akamaru, pois ele rosna (com certeza assustei a Sakura. Tenten não precisa de um susto para xingar impropérios). Kiba o contém com facilidade. A sala toda cheira a cachorro molhado e não é tudo culpa do Akamaru, que parece ter chafurdado na lama. Todos estão encharcados, ninguém tirou os sapatos. A exaustão é evidente nos rostos e a tensão nas posturas pode ser chamada de temor. Polui o ar abafado do cômodo apinhado.

O caseiro está encostado à janela. Um homem grande, de repente, pequeno. Amuado. Sinto a energia instável pulsando de sua aura. É como num assalto. O assaltante está sempre mais nervoso do que você. Temari e Kankuro estão de pé à frente dele. A distância entre o trio e os demais, dá aos meus irmãos o aspecto de carcereiros.

Matsuri, que estava abaixada no canto mais distante possível da confusão, abraçando os joelhos, se ergue ao som da minha voz. Corre até mim como uma criancinha, como sempre desde o dia um; o rosto lavado de lágrimas, treme quando a recebo num abraço.

Engulo a seco uma lufada de ódio, porque não sou da mesma espécie do Akamaru e preciso me lembrar disso. É mais urgente tentar fazer com que Matsuri me olhe e responda o que aconteceu.

como sobreviver ao fim de ano [GAALEE]Onde histórias criam vida. Descubra agora