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Mia

O imenso corpo de Dick é somente um monte de massa apagada em cima da cama hospitalar, em uma cabana pequena no meio do nada, a enfermeira baixinha e bem maquiada é empurrada de lado por mim, quando corro até ele. Meus olhos estão molhados, minha visão embaçada e lembro da noite em que passei a viver com ele, o motivo por trás disso e me controlo antes de chegar até ele, seco as lágrimas e o observo em silêncio. Um aparelho o ajuda respirar, um IV manda soro para seu corpo e seu rosto sempre corado, está pálido. Não tinha se passado nem uma semana que ele havia saído, e já estava assim, sinto um aperto no peito.

— O que houve com ele? — pergunto com voz de choro, ainda olhando para seu grande corpo imóvel e rosto tão abatido.

— Pode ir — Tristan fala e aí desvio, ele fala com a enfermeira. Ela deve estar na casa dos quarenta anos.

— Estarei na cozinha — ele assente.

Quando ela se vai, fechando a porta, Tristan se senta em uma poltrona.

— Alguém ligou pro Dick, na noite anterior a sua viagem, não sei muito, só que ele deveria ir até a saída da cidade. Algumas horas depois, estranhei por não ter avisado que tinha chegado e fui procurar, o encontrei completamente machucado e quase sem vida na floresta. Não conseguiu me dizer quem fez isso, logo apagou — me conta.

Eu assinto por não ter o que falar, na verdade, eu queria chorar. Ao menos com Patrick e mamãe, foi rápido. Sem dúvidas por baixo da roupa de hospital, Dick tem muitos machucados, seu rosto era só uma parte daquilo.

— Você acha que foi alguém de dentro? — pergunto após alguns segundos, tendo certeza que não vou chorar.

Tristan, me olha entediado e se levanta.

— Não duvido. Por isso mantive a história. Deixaram o celular de Dick para trás, então usei para mandar algumas mensagens, não podemos confiar em ninguém. E isso nos ajudará também, se for alguém de dentro, logo deixará algo escapar quando as mensagens continuarem.

Eu o olho mesmo surpresa. Sempre pensei que uma vez com Dick longe ou não se importando o suficiente, Tristan acabaria com a minha vida.

— Você confia em mim?

Ele faz uma careta bem rápida, como se sentisse dor.

— Dick confia — sua resposta também me surpreende, não tanto quanto antes, mas faz. Dick confia em mim! — Vou descobrir o filho da puta, matá-lo e esperar meu padrinho melhorar — a última parte, em especial sobre o padrinho, diz olhando para Dick — Vou resolver tudo para quando ele estiver melhor e vamos comemorar sobre os restos do maldito traíra!

Agora, eu sei que parece bem estúpido da minha parte, mas é quando percebo pela primeira vez, que Tristan ama o padrinho. Também é a primeira vez que o ouço chamá-lo assim. E como não poderia amar? Dick o criou desde que seu pai partiu, então quando sua mãe também morreu, Dick levou Tristan e o pôs sob suas asas, como fez comigo. Dick foi seu pai... Assim como o meu, do jeito mais torto, terrível e sangrento possível.

Era estranho também, notar como o assassino da minha mãe e eu, temos tão em comum. E que nossas vidas, meio que dependiam um do outro. Se descobrissem sobre o estado de Dick, haveria aqueles que iriam querer ocupar seu lugar até a volta do líder, por mais que aceitem e reconheçam Tristan como o sucessor, mas sempre havia alguém que discorda e a prova, se realmente Tristan está correto em crer que é alguém da gangue, era o ataque que o Gigante sofreu. Dick não estava ficando mais jovem, e já havia alguns meses que falava sobre se aposentar, tanto que Tristan passou a ter mais poder dentro da gangue, para já ir sabendo como agir quando chegar seu momento, alguém muito descontente resolveu pôr as garras finalmente para fora.

Então, Tristan e eu, deveríamos permanecer unidos para encontrar essa pessoa, nos proteger e proteger Dick. Chega a ser irônico.

— Vou te ajudar! — digo sincera, talvez a primeira vez que fui com Tristan.

Seu olhar pula de Dick para mim.

— Não preciso da sua ajuda, Princesa, só que mantenha a boca fechada e no seu lugar. Só estou contando isso, porque quando o Dick acordar, ele vai ficar me enchendo a porra da paciência por não ter te trazido até aqui — diz, no seu estado natural. Grosso — A propósito — caminha até mim, não há espaço para eu recuar — Se você falar sobre isso para uma barata que seja, eu não me importo o quanto puto Dick ficará comigo, eu te mato, e dessa vez, ninguém me impedirá. E não irei só te matar, antes vou te deixar do jeito que encontrei Dick, ou pior — engulo seco.

Mesmo que eu nunca fosse fazer isso, me arrepio e temo por inteira.

— Nunca faria isso!

— Para o seu bem, é melhor que sim, Docinho — diz zombador — Vou falar com a enfermeira e então vamos embora — continuo parada, atenta aos seu movimentos, temendo — Entendeu? — assinto urgente.

— Sim, Tristan!




(...)

O carro em movimento e rapidez não é o suficiente para tirar da minha mente o corpo quase que sem vida de Dick, daquela cama, não posso parar de pensar em quanta dor sentiu até ter seu corpo apagado e o quanto deve estar sofrendo agora, se estiver conscientemente desperto ainda que não se mexa. A enfermeira disse que eu poderia conversar com ele, que em alguns casos os pacientes ouviam e isso era de muita valia, ela não disse dividindo seu olhar de Tristan para mim, só para mim, provavelmente já havia contado isso a ele.

Será que ele falou?

E se sim, o que disse ao seu padrinho? Lamentou? Implorou que Dick voltasse? Gritou? Chorou?

Tristan já chorou alguma vez em sua vida que não fosse durante seu nascimento? Não consigo imaginar ele fazendo isso. Ainda me era estranho tê-lo preocupado com Dick, mesmo sabendo o que o homem fez por ele. Mesmo sabendo de tudo. Tristan não me parecia humano. Ainda que eu soubesse que ele respira, come, dorme, transa... Se preocupa.

— Perdeu o caralho da sua boceta em minha cara?

Pergunta carinhoso e é quando percebo que o encaro.

— Desculpa, Tristan! — olho para fora da janela.

Humano, sim.

Vazio e cruel, também.

O homem nunca mudaria.

Love In The Dark Onde histórias criam vida. Descubra agora