Capítulo Cinco

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    Ele segura em meu pulso me guiando até o quarto leito e afasta lentamente a cortina azul chamando pelo nome de sua mãe, que abre um sorriso para ele e desvia o olhar para mim, desconfiada, Maicon me empurra vagarosamente e me aproximo dela com os olhos marejados segurando em sua mão.

— Cabelo loiro e esses olhos claros que nunca vou esquecer... Sami! — Se esforça para falar.

— Oi Margarete, sou eu. — Sinto um ardor em meu nariz e as lágrimas descem em abundância pelo meu rosto.

— Quanto tempo, você está tão linda! Como está sua mãe? — Pergunta baixinho, ajeitando os fios sobre seu corpo.

— mm... Ela faleceu tem um tempo já! — Engulo o choro, olhando solenemente para ela. — Mas deixou um moleque para minha avó cuidar.

— Ela teve outro filho? Ela era louca mesmo! Eu tentei sair dessa vida, mas não deu não... E agora, eu tô aqui! — Ela sussurra, olhando ligeiramente para nós.

— A senhora logo vai sair daqui. — Observo os lábios ressecados e os olhos fundos dela.

— Eu sei que eu não vou. — Ela olha diretamente para mim, tentando tocar em meu braço, e eu me aproximo ainda mais dela alisando as laterais de seu rosto.

    Conversamos por bastante tempo, ela nos conta diversas histórias do tempo em que viveu comigo e minha mãe e um silêncio repentino toma conta do ambiente me fazendo olhar para ela e vê-la puxar o ar com tamanha força que seu rosto chega a ficar enrubescido; grito de forma aflita por Maicon que estava afastado de nós digitando algo em seu celular e junto deles vieram duas enfermeiras, que não sei de onde saíram, elas trazem consigo alguns aparelhos em uma espécie de carrinho e pediram para nós nos afastar.
    Em seguida ouço os monitores apitarem seguido de um ruído alto, Maicon chora tentando retornar para o lado da mãe, mas é impedido por outras três enfermeiras que lhe seguram pelo braço. Ele tenta se desvencilhar das mãos delas, mas uma delas puxa uma poltrona azul jogando-o em vida dela e se coloca em sua frente com as mãos repousadas sobre seus joelhos tentando acalmá-lo; a cortina azul é fechada por uma das enfermeiras que se dedicam aos cuidados de Margarete.

— Nós sentimos muito, tentamos de tudo... — Uma das enfermeiras volta a abrir a cortina, retirando as luvas de suas mãos.

— M-MÃE... — Maicon grita aos prantos, correndo até o leito de sua mãe.

    Maicon beija as mãos da mulher, acariciando-lhe o rosto e suspira profundamente, repousando a cabeça sobre seu peito, chorando ainda mais; olho para aquela cena, incrédula, com os olhos marejados. Ele seca suas lágrimas sem cessar os soluços e olha para mim com os olhos inchados me chamando com o dedo indicador, me achego até ele a passos arrastados e ele curva os lábios em um beicinho, voltando a olhar para o corpo inerte de sua mãe, coloco a mão delicadamente no centro de suas costas, fazendo ele olhar para mim cabisbaixo, ficamos longos minutos em silêncio, apenas nos observando.
    Uma enfermeira interrompe o momento pedindo para nós nos retirarmos, pois eles precisavam liberar o corpo para o IML; o loiro olha uma última vez para a mulher e saímos com ele sendo amparado por outra enfermeira que nos guia até o lado de fora.
    Saímos do hospital voltando direto para a favela, aponto para um ponto próximo da minha casa e ele estaciona próximo do meio-fio. Olho para o lado de cima vendo Raul descer o morro enrolando um baseado, ao me ver ele se assusta e tenta voltar para trás, mas eu corro atrás dele tentando segurar em seu ombro, porém ele corre mais rápido que eu entrando em uma viela, desaparecendo no fim dela; ouço o ronco da moto e olho para trás vendo Maicon olhar estranhamente para mim, perguntando se eu conheço Raul, assinto informando que ele é meu irmão e o vejo engolir seco, murmurando com a voz fraca.

— Conhece o Raul? Chamou ele até pelo nome!? — Pergunto, apertando um dos olhos.

— N-não, é que... é que... eu já o vi lá na bomboniere e conversamos um pouco, mas não sabia que ele era seu irmão! — Comenta aparentando estar bastante nervoso. — Agora tenho que ir, que estou atrasado. — Pisca para mim e arranca com a moto terminando de subir o morro velozmente.

    Entro em casa encabulada com o fato de Maicon já conhecer meu irmão e ainda o chamar pelo nome; adentro a cozinha sentindo um cheiro delicioso e encontro minha vó de frente para o fogão fritando alguns bolinhos de chuva, colocando-os de lado em um prato coberto por um guardanapo branco. Espero ela se distrair para roubar um bolinho e me sentar à mesa, gargalhando com a boca cheia, ela olha para mim, estalando a língua e estica o braço com o prato me oferecendo mais bolinhos, eu recuso.
    Ela me olha como quem quer saber o porquê de eu ter saído cedo de casa e antes mesmo que ela pudesse perguntar algo, respondo haver ido visitar Margarete no hospital e ela faleceu, mas que antes de morrer ela me contou várias histórias do passado dela com a minha mãe, inclusive sobre o meu nascimento — isso inclui também, o meu pai.

— O que essa mulher te contou sobre teu pai? — Ela perguntando com desdém, me olhando com o cenho franzido.

— Diferente de vocês, a verdade né? Ela falou que o meu pai está vivo e que ele nem deve saber que eu existo, já que minha mãe só sabia se entupir de droga. — Comento sarcástica, mastigando o bolinho.

— Até antes de morrer essa mulher fez o inferno na nossa vida! — Exclama e depois sorri balançando a cabeça.

— Qual é vó? Só porque ela teve coragem de me falar o que vocês não tiveram?

— E como você pode confiar tanto em alguém que acabou de reencontrar e agora nunca mais vai ver? — Ela questiona aos berros, me deixando sem argumento. — Posso saber com quem a senhorita foi até lá?

— Com o Maicon, filho dela... conheci ele ontem! — Murmuro mansamente.

— Mm... e ele é igual à mãe dele? Não digo de fisicamente. — Pergunta curiosa, me fazendo revirar os olhos.

CARALHO VÓ, nada que está saindo da sua boca presta! QUE INFERNO. — Grito fazendo ela se assustar e deixo o cômodo indo direto para o meu quarto.

Sami: Sobrevivendo no InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora