Capítulo Quatorze

17 1 0
                                    

    Os vinte minutos de conversaram pareceram se estender por horas, ela me deu total tranquilidade para falar sobre os acontecimentos da minha vida, mas muita coisa eu escondi, não confio totalmente nela para tal feito. O importante foi eu ter conseguido contar a ela sobre a minha mãe ter sido uma drogada e o quanto eu me senti aliviada após a morte dela, contei também sobre o abandono do meu pai mesmo antes de o meu nascimento e o resto eu escondi, não me sinto preparada ainda.
Com todos esses anos de vida aprendi que não devo confiar nem na minha própria sombra.

— Espero poder te ver uma próxima vez, Sami! — Se despede de forma afável, me guiando até a porta.

    A volta para casa foi bastante silenciosa, apesar de eu não ter falado nenhuma vez sobre o que me assombra, as imagens e pequenos flashbacks com as cenas passam como um filme pela minha cabeça, me fazendo reviver tudo o que mais desejo esquecer; minha avó curiosa para saber como foi o consulta, mas apenas murmuro, deixando claro que não estou muito a fim de conversar.
    Chego em casa e corro para o meu quarto trancando a porta atrás de mim, soltando o choro que há muito estava preso em minha garganta e me jogo sobre a minha cama, puxando a camiseta azul do meu irmão que estava pendura na cabeceira, levando o tecido até o nariz, exalando o pouco de perfume que ainda resta; deito em posição fetal abraçada ao tecido e sinto as lágrimas descerem em abundância molhando o tecido macio do lençol florido.

— Sami! — Assusto-me com as insistentes batidas na porta trancada. — Vou dar uma saída e mais tarde estou de volta. — A voz fica distante conforme minha avó se afasta do cômodo.

    Giro meu corpo sobre o colchão e me deito de barriga para cima, fitando as pequenas manchas esverdeadas de bolor por todo o teto, suspiro cessando as poucas lágrimas que ainda insistem em escorrer pelo meu rosto e penso novamente em Raul, erguendo o tecido da camiseta até a altura dos meus olhos balançando de um lado a outro e aperto o tecido contra os meus dedos quando uma nova crise forte de choro, toma conta de mim, me fazendo urrar e apertar o tecido contra o meu rosto.
    Após um curto período cesso meu choro e um cansaço invade meu corpo, sinto meus olhos pesarem e me deito lateralmente apertando a camiseta fortemente com as mãos, suspiro por algumas vezes e adormeço com as mãos escondidas embaixo do meu pescoço.
    Desperto no susto ouvindo alguém gritar o meu nome no portão e me ajoelhou em minha cama puxando levemente  a pequena cortina para o lado, deixando uma pequena fresta para eu olhar do lado de fora, mas devido à localização do meu quarto e das barras do portão ficarem nas minhas vistas é impossível de ver do outro lado, solto a camiseta em cima do lençol e corro até a sala arrumando meu cabelo antes de sair.
    Passo para o lado de fora e antes de descer os degraus pergunto quem é e rapidamente obtenho a resposta; corro pelos degraus e abro o portão para Maicon que traz um objeto nas mãos coberto por um pano de prato branco estampada com várias galinhas da Angola em diversos tamanhos; ele me cumprimenta com um beijo no rosto dando passagem para ele entrar, deixo um sorriso escapar dos meus lábios quando seus olhos encontram os meus por alguns minutos e tento disfarçar convidando-o para entrar em casa. Deixo ele ir à frente e quando a leve brisa bate em meu cabelo o balançando suavemente, traz consigo também o cheiro adocicado do que o que ele carrega em suas mãos, respiro profundamente aproveitando o cheiro maravilhoso, mas disfarço percebendo o olhar dele sobre mim por cima de seu ombro, ouvindo seu risinho, enquanto subo os degraus vagarosamente intercalando entre um e outro.

— Pedi para Camila fazer pa tu, espero que goste. — Ele anuncia, tirando o pano de prato que recobre o doce muito bem enfeitado.

— É um bombom de travessa? Que lindo! Agradece ela por mim depois... — Peço entusiasmada, dando leves gritinhos de felicidade. — Deve estar uma delícia! — Comento alisando minha barriga por cima do tecido da minha blusa.

    Olho sorrateiramente para ele sorrindo de canto e antes de passar pela porta da sala roubo um dos morangos e corro até a cozinha apressando-me em pegar duas tigelas para colocar o doce para nós e ele vem logo atrás de mim, gargalhando ao me ver ficar na ponta dos pés para mexer no armário.
    Maicon coloca a travessa delicadamente sobre a mesa e vem até mim, chocando seu quadril contra o meu, me fazendo desequilibrar, puxando sutilmente as pequenas louças marrons que estavam no fundo da segunda prateleira do armário e me encara com deboche colocando elas em cima da mesa 

— Tá aí pigmeu. — Zomba e eu estalo a língua, dando de ombros para ele, colocando o doce em apenas uma das tigelas. — Vai colocar pa mim não?

— Cê não é aleijado. — Retruco, colocando uma colherada cheia de doce na boca.

    Gargalho sarcasticamente indo em direção à sala e ele vem atrás de mim, murmurando algo incompreensível enquanto bate a colher nas bordas da tigela, causando um tilintar extremamente irritante, me deixando agoniada; interrompe meus passos dando espaço para ele passar e quando o mesmo está prestes a passar em minha frente seguro em sua mão firmemente, o encarando com as sobrancelhas arqueadas maneando levemente a cabeça para os lados, em sinal de reprovação.
     Troco breves olhares com ele enquanto ele se senta no sofá no centro da sala brincando com o doce e eu me sento no sofá menor do outro lado ligando a televisão e ele pede para colocar um filme de comédia para assistirmos; ele escolhe um de seus preferidos com o Adam Sandler como personagem principal e nós passamos a tarde toda rindo e comendo doce.
    Após comermos mais da metade da vasilha, ele me ajuda a lavar a louça e nós voltamos para sala para conversar mais um pouco e dessa vez nós nos sentamos no mesmo sofá, um de frente para o outro, passo meus olhos por sua correntinha sobre sua camiseta vermelha e sem querer olho para seus lábios finos e rosados demoradamente enquanto ele fala, fazendo ele rir baixinho.

— Você está prestando atenção no que eu tô falando? — vejo a covinha se formar em sua bochecha quando um largo sorriso se abre em seu rosto. 

— Eu... eu tô né? — Sorrio timidamente, me ajeitando sobre o sofá.

    Ele arrasta seu quadril sobre o estofado movendo-se para perto de mim e alisa a lateral do meu rosto, desenhando o contorno do meu rosto e sinto minhas bochechas queimarem e um frio invadir minha barriga, mordo meu lábio inferior e fecho os olhos sentindo a aproximação de seu rosto ao meu; sinto o toque macio de seus lábios aos meus enquanto sua mão toca levemente a lateral do meu rosto, acariciando-o com o dedo indicador, abro um sorriso no meio do beijo, mas me afasto dele abruptamente, desgrudando nossos lábios.

— Por que você...? — Pergunta, confuso.

— Eu não posso, Maicon, não posso. — Suspiro, umedecendo meus lábios.  — Vai embora por favor, daqui a pouco minha avó chega e eu não quero que ela me veja chorando! — Me levanto caminhando até o outro lado e abro a porta para ele.

    Ele passa pela porta me olhando por cima de seus ombros de forma confusa e fecho a porta atrás dele sentindo uma dor no peito, percebendo que agora ficarei sozinha até minha avó chegar; a noite cai e tomo um banho rápido colocando meu pijama de frio voltando para a sala com uma coberta rosa de microfibra colocada sobre meus ombros, jogo ela sobre o braço do sofá indo em direção à janela e puxo a janela abrindo uma pequena fresta para ver o portão que ainda está fechado e a rua totalmente silenciosa, milagre por aqui.
    Lembranças de Maicon tomam minha mente e eu abro um sorriso bobo só de pensar na hipótese de ele estar gostando de mim.
Acorda Sami, quem vai gostar de verdade de uma garota, estuprada a infância toda e ainda por cima que nunca deu valor ao próprio corpo.

Sami: Sobrevivendo no InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora