Capítulo Seis

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    Entro no cômodo fechando a porta fortemente atrás de mim e dessa vez arrasto a pequena mesinha de cabeceira colocando-a atrás da mesma, impedindo a entrada de qualquer pessoa; deito na minha cama de barriga para cima, fitando a pequena lâmpada, me perdendo em meus devaneios.
    Ouço meu celular sinalizar a chegada de uma nova mensagem e retiro o mesmo do cós do meu short, levando-o até a altura do meu rosto.

Kali: Vamos sair comigo e Tamiris? Não aguento mais ficar em casa com meu pai, ele tá um mala!

Sami: Bora! Hj? Qm é essa garota?


Kali: Minha melhor amiga, vou chamar um Uber mais tarde pra vc, nós vamos lá pras quatro, demorô?

    Deixo ela no vácuo porque meu irmão me interrompe com fortes batidas seguidas de solavancos na porta e antes que ele consiga quebrá-la, me levanto puxando o pequeno móvel para o outro lado, dando espaço para ele passar.
    Ele adentra vasculhando meu quarto como se procurasse por alguma coisa importante e logo se senta sobre a mesinha de cabeceira com os ombros caídos e uma feição cansada; ele hesita antes de falar e então pergunto o porquê de ele estar aqui.

— O que cê tava fazendo com MD hoje? — Pergunta com um tom indiferente na voz.

— Quem é... Maicon!? — Pergunto confusa. — MD? Por que MD?

— É o vulgo dele, sabia não?

— Da onde cê conhece ele? — Pergunto, fingindo não haver falado sobre isso com o moreno.

— É... ahm... conheci ele na rua, tava jogando com os moleque e ele apareceu pedindo pa jogar... — Responde, evitando manter contato visual comigo.
CACETE! AMBOS ESTÃO MENTINDO PARA MIM.

    Sou interrompida por uma nova mensagem e pego meu celular rapidamente passando os olhos por sobre as letras miúdas, percebendo ser de um dos vapores a qual eu sempre oferecia favores sexuais; mas como não estou a fim de encontrá-lo, apenas bloqueio e volto a prestar atenção no meu irmão que me encara batucando a superfície da caixa de madeira.
    Rio cantarolando uma música que não tem nada a ver com o ritmo que está tocando e ele olha para os lados puxando uma blusa de frio velha, jogando-a em cima de mim e faço o mesmo com um travesseiro, atingindo-lhe a cabeça. Outra mensagem chega e meu coração aperta, por falta de cuidado sou novamente atingida pela almofada, prendo-a embaixo do meu braço e desbloqueio o visor do meu celular lendo a mensagem com um tom ameaçador que foi enviada para mim, presumo ser de Victor, o vapor que bloqueei a pouco.
    Meu coração começa a bater descompassadamente e me falta o ar, me encolho na minha cama afastando o celular com os pés e começo a chorar freneticamente puxando meus próprios cabelos enquanto um filme com uma sequência de torturas e estupros passa na minha mente; chuto partes do lençol me debatendo contra ele, escondo meu rosto entre meus braços e sinto a presença de alguém ao meu lado, destampo parcialmente meus olhos e vejo Raul sentado no chão com os braços apoiados levemente sobre o colchão. Ele espera eu me acalmar e só então me pergunta o que aconteceu, me recuso a falar e ele torna a perguntar, me deixando irritada; acabo gritando com ele sem querer e saio do cômodo aos prantos, me sentando no sofá da sala, ligo a televisão colocando no único canal que pega.
    Depois de uns cinco minutos, Raul retorna para sala brincando com uma seda dobrada, passando-a entre um dedo e outro, mesmo já sabendo, pergunto o que é aquilo e ele esconde no bolso traseiro de sua bermuda cinza; finjo não me importar e dessa vez pergunto sobre minha avó.

— Ela falou que foi atrás de um serviço, porque o dinheiro que tava no guarda-roupa dela acabou.
Eu sei que acabou, era eu quem o colocava lá.
Agora, sim, estou entre a cruz e a espada; com as contas de casa chegando e com três pessoas precisando ser alimentadas, não tem muito o que fazer, preciso fazer uma grana rápida.

— Tá pensando em quê? — Olho no automático para Raul, mas a voz dele me parece longe. — Piranha, tá ouvindo não? — Ele chacoalha meus ombros, me trazendo de volta a realidade.

— Nada. — Estalo a língua afastando as mãos dele dos meus ombros. — Preciso sair e você tem que ficar aqui até a vó chegar, demorô? — Anúncio e me levanto indo para o meu quarto.

    Troco de roupa colocando uma calça jeans e uma camiseta branca, colada no corpo, faço um rabo de cabelo e antes de sair passo uma sombra rosa que encontrei no fundo da gaveta da mesinha de cabeceira e um gloss, só para realçar um pouco meus lábios. Passo pela sala encontrando Raul assistindo jornal com uma vasilha cheia de biscoitos de polvilho do lado, chamo por ele avisando que estou indo e ele ergue a mão com o polegar apontado para cima, sem nem olhar para mim.
    Passo para o lado de fora calçando uma rasteirinha desgastada e vou até a bomboniere conversar com a Camila; desço a estreita viela cumprimentando os moleques da boca que eu conheço e ao sair na rua de trás vejo algumas meninas me olharem com cara de nojo, finjo não me importar, voltando a caminhar para a direção contrária.
    Chego no lugar com movimento escasso, encontrando a menina sentada à mesa junto de seu pai bebendo cerveja e comendo rabanada; cumprimento ambos alegremente e arrasto uma cadeira branca perguntando se posso me sentar junto deles, seu pai assente com um sorriso já empurrando o prato na minha direção e eu pego uma das rabanadas passando no açúcar.
    Conversava com eles quando ouço a voz de Diogo vir da direção da entrada, me fazendo paralisar sustentando a rabanada no ar, ouço o barulho de seus chinelos contra o piso branco e logo ele está do lado de Carolina beijando-lhe o rosto e vem até mim, mas antes mesmo que ele se avizinhasse, me levanto indo para perto do balcão apontando para uma garrafa de coca no compartimento no chão; troco olhares amedrontados com ele sentindo meu coração acelerar a cada passo dele e desvio o olhar rapidamente ouvindo barulho na porta fechada atrás do balcão.

— Sami!? Ouvi sua voz, não sabia que você estava aqui se não teria vindo te ver antes! — Maicon aparece com um sorriso largo no rosto, deixando aparente a covinha em sua bochecha, o cabelo todo bagunçando grudado em sua testa, pingando suor.

— O que cê tá fazendo aqui? Cê não tinha que tá preparando as coisas do velório da sua mãe? — Lhe olho assustada, enquanto ele levanta a madeira que divide o balcão e vem até mim, ajeitando a camiseta. — E esses olhos vermelhos, estava chorando?

— O tio vai me levar daqui a pouco! — Ele diz olhando para o senhor que sorri, bebendo um pouco de sua cerveja. — Maconha! — Ele ri, arregalando os olhos.

    Me afasto quando Diogo se aproxima dele dando suas condolências junto a um abraço lateral e um toque de mãos; ele troca olhares disfarçadamente comigo e eu viro meu corpo por completo, ficando de frente para Camila com as mãos apoiados no encosto da cadeira vazia ao seu lado. Olho para trás, mas não os vejo mais, apenas ouço o barulho da porta sendo fechada; suspiro aliviada relaxando meus ombros ensaiando mentalmente em como pedir um emprego aqui na bomboniere para a morena na minha frente.
    Faço alguns rodeios dando alguns breves sorrisos e decido lhe perguntar, mas ela informa que está conseguindo dar conta dos atendimentos sozinha e por enquanto não precisa de ninguém; ela mal termina de falar e uma família chega sentando-se em outra mesa vazia chamando por ela.
    Ela os atende e retorna até mim, puxando a cadeira para nós nos sentarmos, puxando o prato com as poucas rabanadas até nós e dá um longo gole em sua cerveja, oferecendo para mim, eu recuso e ela ri voltando a comentar sobre sua rotina de trabalho.

— Precisa de trabalho Sami? Tenho um pra você! Quer? — Nem vi de onde Diogo apareceu, quando vi ele já estava apoiado na parte de trás da minha cadeira.

— Eu também tenho algo para você, quer? — Ele me encara curioso e eu o encaro com um meio sorriso e após alguns segundos lhe mostro o dedo do meio, tirando um sorriso de todos aqui presentes.


Sami: Sobrevivendo no InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora