Capítulo Dez

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    Os meninos cochicham algo entre si e peço para eles chamarem meu irmão, mas o mesmo ao ouvir, retorna soltando a fumaça para o ar com um sorriso irônico nos lábios e se encosta no muro, com o pé direito apoiado na elevação da calçada. O menino desce a mão com o cigarro entre seus dedos fingindo bocejar enquanto eu me exalto, vigiada pelas vizinhas fofoqueiras que simulam uma conversa interessante entre elas só para ver a briga.

— Então é isso!? Você não vai ver a vó, ela acabou de chegar do hospital e esperava te ver! — Pergunto já sem paciência e ele nega, voltando o cigarro a boca.

    Dou de ombros para ele caminhando na direção contrária, voltando para casa indignada, ouvindo os comentários infames das senhoras e de outras pessoas que passam por aqui, reviro os olhos dobrando a esquina lembrando das palavras das atitudes de Raul e soluço sentindo meu nariz arder com as lágrimas que começam a descer pelo meu rosto, cubro parcialmente meu rosto com as mãos, tentando escondê-las.
    Chego em casa me deparando com os meninos deitados, cada um em um sofá revezando um pacote biscoito, arranho levemente a garganta, mas apenas Maicon olha para mim enquanto Elói brinca com um dos biscoitos tentando acertá-lo em sua boca; pergunto sobre a minha avó e Elói responde rudemente que eles a levaram para o quarto, para que ela pudesse descansar.

— Dá um copo de água fazendo favor? — Maicon pede, amassando o pacote de biscoito vazio.

    Peço para ele me seguir até a cozinha e pego um copo no armário e a jarra verde na geladeira levando até a pia e percebo que enquanto despejo água no copo os olhos dele passeiam pelo meu corpo. Olho de soslaio, um tanto quanto sem graça, sentindo um calor subir pela lateral do meu rosto e me volto para ele suspendendo o copo no ar com os olhos voltados para chão e ele retira o objeto das minhas mãos soltando um riso fraco, ergo meu olhar para encará-lo e ele se achega ainda mais de mim a passos curtos, me fazendo recuar, até bater as costas em algo duro, percebendo estar encurralada entre a pia e o espaço vago de onde ficava o fogão.
    Sinto um frio na barriga sentindo o toque de sua mão deslizando da minha bochecha até a minha orelha, colocando uma mecha fina de cabelo atrás da minha orelha e eu volto a encará-lo vendo-o umedecer lentamente os lábios e aproximar seu rosto do meu encostando seus lábios aos meus, fecho os olhos dando passagem para sua língua, sentindo meu peito inflar com minha respiração acelerada, mas o afasto abruptamente no momento em que a imagem de Diogo toma conta da minha mente.

— Desculpa, eu... eu… — Sua voz, trêmula, soa insegura e ele recua quase tropeçando nos próprios pés. — Eu não queria isso! — Implora, olhando-me de maneira afoita, bebericando a água no copo de forma acelerada.

    Elói adentra o cômodo quebrando o clima que ficou entre nós e se senta de frente para Maicon, analisando-o com os olhos semicerrados, pairando os sobre mim, coço sutilmente a minha nuca, descendo minhas mãos pelos fios loiros do meu cabelo ajeitando na frente de meus ombros e Elói observa elevando o canto direito de seu lábio em um meio sorriso perguntando se Maicon vai para o baile mesmo a tarde.
    Com tudo o que aconteceu me esqueci completamente que marquei de ir com Kaliandra e resolvo ir até o meu quarto para pegar meu celular para lhe mandar uma mensagem informando-a; atravesso o corredor falando para Elói que tenho uma amiga para apresentar para ela e quando menos espero ele vem atrás de mim, pedindo características da garota, e eu resolvo deixá-lo curioso.
    Por volta das cinco da tarde eles vão embora com a desculpa de que precisam arrumar as coisas do baile e organizar a vende de drogas com Patrick e eu aproveito para esticar o corpo no sofá e cochilar antes de me levantar para começar a me arrumar para ir ao baile; estava dormindo prontamente quando ouvi ruídos na cozinha e me levanto em um pulo indo até lá, vendo minha avó na ponta dos pés mexendo na parte superior do armário, coço sutilmente a garganta e ela se assusta olhando diretamente para mim com os olhos arregalados, levando as mãos ao peito.

— Tá maluca vó? O médico pediu repouso absoluto para a senhora. — Comento me aproximando dela com a mão estendida, para ela segurar.

Ajudo ela a se sentar na cadeira e aproveito o fato de ela estar aqui para fazer um café para nós duas, colocando um saco de pães sobre uma toalha amarela e um pote de margarina aberto no centro da mesa e minha avó enfia a ponta do dedo no pote passando-o em seus lábios como se fosse batom e ri olhando para mim com um bico.

— Onde está seu irmão? Descobriu porque as coisas daqui de casa sumiram? — Ela pergunta colocando um pouco de café em uma xícara branca estampada com uma foto minha e de Raul.

— Eu não sei vó, eu não o encontrei! — Minto, cortando um pão ao meio.

— Tem certeza ou você não quer me contar!? Você parece tensa e eu não nasci ontem! — Ela pisca com frequência mantendo as pernas inquietas embaixo da mesa. — E o que o seu irmão falou de você, é verdade?

— RAUL SE EXALTOU, ÓBVIO QUE É MENTIRA DELE! — Grito, suspirando profundamente e deixo a mesa, mexendo no celular. — EU VOU PRO BAILE HOJE E VOLTO TARDE! — Berro em frente à porta do meu quarto e adentro o mesmo, fechando-a atrás de mim.

    Estava no meio do meu banho quando ouço a voz de Kali do lado de fora conversando com a minha avó, saio do cômodo enrolada em uma toalha gasta e sorrio acenando para a menina sentado no sofá, ela retribui o sorriso e eu entro no meu quarto vestindo um shorts jeans desfiado e um cropped faixa amarelo; coloco um anel de prata no dedo e uma correntinha com um pingente do coração e saio do quarto pulando em um pé só calçando meu tênis pouco encardido.
    Por volta das sete da noite olho pela janela e vejo quando o fluxo de pessoas subindo o morro se intensifica, olho por cima do meu ombro avisando Kali, que estava sentada no sofá, chamando ela para sairmos de casa. Ela se levanta ajeitando sua roupa e me acompanha até o lado de fora, tendo que aumentar o tom de voz pelo som alto que ecoa pelos becos e vielas, provavelmente vindo da rua central, onde acontecem os bailes; as pessoas que sobem em nossa frente já estão no pique dos bailes, dançando com garrafas de bebidas alcoólicas e drogas voltadas para o alto. Os vapores andam por toda parte com armas atravessas em seus peitos, costas e empunhadas nas mãos, olho vagamente para eles e olho para o lado percebendo o quão tensa a Kali está.
    Durante o baile deixo Kali e Elói sozinhos por alguns segundos e danço com algumas meninas que estão pouco mais adiante de onde eles estão, na frente de um carro com porta-malas aberto; jogo meu cabelo para os lados rebolando até o chão e um estrondo muito alto pôde ser ouvido na parte baixa do morro e logo foguetes são lançados ao céu, indicando uma invasão, começa um corre-corre e consigo me aproximar de Kali para corrermos juntas, seguro em seu pulso e em um determinado momento percebo estar sozinha no meio da multidão que quase me atropela, abraço um poste respirando fatigada e com a aproximação das sirenes volto a correr trombando em todos que cruzam meu caminho. Dobro a esquina e acabo trombando em alguém que estava de costas e me desequilibro dando alguns passos desengonçados para trás.

— Ora, ora, ora... quem temos aqui! Tá cada vez mais gostosa. — Ele avança repentinamente para cima de mim, agarrando em meu braço na tentativa de me beijar.

— Tira suas mãos de mim cacete! — Respondo entredentes, lhe acertando um chute na altura da coxa.

    Ele me solta e eu corro na direção contrária trombando em algumas pessoas pelo caminho até ser interceptada por cinco moleques que me cercam e um deles me pega pela cintura prendendo meus braços na frente do meu corpo, me debato diversas vezes aos gritos sendo arrastada até o barraco de madeira que eles usam como esconderijo de drogas; Um deles me segura pelos dois braços e me joga no chão, subindo em cima de mim.

Sami: Sobrevivendo no InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora