O seu, o meu e o nosso.

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Espero que a partida chegue ao fim para poder fechar o Adam Point. Dei uma folga para Daniel hoje, ele parecia bem abatido durante o dia, deve ter pego uma virose e achei melhor ele ficar em casa antes de voltar para o trabalho. Adalyn está lá dentro com as meninas da Butterfly, silenciosas como um gato, com a partida final que vai decidir a equipe vencedora do campeonato feminino.

Estou cogitando acatar as ideias de Adalyn e começar a vender algumas coisas no Adam Point, expandir o negócio. Já que o local tem foco em games, posso vender itens de informática e até abrir um ponto específico para efetuar pagamento de boletos. Eu precisaria desocupar a salinha da bagunça — como meu marido chamava — para poder fazer isso, mas acho que pode funcionar. Me vejo planejando o futuro pela primeira vez em anos, fazia tanto tempo que eu não sabia qual era a sensação de se sentir útil na vida, eu não tinha um propósito que não fosse esperar pela morte para ir me juntar ao meu marido em outro plano.

Agora eu sei aproveitar a companhia de outras pessoas, não só a de Laura, mas no geral. Gosto de parar para conversar com um vizinho na rua, gosto de ficar por dentro de fofocas da vida dos outros, gosto de me imaginar com a mulher que eu amo daqui a quinze ou vinte anos.

Quando ouço os gritos eufóricos ecoarem dentro da sala, pego as chaves em cima do balcão e vou para fora da loja, esperando as meninas saírem. Estão tão animadas e felizes por terem vencido o campeonato que até Laura sai pulando com elas pelo caminho, deixando eu e Adalyn para trás. Tínhamos combinado que se elas vencessem, íamos sair para comer pizza até não aguentar mais.

Adalyn está segurando Gabriela nos braços, a filhinha da Jazmyn de um ano de idade. Tento não prestar muita atenção na forma como ela brinca com Gabi, dando beijinhos e cheiros até arrancar risadas da bebê, mas é bem difícil não ficar emocionada.

"O que foi?", ela pergunta baixinho.

"Nada não", digo, apertando de leve a bochecha gorducha da bebê. "Quer dizer, eu não sabia que você gostava tanto de crianças."

"Sou louca por crianças", comenta. "Desculpe não ter falado nada, achei que ainda não era o momento."

"Sei."

"Você não pode engravidar e tudo bem, não vejo problema nenhum nisso. Mas eu posso, sabe, quero dizer... se algum dia isso for uma possibilidade, um filho, se um dia você quiser ter um bebê comigo..."

Dou risada por ela estar tão atrapalhada com as palavras. "Ei, calma. Tá tudo bem. É uma possibilidade, sim. Quem sabe depois que você terminar a faculdade e conseguir um emprego a gente possa conversar sobre isso, ou quem sabe até adotar, né?"

Adalyn sorri. "É, a gente pode mesmo. Amor, eu estava pensando aqui, antes de todo esse lance de filhos e tal, que tal se a gente adotar um gatinho?"

"Tá, por mim tudo bem."

"Mas ele vai ser preto", a voz dela se anima. "E vai se chamar Salem."

Solto uma gargalhada. "Certo, a gente faz isso depois que terminar de organizar a casa. Tá a maior bagunça agora por causa da pintura."

"Promete que eu vou ter um gatinho?"

"Eu prometo, amor. Você vai ter o seu gatinho."

Na semana passada, Adalyn e eu tivemos uma baita discussão a respeito dos móveis da casa. Ela não gosta do tanquinho de lavar roupa, disse que uma máquina é bem mais prática e que a roupa sai quase seca, eu disse que não tínhamos dinheiro para pintar a casa e ainda comprar uma máquina de lavar, e a discussão acabou comigo sendo a maior pão-dura da história. Fizemos as pazes meia hora depois, mas acabamos discutindo ao escolher a cor da tinta que a casa seria pintada.

Geralmente eu gosto de discutir com Adalyn, de um jeito ou de outro nossas brigas não acabam em um pedido de desculpas, mas em sexo. E no fim ela costuma chegar pertinho da minha orelha para perguntar: "A gente tá bem, né? A sua raiva de mim passou?" E eu provoco dizendo: "Vai ter que se esforçar um pouco mais."

E nisso a gente transa de novo e de novo e de novo.

**

TRÊS ANOS DEPOIS

Estou louca para ouvir o que a médica disse na consulta. Eu não pude ir com Adalyn ao médico por causa de um problema que precisei resolver no banco a respeito da minha pensão por morte.

Quando chego no quarto, vejo Adalyn sentada na beirada da cama com o rosto escondido entre as mãos, os cabelos platinados caindo ao lado do rosto. Me detenho na porta por um instante, sentindo medo de que ela não esteja grávida. Eu não suportaria ver Adalyn passar por uma decepção tão grande depois da médica ter nos dado esperança a respeito da inseminação artificial, de como seu útero era perfeito para gerar um bebê.

Fico olhando para ela ali parada, imóvel, sem esboçar nenhuma reação ou ruído. Adalyn finalmente olha para cima, me procura no quarto e me aproximo da cama, segurando a mão dela, pronta para dizer que independente do resultado, a adoção ainda é uma possibilidade.

"Vamos ser mamães", sussurra, as lágrimas escorrendo pelo rosto. "Estou grávida, Carolina. Deu certo. Quando a doutora Renata me deu a notícia, eu chorei tanto que ela se emocionou."

Dou risada e me jogo em cima dela, envolvendo meus braços ao redor do seu pescoço. Adalyn perde o equilíbrio e caímos deitadas na cama, rindo e chorando ao mesmo tempo. "Vamos ser mamães! A gente vai ter que acordar de madrugada para trocar fralda e dar de mamar e... meu Deus, isso está mesmo acontecendo? Vamos ser mamães?"

Ela ri. "Pois é, vamos ser mamães!"

"Preciso dar a notícia para a Laura."

Ela afasta meu cabelo do rosto. "E eu preciso avisar aos meus pais. Mas antes, que tal se eu e você comemorarmos do nosso jeito?"

Fico em silêncio e me levanto, Adalyn fica me puxando pela mão para que eu volte para a cama, mas se formos fazer amor, só vamos contar para as pessoas que vamos ser mamães horas e horas depois. "Vamos contar primeiro? Por favor, por favor?"

"Carolina."

"Hum?"

"Tira a roupa."

Ai, meu Deus. Ela fala naquele tom de voz tão autoritário e sensual que eu nem tenho a oportunidade de contrariar a ordem. Sinto o meu corpo se movimentar; tiro a calça junto com a calcinha, a blusa, o sutiã... fico nua na frente dela, do jeito que ela me pediu.

Adalyn olha para mim de boca aberta. "Caramba, eu nunca vou me acostumar em te ver sem roupa. Acho que estou sentindo uma coisa aqui no peito... Ai... Ai ai... Acho que é infarto. Estou morrendo."

"Para de brincadeira", digo aos risos, me aproximando dela. Adalyn fecha os olhos e coloca a língua para fora, se fingindo de morta. Solto uma gargalhada escandalosa e monto nela, nas suas pernas, beijo seu pescoço e ela se mexe um pouquinho. "Amor, volta a viver. Eu preciso de você."

Ela abre um olho. "Está pronta para ter uma família comigo?"

Concordo com a cabeça. "Mais do que pronta."

Quando ela me beija, a sensação é de que, pela primeira vez em dez anos, a vida volta a fazer sentido.

Mandou bem, Carrie. É isso aí! (Romance sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora