01- DORES

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Há cinco anos eu sinto dores de cabeça diariamente.

Sofri um acidente. Não posso explicar para vocês porque não me lembro, não lembro nada daquele ano. O único que sei é que bati a cabeça quando pulei no mar. Mamãe e Simone dizem que por ordens médicas elas não devem me contar o que aconteceu, que eu devo tentar fazer isso sozinha para reverter o quadro de amnésia.

Já realizei todos os tipos de radiografias, nenhum aponta a causa das minhas dores e do meu esquecimento.

O fato é que todos mudaram depois do acidente. Mamãe está super cautelosa comigo. Não deixa que ninguém fale sobre o que ocorreu perto de mim, argumentando que isso atrapalharia meu processo de recuperar memórias. Ademais, a todo momento me pergunta como estou e se consigo realizar as atividades diárias por conta da dor. Me trata como inválida, essa é a verdade.

Simone... Simone é outra pessoa. Há tempos não se importa nem com sua aparência. Usa as mesmas roupas e sapatilhas velhas de cinco anos atrás. Nunca conversa com minha mãe ou com dona Fairte. Sempre está cansada, fria. Ela também vem tentando me ajudar na recuperação, me guia por caminhos da minha mente, mas está sendo em vão, não lembro de nada.

O que faço hoje? Tomo pílulas.

Remédios para dor
Remédios para dormir
Remédios para ansiedade.

Os médicos falam que irei melhorar. "Você não vai morrer, Srta Soraya Thronicke"

Mas eu não quero ser assim, movida a remédios. Não quero que mamãe me olhe com pena. Não quero as pessoas no trabalho pensando que não consigo realizar os cálculos certos, que sou incapaz de ser a gestora da minha própria empresa. Não quero Simone com receio de me tocar ou de falar comigo.

Sinto falta da minha Sisa de antes.

De nadar comigo.
De me beijar na chuva.
De recitar poema em cima de caixote.
De deslizar comigo na sala enquanto dançamos "Believe" da Cher.

Lembro de dizer para Simone:

- Você acredita em vida após o amor? Traduzindo uma frase da canção.

- Só se nessa vida você estiver incluida. Simone me respondia enquanto me rodopiava.

A verdade é que a Simone de agora está distante. Eu sei que me ama, porque seu olhar é de devoção. Contudo ela sempre parece mais triste e cansada. Não sei como meu acidente a afetou, porém aparenta estar mais doente que eu.

Hoje Simone ainda não veio me ver. Ela sempre chega a tardinha, depois do meu expediente de trabalho acabar. Já são quase sete da noite. Conto os minutos para a porta do meu quarto abrir e ela entrar para me contar piadas e fazer carinho no meu cabelo até que eu fique adormecida.

As 19:30 a figura morena entra pela porta do meu quarto e inconscientemente abro um sorriso largo, mostrando todos os dentes.

- Soso, eu tive uma ideia e queria saber se você pode me ajudar - ela fala enquanto senta na cama ao meu lado.

- Pode falar Si.

- Eu vou doar meus livros - minha expressão é de espanto. Livros são o maior apego de Simone.

- Até os de poesia Si?

- Sim, podemos doar para bibliotecas, creches, orfanatos.

- Mas você gosta tantos deles - tento convencê-la de não fazer aquilo.

- Soso, faz tempo que não leio nada. A rosa que você me deu na casa de praia, lembra? Já tá seca. Coloquei dentro desse livro que nunca termino de ler - ela me mostrou o livro que carregava nas mãos.

Você não percebeu - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora