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Maraisa point of view

Observei seu apartamento, a sacada da sala dava direto para a rua de trás, percebi algo, a rua que ficava atrás do prédio era incrivelmente iluminada e animada. Observei o local em que ela morava, a sala era ampla, preta, com alguns quadros e instrumentos musicais espalhados. Tinha um Caderninho bagunçado e aberto com escrituras à caneta. Respirei fundo enquanto me sentava no seu sofá. Observei seus cabelos completamente revoltos... Ela não consegue ficar feia.

Me lembrei do porque de estar ali, pisquei percebendo as lágrimas que caiam e minha respiração já acelerada aumentou ainda mais não me deixando segurar os soluços que vieram, abracei minhas pernas sem segurar o choro pela primeira vez em muito tempo, levantei a cabeça no susto quando senti braços me cercando um abraço desajeitado e estranhamente confortável.

Ficamos assim por longos minutos até que consegui me acalmar, continuamos abraçadas fechei os olhos tentando guardar essa sensação mal contive um suspiro quando ela se afastou.

Eu ainda estava no sofá com o olhar perdido quando ela voltou com uma caneca com algo quente. Pisquei e a encarei sem enxergá-la de fato pegando a caneca no automático quase derrubando seu conteúdo, ela me ajudou a firmar a caneca para que não caísse, acenei em agradecimento. 

— Por que você foi lá? — questionei olhando para a caneca em minhas mãos, ela ponderou por um instante antes de responder.

— Porque eu prometi que não deixaria ninguém te machucar lembra. — ela começou e criei coragem para olhar em seus olhos. 

— Eu... — comecei a falar, mas parei como criar coragem pra dizer o que venho pensando há horas? Como pedir desculpas pelo que aconteceu? — Desculpe por ter te beijado daquele jeito. Eu não. N-não tinha intenção de... você sabe. 

— Tudo bem, não precisa se desculpar. — ela me cortou desviando o olhar. — Não é como se eu não quisesse. 

— Obrigado por ter me ajudado Marília, você não precisava.

— Não precisa me agradecer. — ela sorriu sincera. — Está com fome? — ela me questionou e eu assenti. — Vou pedir comida pra gente, não sou a melhor pessoa na cozinha.

— Eu não quero incomodar.

— Você não incomoda Maraisa, pode ficar o quanto precisar, não quero que volte até lá.

— Mais eu não tenho pra onde...

— Você pode ficar aqui, já te disse, tem alguma preferência por comida?

Neguei com a cabeça, ela esticou o corpo pegando seu celular e ligando para algum restaurante que não conheço.

Deixei meus olhos passearem pelo apartamento e me atentei ao pequeno caderno na mesa de centro a minha frente.

— Posso? — apontei para o caderno e mesmo que ela parecesse um pouco relutante, apenas acenou com a cabeça.

Mesmo que me perguntassem, eu não afirmaria, eu fingiria
Eu negaria até à morte, eu negaria até o fim
Quando você chega perto, eu me desconcerto
Sem fazer esforço, tira minha roupa com os olhos
Me deixa tonta com seus olhos

Li a letra, cantarolando em minha mente, é uma letra linda, não posso negar que a mulher sentada me encarando sem jeito tem muito talento.

 Uau, que música forte! — foi tudo o que consegui dizer, encarando novamente o caderno. — Você tem muito talento Marília.

— Obrigada. — ela disse com as bochechas ruborizadas.

— Me diga, além de compor, você também canta? Aposto que está me escondendo uma voz incrível.

— Eu arrisco um pouco. — ela disse com um sorriso de canto.

— Canta pra mim? — Marília negou rapidamente. — Por favor Marília. — fiz minha melhor cara de dengo.

— Tudo bem, mais não crie muitas expectativas.

— Tarde demais para me dizer isso Marília Mendonça, já percebeu como até seu nome já é de artista?

Marília gargalhou e eu queria poder me lembrar desse som pelo resto da vida, seu sorriso é sincero e muito bonito, ela transmiti uma segurança surreal, a loira se levantou e pegou um violão que estava próximo as poltronas, se sentou novamente e posicionou seu violão sobre o colo, pegou o caderninho na minha mão e se preparou para começar a tocar, assim que começou a emitir as notas no instrumento em suas mãos, fechou seus olhos, provavelmente tentando não focar em meu rosto, não havia necessidade de ler o caderno, ela já havia decorado.

— Essa é uma velha história, de uma flor e um beija-flor, que conheceram o amor, numa noite fria de outono, e as folhas caídas no chão, na estação que não tem cor — Quando ouvi sua voz, não pude evitar o choque maior ainda que me atingiu.

E a flor conhece o beija-flor
E ele lhe apresenta o amor
E diz que o frio é uma fase ruim
Que ela era a flor mais linda do jardim
E a única que suportou
Merece conhecer o amor e todo seu calor

— Falando seriamente, sua extensão vocal é impressionante Marília e essa música na sua voz... parece ter sido escrita para você cantar, já era pra você ser a maior cantora desse país sabia?

— Maraisa não teria...

— Estou falando sério, porque nunca investiu nisso?  Você parece amar.

— Meus pais não me permitiram seguir essa carreira estando morando na casa deles, e a única condição pra me deixarem morar sozinha, seria seguir a carreira deles e tudo que eles planejaram pra mim, quando não estou na faculdade, meu pai toma todo meu tempo na empresa.

— Sinto muito por isso.

— Ele sabe que quanto mais tempo passo ocupada, menos tenho pra seguir meu sonho. — podia ver a tristeza em seus olhos. — Quando tinha quinze anos, descobri que meu sonho era ser cantora, fui em um restaurante com amigos e tinha showzinho ao vivo, me aventurei em cantar um pouco, porém meu pai chegou lá exatamente na hora, por dois anos eu fiquei reclusa — sua voz estava triste — Era da escola pra casa, sem festas, sem amigos, sem diversão, e ele sabia mais do que ninguém o quanto tudo aquilo fazia parte de mim, mas mesmo assim arrancou a alegria de todas as coisas que eu gostava de fazer.

— Marília, eu sinto muito.

— Tudo bem Maraisa, já me acostumei, mas me diga, e você tem algum talento escondido aí? — a loira me perguntou, realmente interessada.

— Me empresta aqui seu caderno de volta. — o peguei de sua mão. — agora fica parada.

Poucos minutos e já estava pronto, estendi o caderninho de volta pra ela, e sua boca se abriu em um perfeito 'O' quando viu o desenho que fiz dela.

— Nossa Maraisa, e você diz que eu posso ser artista, você desenha perfeitamente.

— A modelo ajuda bastante. — nem precisava que ela estivesse sentada na minha frente, já decorei seus traços.

Dei meu melhor sorriso, e ela fez o mesmo, eu senti minhas pernas tremerem. Aquele sorriso me deixou desconcertada por alguns segundos, e se eu estivesse em pé teria caído.

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