Capítulo 2

928 134 17
                                    


Quando o pesado baú foi colocado no chão, Luana e Ana se sentaram, Ju e Laura se aproximaram. Bella deixou que seus pensamentos vagassem pelo tempo. Conseguiu lembrar perfeitamente do dia em que fecharam aquele tesouro e guardaram ali parte de suas histórias. Observada por todas, despertou do seu transe, aproximou-se e falou emocionada:

— Antes de abrirmos o baú, eu queria agradecer pelos vinte anos de amizade. — ela fitava intensamente Luana. — Vocês são e sempre serão a minha família. Abrir esse baú vai ser redescobrir uma Isabella que se perdeu no tempo e no espaço. Não me arrependo das minhas escolhas, mas sinto falta de quando acreditávamos que tudo seria diferente.

Luana se levantou e abraçou a amiga. Em pouco tempo, um emaranhado de braços a envolvia. Por um tempo abraçaram-se, meio desajeitadas e trocaram carinhos. Sentaram no chão em volta do baú.

— Eu me lembro que guardamos cinco caixas, com o nome de cada uma. A primeira retira uma caixa e entrega para a sua dona que abrirá sua própria caixa. — falou Ana, abrindo o cadeado do baú com a chave que guardava como pingente numa correntinha de ouro que tinha sido de sua mãe.

Ana pegou a caixa de Laura e a entregou. Sentou-se no chão e aguardou que a primeira capsula fosse aberta. A caixa de Laura era rosa, no fundo da tampa um pôster da Madonna. Aos poucos tirava os pertences e mostrava o que havia guardado. Uma barbie vestida de Madonna, uma faixa Garota Lions Club e uma carta num envelope rosa.

— Eu tinha até me esquecido que você era aspirante a Miss. — brincou Luana divertida, arrancando uma careta da irmã.

Laura titubeava com a carta nas mãos, travava uma batalha entre ler ou não o que havia escrito. Bem lentamente foi abrindo o envelope em busca da carta. Pigarreou e começou a ler o pequeno parágrafo que escreveu.

"Eu me chamo Laura, tenho quatorze anos. Quando abrirmos o baú já vou ser adulta e rica, pois vou casar com um homem muito rico. Nunca vou trabalhar, vou ter os melhores vestidos no meu guarda-roupa. Não me importo se não amar meu marido, mas ele tem que me amar. Para me dar de tudo." — tomou fôlego e segurou bravamente as lágrimas que ardiam em seus olhos.

Nenhuma palavra foi dita, todas perceberam o quanto a abertura da caixa havia sido dolorosa para Laura. Apesar de ter conquistado tudo que sonhava perceberam pela primeira vez em seus olhos o vazio de sua vida. Laura pegou a segunda caixa e entregou para Ana, que tremia em expectativa.

Enquanto tocava a caixa, revivia sentimentos enterrados e uma única imagem se formava em sua mente: Lucas, o irmão das amigas, seu único e grande amor.

Ana, visivelmente emocionada, retirava fotografias que rodaram pelas mãos de todas. As amigas juntas. Ana e sua mãe. Lucas e ela abraçados com um pôr do sol ao fundo, foto que Laura havia tirado num piquenique que fizeram. Um pingente de coração com as iniciais A e L. As meninas sorriam compartilhando a emoção da amiga.

— Eu escrevi uma carta para o Lucas. — confessou com a voz embargada. — Não vou conseguir ler.

Ju se levantou, abraçou a amiga e pegou a carta de suas mãos.

"Lucas, hoje é uma dia de muita alegria e de muita tristeza para mim. Saber que você vai realizar o seu sonho de jogar basquete nos Estados Unidos é um motivo de muito orgulho para mim. Você poderá se formar fora e fazer o que tanto ama.

Passamos um ano sonhando com isso e acreditando, que esqueci de pensar como eu ficaria se você partisse. Só escrevi a carta porque tenho certeza que quando este baú for aberto, estaremos juntos, casados e com três filhos.

Quero que saiba que o meu amor por você é tão grande que nunca te esquecerei. Estarei esperando por você o tempo que for.

Eu te amo."

Não cabiam palavras, as cinco choravam e reviviam aquele amor. Continuaram as aberturas das caixas, teriam o resto da noite para conversarem sobre o que estavam desenterrando. Ana pegou uma caixa e entregou para Ju. Sabia exatamente o que a amiga tinha enterrado. Conhecia bem seus sonhos, viviam momentos parecidos naquela época. Sentiu a necessidade de acreditar no amor novamente.

Conforme Ana previa e se lembrava, na caixa de Ju estavam fotos de Rodrigo. Os polaroides com datas e locais escritos, mostravam as cinco com seu marido. Ele sempre demonstrando seu carinho nas fotos. Ju abriu um largo sorriso e começou a ler seu pequeno texto:

"Hoje estou com dezesseis anos, mas assim que completar dezoito me casarei com Rodrigo. Teremos três filhos assim que me formar na faculdade. Vou ser a melhor advogada da cidade e trabalharei na defensoria pública.

Meu marido terá muito orgulho de mim. Juntos teremos o melhor escritório de direito. Meus filhos serão lindos e vamos morar em uma casa com dois cachorros."

Com um sorriso fraco nos lábios e sem encarar nenhuma das amigas, entregou a caixa para Luana. Dentro da caixa havia somente uma carta. Ela correu os olhos antes de começar a ler:

— Meninas, não sei se posso ler em voz alta. — falou olhando intensamente para Bella.

— Como não? Todo mundo pagou o mico e se expos no nível máximo. — retrucou Laura

— É porque eu falo da Bella nessa carta. — confessou procurando a aprovação da amiga.

Bella somente confirmou com a cabeça, sorrindo e imaginando o que poderia conter ali. Luana começou a ler timidamente.

"Talvez eu não mereça muita coisa quando abrirmos o baú. Eu não sou muito convencional. Talvez nem abriremos esse baú, e se abrirmos talvez já terei sido banida do grupo. Hoje tenho dezesseis anos. Quando tinha quatorze descobri que os garotos não me interessavam. Eu olhava para as meninas, mas sempre desviava o olhar me culpando por ter vontade de tocá-las.

Ontem consegui superar minha esquisitice, beijei uma das minhas melhores amigas. E o pior ela tem doze anos e foi o primeiro beijo dela. A Bella é linda, meiga, carinhosa e gosto de estar do lado dela. Toda vez que penso que estou apaixonada, lembro de toda sujeira que é isso tudo. A Bella não gosta de mulher, ela sempre olha e comenta sobre os amigos do Rodrigo ou do Lucas. Acho que ela não liga muito por eu ter sido seu primeiro beijo. As vezes parece mais velha do que eu.

Como sei que não estarei presente na abertura do baú. Peço que me perdoem pela minha esquisitice e por ser diferente. Devo ter alguma qualidade para que vocês se lembrem de mim.

E mesmo não estando presente na hora que abrirem o baú, saibam que vocês foram as melhores amigas do mundo. Tenho certeza que em no máximo dois anos, assim que entrar na faculdade, me afastarei, pois será impossível lutar contra o que sinto.

Amo vocês."

Bella sorria para a amiga e se levantou para abraçá-la. Deu-lhe um selinho casto nos lábios e juntas pegaram a última caixa do baú. Dentro havia uma boneca e uma cartolina enrolada. Em um cartaz com letras desenhadas havia uma única frase.

Eu ainda vou ter uma grande família!

Até que a vida nos separe... DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora