Capítulo 3

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Num silêncio sepulcral Ana e Luana desenterravam os outros objetos que jaziam no baú. Haviam quatro caixas transparentes com uma pétala de rosa dentro, ali guardavam os pactos que renovavam a cada cinco anos. Fotos, cartas que trocavam, guardanapos escritos, ingressos de shows e várias outras bugigangas que contavam a história daquela amizade.

Aos poucos, as lembranças suavizavam as palavras rascantes das cartas e as lembranças amargas que guardaram por quinze anos. Cada capsula aberta fez sangrar feridas profundas, dores e dúvidas que preferiam esquecer a encarar.

Os objetos eram passados de mão em mão. Aos poucos o silêncio era rompido por casos e lembranças de cada coisa que aparecia. O clima tenso aos poucos dava espaço para a nostalgia. Era visível o desconforto de Laura, apesar de estar impecavelmente vestida, seus olhos não refletiam sua elegância e seu ar de superioridade. Juliana, que sempre foi a mais companheira, se aproximou da amiga e a chamou para conversar num lugar mais afastado.

— Está tudo bem? — perguntou Ju com um sorriso acolhedor.

— Claro que não! Esse baú deveria ficar enterrado para sempre. — praguejou Laura num misto de dor e raiva.

Ju abraçou a amiga com carinho e deu um beijo em seus cabelos. Laura aceitou o carinho e permitiu que as lágrimas caíssem. Há muito não conseguia se sentir protegida e amada.

— Laura, foi difícil para todas nós. Existem sentimentos e anseios que a vida atropela. Escolhas que fazemos que nos levam para caminhos difíceis.

— O pior de tudo Ju, foi lembrar que a vida que tenho hoje foi exatamente o que almejei. Aos olhos dos outros sou a esposa perfeita, que apoia causa sociais. Mas sempre fui incapaz de dar amor ao Ernany. Isso nunca foi prioridade, até que ele começou a se envolver com essas mulheres que ele sustenta. Nem sei mais se ele hoje tem uma única amante ou várias como antes. — confessou não conseguindo mais segurar suas lágrimas.

— Você já amou ele algum dia? — perguntou limpando a maquiagem borrada da amiga com um guardanapo.

— Eu não sei, mas a cada dia sinto falta de coisas que não tive. Paixão, romance, a cumplicidade que você tem com o Rodrigo. Eu adoraria ter um casamento como o seu Ju.

— Laurinha, as coisas não são fáceis como parecem. As crianças sugam muito de mim. Eu abri mão da minha vida profissional e muitas vezes eu é que sou o porto seguro de todos lá em casa. O Rodrigo é um marido maravilhoso, lutamos todos os dias para conseguirmos o que temos, mas não temos muito tempo para nós. Paixão e romance não fazem parte da minha rotina.

— Enquanto ouvia cada uma de nós lendo suas cartas, percebi o quanto somos fracassadas. Agora com a doença da Luana eu não sei de mais nada. Eu não posso perder a minha irmã Ju. Ela é tudo pra mim.

— Eu também não consigo aceitar como as coisas chegaram a esse ponto. Logo a Luana. Ela vai contar para Bella?

— Vai, só falta a Bella saber. Eu não sei como ela vai conseguir, também não sei se estou preparada para ouvir de novo.

Ju abraçou a amiga ainda mais apertado. Esperou que se acalmasse e limpou seu rosto borrado.

— Eu estarei sempre aqui.

— Eu também.

Sentaram num sofá no canto. Luana preparava algo na cozinha e Bella foi ajudá-la. Ana se aproximou de Laura e Ju com um sorriso meigo nos lábios.

— Nós vamos sobreviver. — arriscou com palavras que lhe faltavam. — É melhor deixar as duas sozinhas na cozinha, assim Luana pode contar para Bella. — falou e se juntou a elas.

— Ana, eu não sabia que você o amava até hoje. — comentou Laura se referindo ao irmão. — Você nunca mais falou dele.

— Ele se casou Laura, hoje ele tem uma família e mesmo que ele tenha se separado, o tempo passou. Ele e a Roberta tem filhos juntos, serão ligados para sempre. Talvez eu volte com as fotos e com a carta para dentro do baú. Talvez eu continue fugindo dos encontros com ele. Mas agora com a doença da Luana, o reencontro será inevitável. — disse Ana tentando ser racional.

— Nunca mais teve ninguém, amiga? — perguntou Ju segurando-lhe as mãos.

— Não, Ju. Nunca dei espaço para ninguém se aproximar. Eu me dediquei a minha mãe, mas depois que ela morreu ficou mais difícil. Eu me dedico aos meus alunos e a vocês. Não consigo imaginar outro homem me tocando. Não seria capaz de amar mais ninguém.

— Tem quanto tempo que vocês ficaram pela última vez? — perguntou Ju, tentando se lembrar.

— Oito anos! Foi quando ele voltou e me contou que iria se casar. Eu sei que não fiz certo, ele já estava comprometido com a Roberta, mas eu não podia perder a chance de me despedir dele. — falou sorrindo fracamente com os olhos mareados. — Já me culpei muito por isso. Mas eu e Luana já conversamos tanto que a culpa não me acompanha mais.

— Ele agora é um homem livre, Ana. — observou Laura, colocando sua mão em suas pernas. — Vocês podem tentar mais uma vez.

— Eu não quero vê-lo Laura, mas isso não é uma opção mais. Eu não sei se consegue me entender, eu me sinto traída. Eu o esperei e o amor que Lucas dizia sentir por mim não foi o suficiente para que ele tivesse motivos de me esperar. — comentou com uma serenidade incompreensível.

Escutaram um barulho de copo se quebrando na cozinha e a voz exaltada de Bella. Laura tentou levantar mas Ju a impediu.

— Laurinha, deixa as duas conversarem. Bella foi a última a saber. Cada uma de nós teve tempo para absorver e ter sua própria reação. É a vez dela. Elas vão se entender. — afirmou Ju com ternura.

As três ficaram sentadas, já não ouviam nenhum barulho. Com as mãos entrelaçadas ficaram sentadas no sofá. Cada uma com seus próprios pensamentos, refletindo sobre suas frustrações e sobre as lembranças que desenterraram.

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Até que a vida nos separe... DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora