Capítulo 10

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Luana


Desde que descobri essa maldita doença não paro de escutar o tic-tac do relógio do meu ouvido. . Tenho o pressentimento que o relógio não está a meu favor e a cada momento que estou parada deixo de ajudar as pessoas que amo.

A Cris é a minha maior preocupação. Não vejo ela chorando e muito menos abatida. Sempre se mostra forte e parece não acreditar que em breve, será uma viúva. Uma viúva linda, mas ela não merecia. Conheço bem minha mulher, ela não está satisfeita por eu não aceitar o tratamento, mas não posso permitir que ela me veja confinada em uma cama, abatida e sem muita utilidade. Ela precisa de mim, eu estarei ao seu lado até o último momento da minha vida. Ela não entende nada das contas e ainda preciso encontrar alguém para ajudá-la no café.

O que me deixa tranquila é que sei que as meninas e o Alex, não vão deixa-la sozinha. Ela é jovem, linda e tenho certeza que vai conseguir refazer sua vida daqui um tempo. Não estou tão conformada quanto pareço. Tem horas que me questiono o porquê, amaldiçoo o destino ou qualquer coisa que justifique uma doença tão dura. O câncer não só te leva a vida, mas te leva o resto dela também. No pouco tempo que me resta quero realizar o que nunca tive a consciência ou necessidade de fazer antes.

A Ana por exemplo, passou a vida sofrendo pelo meu irmão. Sempre tentou esconder de todos, mas estava na cara. O Lucas fez da vida dele uma sucessão de erros, não parece feliz e vejo o arrependimento estampado na sua testa. E eu? O que fiz quando não tinha o tic-tac do relógio apitando dentro de mim? Nada! Agora fico arrependida, sofrendo por eles. Eu poderia ter feito algo, mas não fiz.

Eu poderia ter viajado mais com minhas amigas e com a Cris. Poderíamos ter almoçado fora aos domingos ao invés de abrir o café para os clientes amigos, mas não fiz. Deixei de fazer muitas coisas que queria e sonhava, simplesmente pelo fato de acreditar que tinha tempo. Mas não posso mais contar com ele. Corremos maratonas opostas, como se ele visse em minha direção para me atropelar e pode ser que no meio do caminho ele encontre um atalho para me alcançar.

Como se não bastasse a brincadeira de esconde-esconde com a morte, as dores tem ficado mais fortes. Não falo nada pra Cris, ela não merece mais essa preocupação. Sempre carinhosa, quando percebe meu desconforto, me entrega um remédio qualquer e me oferece seu ombro. O abraço da Cris alivia muito mais as minhas dores do que a porra de um remédio inútil, que não serve nem para me dar vantagem em relação a minha guerra contra o tempo.

A Bella ter aparecido de novo foi um dos melhores presentes que poderia ter ganhado. A Cris vai sair com ela hoje, talvez até consiga desabafar com ela. A Bella é especial, coração doce, se tornou uma mulher forte, resolvida e faz o que faz porque quer e porque gosta. Ela não sabe mas vai ajudar muito a minha Cris quando eu já não estiver aqui.

Enquanto envio os pedidos que a Ju me ajudou a fechar ontem, confiro o relógio. Combinei de almoçar com meus irmãos e depois eu e a Laura iremos para escola onde a Ana trabalha. Espero que ela não arrume problemas levando quatro loucas para uma sala de aula cheia de crianças inocentes.

O Lucas é o primeiro a chegar, está no canto escolhendo umas flores com a Cris. Nem veio me cumprimentar ainda, ele me conhece e sabe que vou recriminá-lo pela cena de ontem com a Ana. O dia que ele me procurou dizendo que queria encontra-la eu pedi que ele fosse com calma e pelo visto ele acabou enfiando os pés pelas mãos. Os homens são muito confusos, nunca consegui entender. Meu irmão é doido com a Ana, desse o dia que a conheceu. Casa com outra e ainda constitui uma família. Como se não bastasse desistir do casamento com a louca da Roberta, acha que pode voltar no tempo e agir como se nada tivesse acontecido.

Até que a vida nos separe... DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora