Capítulo 19.- Um coração extraordinário

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Sexta-feira era um daqueles dias, o qual a maioria das pessoas adorava porque as aproximava do fim de semana.

Diferentemente da segunda feira com a qual algumas pessoas tinham uma relação de amor e ódio, o último dia útil da semana parecia lançar um brilho especial à rotina de trabalho ou estudo, porque pensar que pelo menos por dois dias inteiros não se teria que enfrentar um bonde lotado, um chefe maçante e professores exigentes já era motivo para se sentir mais leve e feliz.

Contudo, essa realidade encantadora não tinha o mesmo sabor para Gilbert, pelo menos, não naquela semana, pois encarar o passado não era uma das suas coisas favoritas de fazer, e mesmo jurando para si mesmo que sua vida de antes fora enterrada quando pisara novamente em solo americano, ainda havia certas coisas que não conseguia deixar para trás.

Em cima de sua mesa havia uma fotografia que fora tirada de um ângulo não muito bom, mas que ainda era uma de suas favoritas. Nela, Gilbert segurava sua filha recém nascida, que de tão pequenina, cabia toda em suas duas mãos.

Ser pai daquela preciosidade fora o momento mais importante de sua vida, e a maneira como sorria para a câmera, quando um de seus colegas tirara aquela foto comprovava isso.

Alicia não estava nela, e o rapaz sequer se lembrava do motivo, mas fora especial ser somente ele e sua bonequinha naquele momento, pois criaram um laço ali que não seria rompido nos próximos doze meses que ela ficara naquele mundo.

Gilbert aproximou a foto um pouco mais de seus olhos, e olhou com ternura para sua garotinha. Ela era branquinha, parecida com Alicia nos traços faciais, mas os olhos eram dele, e seu cabelo castanho escuro que se tornou sedosamente cacheados com o passar dos meses também era igual aos seus.

Ela era linda, e pelo pouco tempo em que Gilbert a tivera em sua vida, aquele ser pequenino fora sua luz, sua alegria e sua motivação, e também lhe causara uma dor imensa quando fora embora sem que lhe desse tempo para assimilar aquela perda que arruinara tudo de bom que ele tinha construído até então.

A morte de sua bebê o fizera questionar muitas coisas sobre si mesmo, e também sobre sua relação com Alicia. Ele pensara que eram fortes juntos, mas bastou uma tempestade para lhe provar que tinham construído um castelo de areia ao invés de alicerces fortes e duradouros, que lhe serviriam como abrigo contra as dores do mundo , que foi ao chão na primeira lufada de vento.

Analisando seu relacionamento com Anne em comparação ao que tivera com Alicia, o rapaz podia entender a grande diferença que havia entre as duas histórias. Ele e Alicia eram jovens demais quando começaram a namorar, e depois que a paixão do primeiro ano juntos foi passando, eles se acostumaram um com o outro.

Não deviam ter chegado ao casamento, mas a imaturidade não os deixara ver, que não tinham estrutura emocional para aguentar as responsabilidades que tal compromisso traria. A morte de sua filha fora a gota d'água para ambos, pois ao invés de se apoiarem mutuamente, ambos se afastaram um do outro, e fora ali que o fim daquela história fora decretado.

Com Anne a história acontecia de forma diferente, pois fora por suas dores e mágoas que se aproximaram, e também era por elas que estavam criando um tipo de relação que era um bálsamo para ambos os corações.

Eles dividiam sua força e fraqueza simultaneamente, e assim se enxergavam sem uma capa de ilusão ou fantasia, e reconheciam quem realmente eram sem se apoiarem em um conto de fadas adolescente. Eles tinham uma relação real, com problemas reais, e assim o sentimento que tinham em seus corações crescia dia a dia, dentro da realidade que enfrentavam juntos.

Gilbert tornou a fixar seus olhos na foto que tinha nas mãos, e constatou que aquela sexta-feira seria uma prova de fogo para ele, pois ver o bebê de Josie, abriria certas feridas que embora não tivessem se cicatrizado totalmente, ele conseguira camuflar através dos anos com muito trabalho e esforço mental.

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