Capítulo I

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Thalita Mendonça


Paulo está pela milésima vez tentando me convencer a aceitar o que ele chama de "oportunidade dos sonhos de qualquer advogado" e eu, pela milésima primeira vez, tento dizer que dessa vez prefiro perder essa oportunidade.

- Não acredito que você vai perder essa chance única? - disse ele, como se acreditasse mesmo que essa fosse uma oportunidade ímpar em minha vida.

- Infelizmente não vou poder mesmo, preciso embarcar para São Paulo hoje.

- Thalita, você sabe que tem chance de galgar um lugar ainda melhor na empresa. Você sempre quis crescer! Pensa nas filiais fora do país...

- Nem vem com esse papo novamente Sr. Paulo! O senhor, mais do que ninguém, sabe o quanto colaboro com isso aqui, dou meu sangue e já estou num patamar onde posso escolher entre os compromissos que posso assumir e infelizmente esse eu não posso - disse por fim, impassível e ninguém me faria mudar de ideia.

- Ok, Thalita, vou ver se consigo outra pessoa para ir nesta viagem, mas você sabe que é a mais preparada para a ocasião.

Ele sai da minha sala - que representa um status que consegui com trabalho duro ao longo dos anos - e volto a fazer meu trabalho do dia: revisar novamente os novos contratos que serão assinados. Sim, eu sei que já é a terceira vez que os leio, mas um dos motivos para eu ser boa no que faço é prestar atenção no que a empresa assina. Essa foi a carreira que sonhei para mim, defender causas grandes, ser respeitada por meu trabalho, dar palestras, viajar a trabalho... Mas, essa não poderia aceitar. Maldita coincidência com o fim de semana que verei o João Pedro.

Eu e o João namorávamos a distância desde que ele recebeu uma proposta de emprego irrecusável e foi morar em São Paulo. Estamos juntos há seis anos e essa mudança de estado só serviu para ele apressar o inevitável: o pedido de casamento. Sempre soube que se eu fosse casar um dia, ele seria o homem ideal: íntegro, bom filho, leal, carinhoso, amigo e bom de cama. Nos conhecemos desde a minha adolescência, minhas primas moravam no mesmo prédio que ele, um dia nos esbarramos e foi amor a primeira vista (sim, isso realmente acontece!). Embora ele seja três anos mais velho, isso nunca foi um problema, pelo contrário, ele é minha proteção, me sinto segura com ele.

Há dois anos estamos namorando via ponte aérea, no início nos víamos praticamente todos os fins de semana, depois notamos que iríamos falir, há certo tempo estamos num esquema: a cada dois ou três meses ele vem passar um fim de semana comigo e nesse mesmo intervalo de tempo, retribuo a visita. Esse é o que irei vê-lo, estou contando as horas, já deixei a mala pronta e assim que eu chegar do trabalho: partiu aeroporto.

- Olá bom dia! - disse com toda animação, quando decidi parar de ler o contrato e ir à copa tomar uma dose extra de café.

- Bom dia Thalita, tá tão animada por quê? Ainda nem são 9h e já tá assim... Eu só funciono depois das 11h, mas deixa ver se eu adivinho: vai ver o Boy magia! - disse Cátia, umas das poucas amigas que fiz na empresa.

- Sim, irei vê-lo - Coloquei minha xícara no balcão da copa e suspirei.

- Então esse fim de semana promete! Precisa estar bela para seu homem, venha ver essa calcinha fio dental e esse gel de chocolate - falou apontando para a maleta mágica da dona Francisca. Ela era a copeira do escritório e uma muambeira profissional, vivia com sua maleta, que eu chamava de mágica, pois tinha tudo, mas tudo mesmo.

Certa vez derramei café na minha camisa social branca e lá vem ela com um blazer pretinho básico. Outra vez um funcionário esqueceu de comprar o presente da mulher e ela aparece com uma gargantilha e um cartão de amor.

ACASO (DEGUSTAÇÃO) - Os Albuquerque's IOnde histórias criam vida. Descubra agora