Os Elementais: O Legado das Trevas

Capítulo 42

(Angel)

Eles vieram.

Aron e Sophie foram atrás de mim. E estavam ali.

Eu não conseguia acreditar que estava fora da prisão ㅡ que não iria precisar passar mais uma noite naquela cela fria e obscura.

Parte minha queria apenas deitar naquela caverna segura e dormir por um longo tempo, sem precisar me preocupar com mais nada. Mas outra grande parte não conseguia sequer se acalmar ㅡ eu não conseguia parar de pensar em Kawena. Ela estaria mais uma vez sozinha naquele lugar.

Eu voltaria por ela. Por uma amiga, que me estendera a mão e me dera força e esperança. Eu cumpriria com a minha palavra.

Depois de abraçar Sophie, eu me sentei diante da pequena chama que queimava, e permaneci encarando-a. O calor do fogo era algo familiar, mas parecia distante de mim. Como se meu fogo interior estivesse dormente.

Eu não sabia como clamá-lo novamente. Parecia que faltava algo dentro de mim sem aquela sensação.

Vivi uma vida inteira sem saber que possuía poderes, e mesmo com apenas 1 ano tendo consciência e fazendo uso deles, sua ausência me corroía. Como se eu tivesse esquecido de viver sem eles.

Eu precisava contar tudo para Aron, Sophie e meus amigos. Precisava alertá-los sobre César e... sobre Luke ㅡ só de lembrar daquela cena, lembrar de tudo o que fizeram comigo... era o suficiente para gerar um nó sufocante em minha garganta. Aconteceu tanta coisa.

Talvez eu não possuísse nem a energia suficiente para falar sobre tudo aquilo.

Então, eu apenas continuei encarando aquela chama ㅡ e desejando que ela fosse a minha.

🜂

Aron e Sophie revezavam os turnos de vigília da entrada da toca. Minha amiga de cabelos azuis tinha acabado de sair, quando Aron se juntou a mim e sentou ao meu lado.

ㅡ Eu... ㅡ ele começou a falar, a voz baixa e serena. ㅡ Eu nem sei por onde começar, Angel.

Eu permaneci encarando a chama. Aron e eu possuíamos uma conversa pendente desde o dia do baile ㅡ quando tudo aconteceu. Eu planejava encontrá-lo logo depois de falar com o diretor, para que ele pudesse me contar o que queria, e para falarmos sobre a dança e tudo o que sentimos naquele instante.

ㅡ Seus amigos se juntaram. Para te procurar.

Meu olhar se ergueu quando ouvi aquelas palavras.

ㅡ Trevor, Brooklyn, Jesse... Todos eles. ㅡ Aron ergueu o lábio em um sorriso quase imperceptível. ㅡ Eles discutiram bastante com Zanfy para poderem vir pra cá. Queriam ajudar a te encontrar de qualquer jeito.

Naquele momento, ouvindo tudo o que Aron estava contando, foi como se o fogo que percorria minhas veias também tivesse escutado ㅡ e tivesse ondulado com uma leve faísca. Mas ainda muito fraca.

Porém, um pensamento me atormentou novamente, esfriando tudo.

ㅡ O Luke... ele estava junto? ㅡ perguntei, me esforçando para fazer minha voz soar um pouco mais alta. 

E me odiando por fazer aquela pergunta.

O semblante de Aron pareceu se entristecer sutilmente.

O menino balançou a cabeça em negação..

Soltei um suspiro de alívio. Se Luke soubesse de toda a movimentação que meus amigos estavam fazendo, estávamos ferrados. Todos eles estariam. A ideia me apavorava.

Aron pareceu confuso diante de meu conforto com a informação.

Um farfalhar chamou minha atenção na outra ponta da caverna, e meus olhos se fixaram no felino preto que caminhava lentamente do outro lado do fogo.

ㅡ Você não precisa ficar preso nessa forma pra sempre.ㅡ afirmei. ㅡ Nenhum de nós vai machucá-lo.

O gato parou de balançar o rabo e piscou os olhos para mim.

Aron semicerrou os seus e me encarou de lado.

De súbito, uma fumaça violeta se espalhou diante do gato, que logo assumiu uma forma humana e ficou de pé. O menino que surgira, não muito mais velho que eu, me fitou com seus olhos acinzentados.

ㅡ Você é um Mutandis. ㅡ falei.

Ele engoliu em seco, esboçando uma expressão surpresa.

ㅡ Como sabia? ㅡ o felino-homem questionou, sua voz era baixa e rouca.

ㅡ Você o conhece? ㅡ Aron perguntou para mim, a expressão também surpresa e um pouco confusa.

ㅡ Fiquei aprisionada com muitos de vocês tempo o suficiente para reconhecer um. Na verdade, estou começando a duvidar que todos os animais que já vi na vida tem uma forma humana oculta.

ㅡ Do que você está falando, Angel? ㅡ O menino da Água indagou.

ㅡ Kawena. ㅡ olhei para ele. ㅡ Minha companheira de cela, a menina a quem fiz a promessa. Ela é uma Mutandis, assim como o gato.

ㅡ Sou Nuhad. ㅡ Ele se apresentou.

ㅡ Minha amiga contou sobre a história de seu povo.

O mutandis continuou me observando, prestando atenção em cada fala e movimento. Era difícil dizer o que se passava em seus olhos.

Contei a ambos a história de Kawena e algumas das coisas que vi dentro da prisão. Eu ainda não estava pronta para falar sobre os detalhes mais sórdidos, mas pelo menos consegui compartilhar algumas informações.

ㅡ Em uma de nossas conversas, Kawena falou algo sobre o povo dela e os Hostibus... uma lenda, muito antes de acontecer tudo isso. ㅡ o fogo balançou conforme eu falava. ㅡ Eles viviam juntos, coexistindo. Os povos ficavam perto de uma divisa em um lago comprido.

Aron encarava a chama diante de nós.

Ergui meu olhar para ele.

ㅡ Eu... acho que quero procurar esse lago, Aron. ㅡ Foi a primeira vez que minha voz soou mais determinada. E menos assustada.

Ele retornou o olhar ao meu rosto ao me ouvir pronunciar seu nome.

ㅡ Algo me diz que podemos achar respostas ali ㅡ eu fixei minha visão nas sombras criadas pela chama que ondulavam no rosto de Aron.

O menino da Água acenou com a cabeça, e falou:

ㅡ A prisão dos Hostibus foi feita sobre rocha antiga. Se esse lago realmente existe, e se os povos de fato viviam juntos... Não era muito longe daqui.

ㅡ Eu conheço os caminhos da Floresta. ㅡ Nuhad disse, a voz se mantendo baixa e direta. ㅡ Posso guiá-los.

ㅡ Quando o Sol nascer, começaremos a procura ㅡ Aron acenou com a cabeça para o menino, e pousou seu olhar em mim.