٠ Capítulo nove ٠

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"que me abra as costelas
 e toque o miocárdio,
 não ligo pras feridas abertas do peito."
 
 ~*~
 
 Não era culpa dele sentir tanto.
 
 Josh nunca foi alguém cujo aquele sentimento traiçoeiro e ácido atingia com facilidade. O ciúmes.
 
 Aquilo era confuso, ainda mais naquela situação. Porque, veja bem, era quase palpável a angústia que subia em seu estômago e ele ainda estava tentando descobrir se o problema era a visita ou a forma como ele inconscientemente amenizou a importância de Josh no lugar. Não lembra de experimentar isso, não daquele jeito.
 
 Apesar do espaço oco é incômodo que era seu peito naquele momento, ele daria uma chance para a situação. Talvez aquilo bagunçou um pouco seus sentidos e Urrea era o mesmo, a amiga fosse gentil e eles ainda pudessem ter um jantar agradável. Ele desferiu um beijo no rosto de cada criança antes de sair do quarto. Elas pareciam exaustas.
 
 Passou pelos quadros expostos no corredor e segurou o corrimão da escada quando uma voz nova se fez audível naqueles cômodos. Na sala, para ser exato. Ele não queria ouvi-los, sabia a fama das pessoas que ouviam detrás da porta. Elas sempre ouviam algo não destinado à elas e era devastador. E era indelicado.
 
 ⸺  Seus filhos devem estar crescidos depois de todo esse tempo. - a voz era feminina, empanturrara de uma coisa que Josh não identificou. ⸺  Você também está, parece mais maduro. Barba interessante.
 
 ⸺  Eles estão crescendo, sim. - O francês respondeu com uma fagulha de orgulho. Ele tentou não se acomodar no degrau. ⸺  Eu até os apresentaria, mas estão todos já devem ter caído no sono.
 
 ⸺  Ah, tudo bem.
 
 Josh não achava que ela tinha muito interesse em conhecê-los.
 
⸺  Você quer beber alguma coisa? - Noah ofereceu, afável. ⸺  Talvez vinho ou Vodka? Água ou coca.
 
 ⸺  Talvez um pouco de você. - ela riu contida, transparente e sensual.
 
 Urrea não respondeu. Ele não tinha certeza se aquilo era muito bom ou se era só péssimo, pútrido.
 
 E se era aquele tipo de conteúdo que Josh veria ao longo do jantar, ele preferiria pular. Ele tinha sua cama ainda, afinal. Ela deveria ter perdido seu cheiro e seu lugar já não estava mais fundo onde ele costumava deitar todas as noites. Deus, ele não lembra a última vez que passou um dia inteiro dentro da própria casa.
 
 Mas foi o que desejou naquele instante. Um banho de espumas e uma taça de sorvete cremoso para esquecer que queria puxar aquele homem pelo pulso, subir escada acima, sem remorso ou timidez.
 
 Não soava como algo que ele faria.
 
 ⸺  Só eu e você? - ela insistiu. O gosto amargo no céu de sua boca e o peso na língua não eram porque ela estava agindo daquela maneira, mas porque Noah não a parava. Ele nem levantava um sinal amarelo. Então, depois de refletir sobre isso, entendeu que ele não tinha que fazer isso.
 
 Eles não tinham nada.
 
 ⸺  Não. - o de olhos verdes acabou dizendo, acendendo um fósforo de esperança em seu peito. ⸺ Meu amigo está lá em cima, ele desce em um minuto. Aceita a bebida?
 
 ⸺ Que amigo?
 
 ⸺ Não o conhece.
 
⸺ Ele é ator?
 
 ⸺ Professor.
 
 ⸺ E ele quer fazer parte disso? - ela só- É, ela insinuou isso. Não notou que estava roendo as unhas, mas seus dentes deterioraram elas e fizeram dois de deus dedos sangrarem. Ele não estava okay com isso. ⸺ Como ele se chama? Ele é bom?
 
 Ele é bom?
 
 Piscou seus olhos. Uma, duas, três vezes. Inspirou e desceu as escadas no meio da resposta do homem, que não importaria agora. Eles o olharam ou não, isso ele também não notou quando olhou para o canto da sala e não viu sua bolsa jogada lá.
 
 ⸺ Oh, hey. - cumprimentou rápido, olhando para pontos estratégicos. Ele tinha certeza que a bolsa estava ali. ⸺ Minha mãe ligou, sabe. Eu acho que foi alguma coisa com o carro. Ela precisa de carona, eu não posso ficar.
 
 ⸺ Non? - Urrea parecia confuso. ⸺ Uma carona?
 
 ⸺ É, uma dessas. - distante.
 
 ⸺ Isso é uma pena, querido. - a mulher lamentou em seu mais bem feito tom de sedução. Ele ainda não olhava para ninguém, seu sangue correndo mais rápido. Onde estava a maldita bolsa? ⸺ Eu fiquei ansiosa para conhecê-lo, mas tem que ir tão cedo. Realmente lamentável.
 
 ⸺ Tem certeza que não quer uma ajuda com isso? Eu posso - Noah tentou oferecer. ⸺ Ei, olhe aqui.
 
 Tudo lá dentro embrulhou e, como um milagre de mil deuses, sua bolsa surgiu no canto do sofá. Ao lado da moça bonita. Ao lado dos longos fios loiros, boca delineada e roupa de grife. Deus do céu, ela parecia ter saído da capa da vogue francesa.
 
⸺ Oh, achei. - encravou seus dentes no interior da boca quando seus olhos lacrimejaram. Ele só tinha que pegar a bolsa, não queria se fragilizar. Depois de uma volta pela sala inteira, conseguiu pegar sem ter que encarar a moça. ⸺ As crianças dormiram, eu volto outro dia.
 
 ⸺ Você é como - ela indagou.⸺ um babá? Isso é adorável, até.
 
⸺ Par Dieu, ele não é. - o francês rispidou. Ele também basicamente correu até a porta e impediu que Josh saísse por ela. ⸺ Mon petit, você pode me olhar por um segundo?
 
 ⸺ Não.
 
 ⸺ Très bien. - ele suspirou, sem se abalar. ⸺ O que houve?
 
 ⸺ Tenho que ir. - ele não queria soar estilhaçado, mas soou. Porque Noah trazia um lado sensível à tona. ⸺ Se você pudesse não bloquear a passagem, eu realmente apreciaria.
 
 ⸺ Eu não quero te deixar ir, eu não sei se está tudo bem. - ele fitou seu rosto e parecia que só eles estavam ali. ⸺ Obviamente não, mas você tem certeza que não quer dizer?
 
 Deu um passo na direção da porta.
 
 Noah deu um em direção à ele.
 
⸺ Josh. - ele pediu. Josh quase sentiu como se aquilo fosse uma carícia em seu rosto.⸺ Crème-
 
 ⸺ Sai. - reforçou. Urrea fez aquilo. Lento e quase desistindo de fazer, mas fez. ⸺ Obrigado.
 
 ~*~
 
 Que conveniente, o garoto do coração de gelo estava se derramando pelos olhos. Seria, de fato, vantajoso ter um desses. Não pode dormir, ficou se ocupando ao remoer cenas daquela noite. Ele não queria pensar se eles tiveram ou não um jantar à luz de velas ou se ela ocupou seu lado da cama. Ah, não. Não. Isso não.
 
 Esgotou uma caixa de lenços. Pela manhã, ele viu mais de uma dezena de chamadas perdidas e fungou. Deve ter apagado por vinte minutos, seus olhos ainda opados do choro.
 
 O rosto e o cabelo deveriam estar um caos, mas ele estranhamente se sentia mais aliviado por conseguir espremer aquilo para fora. E meio zonzo.
 
 Alguém bateu na porta. Ele se arrastou para fora da cama. O FaceTime apitou. Genevieve e um bocado de corações rodeavam a tela. Ele atendeu no próximo segundo.
 
 ⸺ Os bebês já acordaram. - ele saudou quando viu o nariz pequeno e empinado em cima da câmera. ⸺ Ma vie, eu só vejo o seu nariz.
 
 ⸺ Papa está aí? - ela não afastou, ele conseguiu ouvir a voz abafada por estar tão perto. Ele já estava com a mão na maçaneta. ⸺ Ele disse que estava indo ver você. Só eu acordei.
 
 ⸺ Quem está com você?
 
 ⸺ Tia Lin.
 
 Ele abriu a porta. Noah estava ali, com uma boina idiota no topo da cabeça e um sobretudo xadrez. Ele também tinha lírios amarelados, olhos verdes reluzentes e um topete bagunçado e de tirar o fôlego.
 
 ⸺ Joshy? - a menina chamou como se fosse a quinta vez tentando ter sua atenção. ⸺ Ele chegou?
 
 ⸺ Sim, querida. Eu ligo novamente daqui a pouco, sim? - ele não tirou os olhos do homem quando desligou.
 
 O francês ajoelhou-se.
 
 ⸺ Levante daí, não seja bobo. - Josh pediu. Ele não levantou.
 
 ⸺ Não corte isso agora, eu estou fazendo o meu melhor. - retrucou ele. ⸺ As flores são para você, eu sinto muito pela noite passada. Sinto muito por precisar de tanto tempo para entender. Foi uma noite longa, eu sei. Também por deixar você ir e não pedir que ela fosse. Porque eu fiz isso, se quiser saber. Depois que você foi a única coisa que aconteceu foi eu sentir sua falta na cama, stupide.
 
⸺ Você não tem que explicar.
 
⸺ Dieu-
 
 ⸺ Você não tem.
 
⸺ Mas eu quero. Eu explicaria um milhão de vezes se isso amenizasse o que você sentiu ontem. - ele ergueu-se novamente, deixando as flores nas mãos de Josh. ⸺ Elas são para mostrar que eu estou arrependido. E odiando ver seus olhos tão inchados.
 
 ⸺ Eu poderia ter agido melhor também. Não sou assim o tempo todo. - murmurou, olhando umas duas polegadas para baixo.
 
 Noah parecia mais baixo, mais aquecido e realmente acolhedor. Enquanto ele só parecia precisar de um banho e de um abraço.
 
 ⸺ Mon chéri, você se frustrou. Eu sei como é. Todo mundo passa por isso, não tente se culpar por isso.
 
 Ele se deixou aceitar.
 
 ⸺ Obrigado. - agradeceu baixo, notando que o homem ainda olhava para suas unhas rodeando as flores.
 
 ⸺ Estão machucadas.
 
 ⸺ Fiquei um pouco nervoso.
 
 Josh deu passagem para que ele entrasse, não recordando-se dos lenços espalhados que o denunciariam.
 
 ⸺ Isso é - ele parou de andar, virando para encontrar seus olhos. Verde. ⸺ Amour.
 
 Aquilo era golpe baixo. Sua guarda era tão baixa quando o homem segurou seu pulso acelerado, um beijo doce e desarmador fora pressionado em seu ombro.
 
 ⸺ Huh? - meio desnorteado pelo apelido, ele parecia genuinamente embriagado. Noah murmurou a mesma coisa algumas vezes. "Je suis désolé" foi capaz de enviar alguns espasmos para as suas pernas.
 
 Josh mergulhou as mãos nos cabelos sedosos quando foi beijado na clavícula pela terceira vez.
 
 ⸺ Me desculpe. - outra vez. Até que sugou seu lábio inferior entre os dele. O formigamento bom voltou.
 
 Quando o francês estava ganhando distância novamente, ele avançou para frente e tocou seus lábios de novo. Estremeceu pelo aperto no finalzinho de suas costas, então desejou clamar por mais. Ele não precisou, embora. Arfou quando Noah chupou tão lentamente sua língua, seu corpo caindo ou sendo brevemente esquecido na parede.
 
 Seu celular apitou.
 
 ⸺ Deve ser Genevieve. - o homem só disse entre um beijo e outro. ⸺ Nós temos que ir. Lins tem que ficar no estúdio, Henri tem um recital.
 
 ⸺ O recital. - ele lembrou, segurando o rosto alheio entre uma mão, um bico pronto para ser beijado bem ali. ⸺ Nós temos que ir.
 
 ⸺ É um dia agitado, não é?
 
 Josh lambeu os lábios, tentando pensar direito. ⸺ Eu acho. Talvez.
 
 ⸺ Você está me segurando.
 
 Ele soltou, trêmulo e fraco. Tudo por conta de beijos, ele não sabia onde estava se metendo. ⸺ Vamos.
 
 ~*~
 
 Noah o beijou. Na verdade, eles dividiram muito bem aquilo.
 
 Era tudo o que piscava em sua mente porque os lábios tênues e intensos dele eram ainda melhores do que o que alguma vez imaginara.
 
 O deixavam febril só de lembrar onde as mãos dele estiveram. Josh apertava os lábios apenas para lembrar da pressão feita sobre eles.
 
⸺ Você quer usar esse vestido? - Josh pôs todos os vestidos sobre a cama de Genevieve, mas apontou para o amarelo. Ele brilhava nas mangas. Ela assentiu. ⸺ Esse?
 
 ⸺ Com sapatos? - ela o fitou cheia de esperanças. ⸺ Os brancos?
 
 ⸺ Deus, como eu nunca pensei nisso? - posou com as mãos na cintura. ⸺ Ficará tão lindo.
 
⸺ Você acha?
 
 ⸺ Tenho certeza.
 
 Ela sorriu tão grande que podia iluminar o quarto todo. Josh decidiu que ela iria de chuteiras se isso fizesse ela sorrir assim de novo.
 
⸺ Como quer usar o seu cabelo?
 
⸺ Aqui mesmo. - ela franziu as sobrancelha e tocou na própria cabeça, confundindo o que Josh quis dizer. ⸺ Oh, eu posso usá-lo assim?
 
⸺ Mabelle está pronta. - o francês apareceu na porta do quarto das meninas, a boina ainda no topo da cabeça. Josh mexeu o nariz como se cocasse. Ele sempre ficaria meio sem graça quando o visse? Sorrindo sem controle algum? Já era a terceira vez.
 
 A menina surgiu com uma trança caída no ombro, presilhas brancas ao longo da mesma, e um vestido longo, cor de creme, e repleto de flores laranjas. Ele trouxe a mão ao peito.
 
⸺ Você é uma princesa? - admirou-se, fazendo referência. ⸺ A princesa mais bela que já vi em toda a minha vida. Eu posso ver o seu cabelo?
 
 Ela o abraçou ao invés disso e, pelo canto, ele notou Genevieve acanhada com um par de sapatos nas mãos.
 
 Noah prensou os lábios e balançou a cabeça, um divertido sorriso adornando sua boca como se dissesse "Se eu fosse você, repararia isso".
 
 ⸺ As duas, eu quis dizer. - murmurou, cauteloso. A menina afagou os próprios cabelos dourados antes de andar até os dois, abraçando suas costas e escondendo o rosto em seus cabelos. ⸺ Senti falta disso.
 
 Josh não precisava lembrar de elogiar a menina também, mas definitivamente não esqueceria.
 
 ⸺ Vamos, nós não podemos nos atrasar. - O francês os apressou, mas eles não saíram do abraço. ⸺ Henri vai apresentar o quebra-nozes, é a primeira apresentação. Corram!
 
 ⸺ Espere um segundo. - ele sentiu seus joelhos incomodando, apertou os braços ao redor de Mabel quando Genevieve fez o mesmo em seu pescoço. ⸺ Pronto, vamos lá. Gene, vista o vestido. Eu calço seus sapatos, só preciso trocar os meus.
 
 

Desculpe qualquer erro.

Roma & Julio || N.BOnde histórias criam vida. Descubra agora