DIONE
A medida que o sol se punha entre as colunas montanhosas, os ventos gélidos que traziam as folhas de outono salpicavam a pele dos camponeses como farpas dolorosas. Encapuzados e enfileirados, ansiavam por comida que lhes aquecesse o estômago.
Voluntários do Estado se emaranhavam no âmago de Castle Combe tomando as mesmas dores que os menos afortunados ou forasteiros, distribuindo o que era preciso para mantê-los firmes.
Já na dianteira, a poucos metros de ser atendida, uma figura soturna destacava-se das outras. Trajava um vestido branco cheio de camadas, espartilho escuro, monóculo, cartola longa e um camafeu de ouro bem alinhado; um estilo bastante extravagante para a região e carregando apenas um significado: peregrino.As pessoas olhavam e olhavam, essencialmente por estarem todas unidas através da situação precária em que um relógio de bolso daquela mulher daria um mês de comida para todos.
— Próximo! — o Voluntário chamou.
Um prato fumegante de assado de carne com batatas e vegetais cozidos foi servido. A figura então direcionou-se elegantemente até à mesa, com a bela postura não deixada de lado nem ao se sentar.
— Gostaria de torta? — uma jovem ofereceu ao se aprumar do lado, um sorriso solícito adornava seus lábios.
A oferta foi negada com um leve menear de cabeça.
O silêncio que se seguiu não era inusitado, permeava por todas as mesas feito vassourinha-de-botão em pastos vigorosos. O único barulho a ser ouvido era o crepitar das chamas da fogueira central, e por vezes, o ruído de talheres raspando contra pratos.
— Meu nome é Daisy Elkins Plawmone! — Disse de repente, os olhos azuis turquesa brilhando em excitação como se não conversasse com alguém há muito tempo. — Qual o seu?
— Dione Kalanthos. — Respondeu, simplista. Não buscando mais conversa.
Daisy tombou a cabeça para o lado enquanto estudava Dione, a colher estática no caminho para a boca e vapor fumegante serpenteando entre seus olhos.
— Você é a Condessa Astéria — concluiu num sussurro conciso. Dione comprimiu os olhos e resistiu à vontade de puxar o punhal que mantinha escondido debaixo das camadas do vestido. Acima de tudo, Daisy ainda parecia inócua. — São tantas alcunhas, Dama da Meia Noite, Lady Sangrenta, Alvorecer da Morte.
Daisy estava ofegante, a bochecha recheada de legumes ao proferir tantos apelidos famosos quanto conseguia se lembrar.
— A senhora tem um cheiro único — disse sonhadoramente. — É como se eu tivesse sido atraída até essa mesa por conta dele.
Dione sentiu uma pontada de arrependimento ameaçando bater na porta.
Sendo uma vampira há tanto tempo, sabia bem que sua colônia era diferente, mesmo um novato seria capaz de reconhecer se estivesse perto o suficiente.
E agora, dando uma boa olhada em Daisy, já era evidente o quanto ela era jovem. Desde o atrevimento para chegar perto de Dione, até a coragem para realmente iniciar um diálogo.— Me diga, Daisy Elkins Plawmone. Quantos anos você tem?
— Eu tenho 75 anos — revelou com o peito estufado orgulhosamente. — E a senhora?
Quase uma criança.
— Acredito ter me perdido nas contas quando passei dos 1200. — Dione espiou com o canto do olho a pose de Daisy se desmanchando — e não me chame de senhora.
— Compreendo. — Daisy voltou a comer, mais pacificamente que antes. — Se me atrevo a perguntar, o que a Condessa Astéria estaria fazendo em um lugar assim?
Uma quase criança enxerida.
Sendo honesta, Dione já estava cansada, com frio e finalmente enchendo a barriga após dias de amargura carregando nada além de uma maleta de couro. Então, quem poderia julgá-la por não querer finalizar uma conversa envolvendo mais outra rodada de mortes.
— Se você contar para qualquer ser sobre o que vou lhe dizer cortarei sua garganta e darei aos lobos para comerem de café da manhã — avisou. — Estou no meio de uma missão importantíssima.
Daisy arqueou as sobrancelhas e Dione ignorou. Já tinha extrapolado sua cota de vocalizar palavras pelos últimos 10 anos.
— Continue! — Implorou, os olhos esbugalhados brilhando feito duas pérolas em amêijoas.
Dione trincou o maxilar, contrariada. — Isso é tudo, a única coisa que você tem de saber é que estou ocupada e sem tempo para conversas.
Com as rajadas de ar se intensificando, os habitantes dispersaram-se e tomaram caminho até suas respectivas acomodações, casebres de madeira espalhados pela região por volta da fogueira. As famílias andavam lado a lado, buscando conforto domiciliar após uma refeição conjunta.
Dione deixou um de seus aneis ao lado do prato e se levantou, ajeitou o lenço pelos ombros uma última vez e puxou a maleta.
Marchou para a estalagem mais próxima, um lugar pequeno e estranhamente agradável. O aroma de madressilvas impregnava pelas paredes, uma única vela se arranjava sobre o balcão em que uma senhora muito enrugada se prostrava.Após deixar uma moeda de prata foi recebida com um aceno lhe indicando o quarto.
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Dione Kalanthos
عاطفيةAmbientada no século XIX, a história segue a jornada da vampira milenar Dione Kalanthos em sua busca pelo antigo rival, Chaenjiun. Cinco anos atrás algo importante lhe foi tomado, mas agora, sua determinação em pegar de volta é mais forte. O solstíc...