𝙄𝙩𝙞𝙣𝙚𝙧𝙖𝙧𝙞𝙤

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DAISY

Duas semanas de convivência com Dione podiam ser seriamente comparadas à vinte anos de um casamento arranjado que não deu certo. O sentimento de ser um incômodo era pesado e frustrante, mas Daisy se mantinha firme sobre suas palavras. Ela passaria por cima e perseguiria fielmente sua vontade. Se tornar amiga de Astéria.

Daisy sentia que aquilo era para acontecer. As duas se encontrarem numa vilinha modesta? Obra de algum ser superior que sabia dos seus desejos mais profundos. A lendária Dione Astéria St. Kalanthos era um dos maiores nomes da comunidade, alguns até diziam que a mulher era a última remanescente da seita que deu início à linhagem primária.

Claro, não passavam de boatos.

Ver Dione em carne e osso era mais do que Daisy poderia pedir, só que ainda assim, a sensação de que algo estava errado não abandonava seu peito. Dione parecia mais vulnerável do que supostamente deveria ser.

E esses quatorze dias não renderam muito diálogo, Daisy passou a maior parte das noites em conversas unilaterais ou observando Dione mergulhar tranquilamente em lembranças.
No entanto, ela conseguiu adquirir algumas informações, tais como o fato de Astéria(por motivos desconhecidos) conseguir andar em plena luz do sol, e que ela estava indo para o Canadá.

O vento açoitou a frágil porta feita de madeira velha, pela fresta Daisy constatou que as estrelas e a lua já haviam encontrado lugar na imensidão azul. Porta afora, sentiu os ventos gélidos estalarem contra seus ossos, segundo os locais, aquela seria a noite mais fria do ano. Daisy não conseguia entender bem porque Dione simplesmente não corria até Lampeter, Cardigan, Fishguard ou qualquer que fosse a região costeira. Seria muito mais rápido chegar ao Canadá e reduziria a probabilidade dos atrasos que ela tinha tanto receio.

Começou a desconfiar que pela idade avançada, Astéria estava puramente desejando aproveitar a paisagem — certo, Daisy não acreditava mesmo nisso, só estava buscando uma resposta adequada já que não ganhava nenhuma de Dione.

Agora quem corria era ela, tendo parado em Ledbury na noite passada, tinha que apertar o passo para chegar em Worcester, o próximo destino de Dione, que caminhava pacientemente pelos raios solares enquanto Daisy esperaria a noite saudá-la.

Checou onde supôs que fosse os arredores da cidade e, para surpresa de ninguém, não havia almas andando pelos campos(quase vazios). Poucas casas se firmaram naquelas terras, refletindo a quantidade insignificante de moradores.

Prosseguindo ao sentir o cheiro inconfundível de Dione — sutil de início, mas se focasse, era profundo e intenso, meio amargo.

Rapidamente a encontrou sentada num caixote de madeira com um prato fumegante no colo.

— Guisado de pato — explicou sem se dar ao trabalho de olhar para cima.

Daisy sentou-se num barril menor ao lado e esperou. Estava ligeiramente desanimada, então não forçaria a barra, só estar aqui agora era o suficiente.

Mas o beco logo deixou de ser abafado pela umidade e cortinas de vento entraram loucamente. Gotas geladas passaram a cair em suas cabeças, rapidamente se transformando em agulhas doloridas que pareciam buscar suas almas.

Dione se levantou e andou em passadas apressadas, fez zig-zags pelas ruas até parar subitamente num lugar que por muito pouco podia ser chamado de construção. Era óbvio o motivo de ter sido abandonado, tinha a largura de um hipopótamo e sua altura não chegava a nem dois metros, a madeira de qualidade duvidosa que compunha a peça possuía buracos mal tampados e furos aqui e ali.
Daisy a observou trabalhar agilmente com os dedos para abrir a maleta.

Dione KalanthosOnde histórias criam vida. Descubra agora