𝙎𝙖𝙩𝙞𝙨𝙛𝙖𝙘𝙖𝙤 𝙣𝙖 𝙈𝙤𝙧𝙩𝙚

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DIONE

Não é como se Dione estivesse arrependida de entrar numa conversa com Daisy, o fato era que assim que saiu do torpor e seus sentidos retornaram, a humilhação veio junto. Nos últimos dias sua boca se recusava a proferir palavras, tendo mantido um voto de silêncio inconsciente.

Ter a vida salva por uma jovem? As trombetas do inferno já podiam tocar e escoltá-la que ela iria de boa vontade.

Olhando de esguelha para Daisy, ela viu a loira remexendo em fiapos do próprio vestido, bastante cabisbaixa. Por ora, tinha desistido de iniciar uma conversação, parecendo finalmente notar que Dione estava ignorando-a. Novamente.

A carroça bambeou ao passar por uma área mais rochosa e Dione segurou-se nas bordas, da onde estava conseguia ver os sacos entreabertos recheados de verduras frescas que seriam levados até a cidade. Os céus viam-se arroxeados, indicando que algumas horas haviam se passado desde que um senhorzinho cedeu espaço ao lado dos vegetais para uma viagem.

A paisagem era um vasto campo de trigo obscurecido pelo anoitecer, as folhas seguiam metros de altura e poucas das extremidades conseguiam a breve iluminação da lamparina fraca do condutor. Dione deu mais uma checada em Daisy, que estava com os olhos fechados e a boca torcida numa linha fina.

— Eu sinto muito — ela disse minutos depois, olhos abertos brilhando para os céus. — Não é como se você estivesse me devendo alguma coisa agora, eu embarquei nessa viagem por conta própria e tudo que acontecer aqui é problema meu.

Dione franziu o cenho, a carroça chacoalhou mais algumas vezes antes de se estabelecer numa reta estável.

— E não fiz aquilo por querer algum favor da Condessa Sangrenta. — Daisy enfiou os dedos no cabelo e foi puxando bem devagar. — Eu fiz porque você é Dione, minha colega e parceira nessa viagem que eu sequer sei que final vai dar.

Dione fitou a folhagem antes de oferecer uma resposta. Daisy não havia feito nada de errado nesse tempo todo e mesmo assim, Dione não deu nada além do benefício da dúvida, talvez fosse a hora de pensar num próximo passo. Muito tempo sem convivência mensal com outros seres era algo que reduzia suas habilidades sociais a um nível amargo. Um ciclo vicioso que se determinava a perpetuar por muito tempo.

— Daisy... — Dione começou, as entranhas se revirando em precipitação de começar algo vagamente parecido com um pedido de desculpas. — Eu entendo que-

O súbito cheiro de enxofre a fez parar e aguçar os sentidos, uma presença ameaçadora vinha tomando à força a esfera de calmaria que os envolvia.

— Dione? — Daisy chamou, ela piscou algumas vezes antes de fungar e notar a situação. — Entendi. São vampiros..

Tão normal quanto poderia ser, muitos vampiros caçavam em estradas para não correrem o risco serem pegos por caçadores, banho de sol ou outros vampiros territorialistas. Por estarem em meio à uma quantidade considerável de verduras, talvez tivessem julgado que o cheiro delas era pertencente a um bicho morto. Grave erro.

Dione sentiu os ossos estalarem quando juntou toda a elasticidade que tinha para se esticar e dar um tapa na coxa direita do cavalo, ele relinchou alto e saiu em disparada. Tempo suficiente para que ela deixasse algumas moedas de prata na carroceria e pulasse agarrando o pulso de Daisy.

Dione pousou graciosamente e Daisy caiu esparramada no chão, arranjando um jeito de bater a cabeça no caminho.

— Olhe só o que temos aqui — uma voz se materializou diante dela oriunda dos campos. Um homem parrudo, cabelos longos escuros e uma expressão de falsa felicidade, a raiva que ele emanava era fortíssima. — A desprezível Carniceira de Cananéia, já fazem séculos.

Dione KalanthosOnde histórias criam vida. Descubra agora