Capitulo 15 - Dois corações e um saxofone

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O ano estava chegando ao fim, e eu tinha decidido que pararia com minhas múltiplas relações, elas não estavam me acrescentando nada no final. Havia conhecido uma mulher e estava dando mais importância para um relacionamento sério. Acordei, me troquei e fui trabalhar. O relógio não gostava de mim, corria na contra mão, mas aprendi a lidar com ele. Entrei no escritório, fui um dos primeiros a chegar.

     - Madrugou aqui Victor? – Perguntou alguém.

     - Hum... não. – Respondi.

     - Você sempre chega atrasado...

     O dia estava gostoso, o sol brilhava de uma maneira mais forte lá fora. Fui até a cozinha, peguei um copo descartável, enchi de chá, coloquei três colheres de açúcar, roubei um palito de plástico com formato de colherzinha e mexi, mexi, mexi. Formou um redemoinho cor de marrom com laranja, tomei um gole e estava muito quente, queimei a língua. Mexi mais para esfriar, voltei à minha mesa. Coloquei minha mochila na cadeira, a moça da limpeza dava uma geral no meu chiqueiro, tirou muita sujeira – caraca! Como eu consegui sujar tanto?

     - Nossa, quem é que senta ai? – Perguntei sorrindo.

     - Num sei não, sinhô. – Respondeu a faxineira.

     Ela não é faxineira, me equivoquei, é funcionaria da limpeza, melhor eu ter mais respeito em como chamá-las, pois me lembro de um dia em que trabalhava numa escola de alunos especiais, e tanto os alunos quanto os funcionários daquele lugar costumavam pegar nossas coisas, e nunca mais se via. Certo dia eu deixei meu celular carregando em uma sala bem afastada das outras, e saí, simplesmente o deixei lá - fui muito ingênuo - e enquanto almoçava nem me lembrei do meu aparelho. Depois do meu horário de almoço, me dei conta de que tinha deixado sozinho e que era perigoso, voltei correndo, e quando chego até a sala... Encontro sabe quem? A senhora da limpeza, ela estava prostrada na porta.

     - Victor, tenha mais cuidado com suas coisas, fiquei aqui enquanto você não estava. – Disse a gentil senhora.

     - Hum... Ah, obrigado, vou me atentar.

     - Você sabe como aqui anda perigoso, não deixa mais suas coisas espalhadas assim não garoto.

     - Ah sim, tudo bem, obrigado!

     Peguei meu celular e fui trabalhar, depois daquele dia passei a admirar o caráter daquelas pessoas humildes, e que não possuem muitas coisas, mas mesmo assim possuem o mais importante que é a dignidade, o respeito e a bondade, entre outras qualidades incríveis, aquela era uma boa senhora, eu gostava dela, não baixava a cabeça para o dono e nem eu, nos dávamos bem.

     Depois de o chão estar limpo, levei minha cadeira de rodinhas até minha mesa e me mandei para a cozinha - bebericando meu chá quente – prefiro gelado. Abri a geladeira e puxei o compartimento superior, peguei três pedras de gelo e depositei no copo, ouvi o barulho da mudança de estado solido para líquido, senti um leve arrepio, fechei a geladeira e me sentei à mesa da copa. Tinham duas, eram grandes e quadradas, poucas pessoas estavam sentadas conversando sobre sexo. Todo dia, o assunto era sexo, e eu estava cansado daquilo. Não de sexo, longe de mim, mas de olharem para minha pessoa e pensarem o quão inexperiente eu sou, muitas das vezes eu não respondia e só observava, mas era constrangedor e até mesmo engraçado como ninguém me conhecia, mas senti que seria melhor assim, no anonimato total. Falavam aos berros sobre os homossexuais, e como estão nítidas as relações deles em público. Lembrei de alguns colegas que eram e não tive opinião, queria apenas beber meu chá e curtir minha manhã tranquila, em paz, com Deus.

     Alguém falou sobre gays e olhou para mim, insinuando como se eu fosse um, não liguei, mas voltei um olhar intimador, a pessoa saiu da cozinha. Meu chá estava no final e sobravam os gelos rodando no copo, me levantei e fui para meu lugar, ia começar a trabalhar.

     Sentei na minha cadeira, estava macia, minha mesa branca cheirava a produto de limpeza, e era bom, algo com essência de flores e eu adoro flores, vestidos floridos e cabelos longos. Aproximei-me da mesa, inclinei meu corpo para frente, deitei a cabeça nos braços, voltei o corpo no encosto, a cadeira grunhiu, estiquei os braços, as juntas estralaram, como era bom se esticar. Estralei suavemente o pescoço e senti-o mais leve, segurei no encosto da cadeira e girei o corpo, estralei as costas - vários sons de estralo - meu corpo estava novo, eu era novo, eu sou novo.

     Fiquei feliz por ter saúde, e mesmo sem muito dinheiro, sempre dentro do meu mundo particular que eu chamo de caverna, escrevendo, escrevendo, escrevendo. Tinha essa vida, nada demais, escrevia meus livros que uma hora seriam publicados, e tomava meu chá já no finalzinho. Tudo acaba, um dia o mundo findaria, mas eu nem estaria mais aqui, com certeza estaria descansando no meu leito prometido, o descanso dos justos. Pensando melhor a vida é boa. Vejamos, nascemos pelados, carecas e banguelas, o que vier é lucro.

     Abri minha mochila, peguei meus fones de ouvidos, pluguei na maquina, abri o editor de texto, selecionei minha trilha sonora atual, "Me and Mrs Jaen", Bill Paul era um gênio, paz, senti meu peito se encher se paz.

A música começou.

Me aproximei das teclas.

     A guitarra não tinha pressa alguma, cada nota, serenas ondas sonoras, gemido ao fundo, a bateria intercalando com pequenos toques no tambor, o saxofone era amigável, silencioso, a banda não queria fazer alarde, apenas deixar transbordar a canção. Eu adorava aquela música, ah sim, era bonita, perfeita.

     Meu celular vibrou, olhei e era minha garota, ela estava indo trabalhar, entrava um pouco mais tarde do que eu. Perguntou se eu já tinha chegado e como estava meu dia, e ele estava ideal. Logo menos eu iria vê-la, éramos amigos, cúmplices, amantes, companheiros, confidentes... Éramos um. Dois corações e uma história. Sou feliz, eu realmente sou feliz, não apenas por respirar, mas por ter encontrado alguém que iria respirar comigo, o mesmo ar, pulsando o mesmo sangue e debaixo do mesmo céu, minha garota é linda, quero me casar com ela.

     Sorri, mostrei os dentes pra vida, olhei pela janela e estava amarelo, tudo amarelo. O sol tocava o mundo e ali dentro estava fresco, santo ar condicionado. Aproximei-me novamente do teclado e essa era a hora. Tinha escrito muito, mas sobre como o meu dia estava sendo bom eu não tinha escrito, então comecei a relatar...

O Amor Usa Batom VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora