II - Indigo Blue.

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O sol nasceu, o dia nasceu. Era o começo de toda uma coisa nova. Toda uma vida nova, diga-se de passagem.

O quarto que me entregaram para passar essa temporada de sol era naquele clássico formato chalé, um pouco afastado das dependências principais, totalmente paradisíaco. Havia uma piscina pequena na espécie de quintal, uma mesa de ferro com guarda-sol, e uma espreguiçadeira. Dava uma vista contemplatória para o mar, e uma estradinha quase que privativa para o mesmo. Nas dependências internas, o ambiente era todo em branco, com alguns detalhes em madeira claro, rattan, e linho. Era tudo muito sóbrio, muito clean, muito calmo, achava tudo muito bom.

Eu tinha jogado as malas de qualquer forma na espécie de sala de visitas na noite passada, correndo até o banheiro e me deleitando com a banheira branca opulenta. O dia tinha raiado fazia certo tempo, mas não conseguia me desgrudar da cama por nada. Havia algumas mensagens no meu telefone no grupo da empresa, mas ignorei todas, tiraria o dia de folga.

Havia também, duas a três mensagens de Lorenzzo, marcando seu território de uma forma muito mal executada, totalmente desnecessária.

Levantei do colchão, desfiz as malas, pondo cada coisa em seu devido lugar. Organizei, na mesa da cozinha minúscula, meu computador, agendas e bibelôs, tentando deixar aquele lugar com cara de casa. Afinal, seria essa a definição por ora, não é? Calcei as chinelas brancas, com muito pesar, a saída de praia, quase como uma túnica, translúcida, em listras grossas, vermelho e preto, fortes. O biquíni por baixo seria a cereja do bolo, se eu não estivesse tão estancada do mormaço baiano. O rosto repleto de protetor solar, assim como o colo. Catei minha bolsa, as chaves do chalé, e decidi desbravar o dia, da melhor forma possível, ou pelo menos, tentar.

Aquele café da manhã colonial do Sollaris me revigorou em três níveis diferentes, o que me deixou repousar por um tempo nas dependências principais folheando Tu Que Não te Moves de Ti, de Hilda Hilst, que era de certo uma das minhas escritoras favoritas, e ia pontuando todas as sentenças que me pareciam pertinentes com um lápis em mãos.

Chegava em meio a minha leitura naquela parte engraçada em que o título da obra é citado durante a obra, arrancando uma risadinha nasal. Mas essa citação em especial, alugou um triplex, ou melhor, um complexo hoteleiro completo na minha cabeça:

"Para onde vão os trens, meu pai? Para Mahal, Tamí, para Camirí, espaços no mapa, e depois o pai ria: também para lugar algum meu filho, tu podes ir e ainda que se mova o trem, tu não te moves de ti."

Estar ali, dentro de todo o simbolismo de uma ida dolorida, mas necessária, era real?

Eu estava me movendo de mim?

Fechei o livro no impulso, assustada com a coincidência, sendo observada por uma família de alemães que esperavam algum passeio turístico nos sofás em creme do hall principal do hotel.

Eu precisava agir - precisava me mover de mim.

Fui, como uma comum, desbravar a região no primeiro dia. Era domingo, só iria trabalhar em definitivo na terça, então aproveitei o ensejo para entender o hype e problematização do Esotérico.

Me informaram na recepção, ainda ontem pela noite, que além do serviço de hotelaria, eles ofertavam um serviço de café bistrô, bem respeitado na região, e bem frequentado entre os clientes mais abastados do Sollarium, pelo seu tom pitoresco.

Mui graciosa, é verdade. Havia um túnel de árvores, quase que uma trilha, repleta de areia branca e tábuas de madeira, com sinos de vento, cataventos, decorações em madeira coloridas que guiavam até a entrada da bendita pousada. Da entrada até a benfeitoria propriamente dita, seriam uns 2 minutos de caminhada vagarosa e analítica. Cheiro de verde, de vida. E cheiro de água do mar. Era gostoso.

Esotérico - Uma Doce e Bárbara Viagem.Onde histórias criam vida. Descubra agora