XXVII - Ela é Carioca

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Nós devemos amar a poesia que é o ato contemplativo e ritualístico do nascer do sol.


O movimento da aurora (e isso me recordo dos tempos no tradicional Franciscano Coração de Jesus), isto é, do primeiro raio de sol do dia, deveria ser tido como a primeira mensagem de que: acordamos. Há um mundo de possibilidades infindáveis, inenarráveis, incríveis, todas essas, te aguardando na ponta de um raio solar, transmitido de uma estrela ali, inerte no céu, a cerca de 149.600.000 km da Terra, ou melhor, 8,3 minutos de distância na captação de mensagens.


Então sim, o que nos parece inédito, em algum lugar do mundo, dos sentimentos, das vivências, anseios, desejos e vivências, já não é tanto.


Muito provavelmente, já aconteceu, embaixo do seu nariz. Você que não teve a sorte, ou até mesmo a sabedoria de conseguir contemplar como se deve. Assim é a vida.


Em uma das minhas canções favoritas do Lennon, ele fala justamente isso. Levo como uma oração pessoal a afirmação de que "a vida é o que acontece quando estamos fazendo planos", e bem, o que seria mais recíproco na minha vida do que essa frase Lennon/Ono em Beautiful Boy?


Amava as manhãs cariocas. Amava os primeiros raios vindos da aurora, inéditos a raça humana, antigos à estratosfera, negra e linda. Amava o toque baiano na minha manhã carioca, cheia de bossa, cheia de manha.


A ideia absurda da carne ali, impávida, preguiçosa, debruçada na cama grande para uma pessoa, parcialmente média para duas, tornava o brilho da aurora ainda mais radiante, mais bobo, mais inédito - pelo menos, ao meu campo de visão que gostava de imaginar que cada detalhe sobre ele, fosse como um raio de sol novo que alcançou a terra, nos seus bons 8,3 segundos.


Então, a sensação de euforia, reflexão, paz de espírito e amor era bem beatlemaníaca mesmo: no melhor estilo aí vem o sol. E querido, a sensação estratosférica de estar ali... é de que faziam anos desde que ele esteve aqui.


Era cedo, no relógio preso à parede, marcava pouco mais de 6 e pouco da manhã. O frio do ar condicionado, posto logo acima da cama, arrepiava minha pele de uma forma mais cruel do que eu poderia pensar. Meus pés, de tão gelados, pareciam entrar em estado de necrose, portanto, procuraram as canelas finas de Alexandre, na esperança de que me aquecesse, por transmissão de temperatura.


- Porra, Giovanna... - escutei o murmúrio prensado ao travesseiro, junto com outras lamúrias.


Não dei ouvidos ao homem, de fato, passei a pressionar a ponta dos dedos pelo vinco dos seus joelhos, e me apertando a ele, ainda mais. Não recusou o acalanto especial, ficando ali, em meio aquele embaraço da cama, nu, cru, frio e quente, ao mesmo tempo.


Daí a questão do inédito: das notícias inéditas do jornal de ontem. Qual é o tempo ideal para entender quando a paixão se torna amor? O quão atrasada essa noção de amor pode estar, aos olhos humanos?


Eu tinha posto como marco zero do nosso amor, aquele dois de fevereiro. Mas talvez, o amor tenha vindo um pouco antes. Talvez no ressentimento guardado em prol da razão no jantar de negócios no Ilíada, no contrato do guardanapo do Maria Mata Mouro, na simplicidade de cada xícara de café me servida na varanda, em cada estrofe cantada, em cada poema lido.


Ousaria dizer, que a realização do amor, do nosso amor em especial, estava ao alcance do nosso primeiro olhar. Do primeiro papo, da primeira ousadia tomada. E daí, a partir dessas realizações todas, eu aceito o fato de que Alexandre pôs em cheque para mim, todas as minhas opiniões e concepções sobre o amor. Ai de mim, que vivia a mercê daquela necessidade de entender o que não precisava ser compreendido.


Esotérico - Uma Doce e Bárbara Viagem.Onde histórias criam vida. Descubra agora