• Capítulo Dez

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— DESCULPA, COMO É QUE É?

Ao final da manhã de terça, Natasha viu os olhos de Yelena se arregalarem até ela ficar parecendo um inseto, os dedos finos agarrados às laterais do balcão na recepção do Vinhedo e Spa Rosa Amarela. O lugar parecia um oásis, todo de madeira por dentro, com estofados e tapeçarias brancas e muito vidro do mar – detalhes amarelos, do porta-canetas na recepção aos quadros nas paredes, imagens de rios límpidos e lírios balançando ao sol. O térreo era todo de vidro e, atrás de uma recepcionista apavorada chamada Nakia, Natasha via o Canal Volga-Don se estender em uma faixa verde ao longe, com fileiras organizadas de videiras rechonchudas logo abaixo.

— Três quartos? – indagou Yelena. — Não, eu me lembro muito bem de ter reservado quatro.

— Ah, merda – resmungou Agatha baixinho.

Natasha, por sua vez, se escorou no balcão e manteve o rosto inexpressivo.
Estava exausta. Para falar a verdade, uma massagem seria muito útil. Durante toda a viagem até lá, era nisso que tinha pensado – massagens, um Pinot Noir excelente, um quarto sem chita só para ela com vista para o vinhedo onde poderia apenas ser, livre de Yelena e de Volgogrado e de toda a lama emocional que a visita à Casa das Glicínias na noite anterior tinha despejado em suas veias.

Claro, ela estava lá para tirar umas fotos das três melhores amigas, provavelmente para que pendurassem em sua caverna ao lançar seus feitiços de beleza e poder eternos, mas aceitava as massagens grátis de bom grado.
Nunca tinha se sentido tão cansada quanto nos dois últimos dias, e isso incluía os primeiros meses em Nova York aos 18 anos, quando descobrira outras pessoas lgbtq+ e os bares e ficara uma semana sem dormir. Mas, até ali, a viagem a Volgogrado estava dando a Natasha a sensação de flutuar, mas não daquele jeito gostoso pós-orgásmico. Era como se ela não conseguisse firmar os pés no chão e andasse por aí cambaleando.
Seu único alívio fora empurrar aquele babaca no rio na noite anterior.
Meu Deus, como aquilo tinha sido divertido.

Yelena não concordava, claro, o que era até um bônus.

Ao enfiar um moletom em suas mãos na noite anterior, a expressão de Yelena não revelava aquela mágoa prostrada que Natasha percebera na entrada da Casa das Glicínias. Não, era só irritação, familiar e estimulante. Os deuses tinham presenteado Natasha com um jeito novo de irritar a irmã postiça, e ela planejava explorá-lo de todas as maneiras possíveis, o que precisava ser feito com cuidado e destreza, para que conseguisse manter o trabalho de fotógrafa.

Mas pensar em modos criativos de irritar o amado de Yelena só deixava tudo ainda mais divertido. Além do mais, James era um anúncio bonitão e ambulante do patriarcado, então qualquer insulto habilmente disfarçado que ela pudesse proferir seria justificável.

Sua determinação cresceu ainda mais ali no saguão do resort, e ela se esforçou para manter a expressão neutra conforme ficava cada vez mais claro que Yelena não tinha reservado quatro quartos. Ela reservara três, para ela, Agatha e Wanda, e nem tinha pensado em Natasha, que tentou não perceber que seu coração acelerou enquanto a garganta se fechava em um coquetel terrível de raiva, irritação e mágoa.

Wanda se aproximou e Natasha tentou não perceber isso também. Seu corpo, no entanto, tinha outros planos, e ela sentiu que também se inclinava em direção a Wanda, o sufiiente para seu ombro tocar o dela de leve.

— Natasha Romanoff – disse Yelena para a coitada da recepcionista, pronunciando cada sílaba com exagero. — Confira de novo. Eu sei que está aí.

— Sinto muito, Srta. Belova – respondeu Nakia — mas a reserva diz claramente que a senhorita ligou no dia 14 de abril e reservou três quartos por uma noite, um para a senhora, outro para a Srta. Agatha Harkness e um terceiro para a Srta. Wanda Maximoff. Não tem nada para a Srta. Natas…

— Tudo bem, já entendi – disse Yelena, soltando um suspiro profundo. — Mas vocês devem ter algum quarto disponível.

Nakia estremeceu. Natasha quase se sentiu mal por ela.

— Sinto muito, Srta. Belova. O verão é nossa época de maior movimento, e estamos lotados hoje. Mas, se vagar algum quarto, a senhorita será a primeira a saber.

Yelena ficou alguns segundos encarando a coitada, como se a força de seu olhar pudesse fazer com que aparecesse um quarto do nada. Nakia, por sua vez, manteve o sorriso, mas, quando os ombros de Yelena desabaram, derrotados, a recepcionista soltou um suspiro audível.

— Tudo bem. Eu durmo nas parreiras – disse Natasha.

Yelena se virou devagar, mas sem cruzar com o olhar frio da irmã postiça.
Em vez disso, olhou para o chão e respirou fundo várias vezes seguidas, tentando não perder completamente a cabeça.

Natasha cruzou os braços. Ela adoraria ver Yelena perder a cabeça, bem ali diante de Nakia e da paleta de cores amarela-spa.

— Está tudo bem – falou Wanda, colocando a mão no braço de Yelena. – Vai ficar tudo bem. As camas são todas king size, não são? Natasha pode ficar comigo.

Ah, meu Deus. Era perfeito demais.

Yelena levantou a cabeça depressa, os olhos arregalados.

— Não, não, a culpa é minha – argumentou. — Ela pode ficar comigo.

— Yelena – disse Wanda — você merece um quarto só pra você.

— Você também – respondeu Yelena.

— Bom, eu com certeza mereço um quarto só pra mim – disse Agatha, e Natasha quase riu. Para falar a verdade, em outra vida, ela provavelmente teria gostado muito de Agatha.

— Yelena – disse Wanda, segurando os braços da amiga. — Eu não ligo. E insisto. Vai ser ótimo.

— É, YEtzinho, vai ser ótimo – concordou Natasha.

Ela olhou nos olhos da irmã e levantou uma sobrancelha, algo que sabia que Yelena não conseguia fazer e gostaria de conseguir. As duas ficaram se encarando, a aposta de Natasha de levar Wanda para a cama pairando no ar. Claro, não foi exatamente isso que Natasha quis dizer, mas era um ótimo começo.

Yelena fechou os olhos por um instante, e naquele breve instante Natasha soube que tinha vencido.

Mas havia algo a mais ali. Algo além da satisfação que Natasha sentia por saber que Yelena estava fervendo por dentro, e tinha quase certeza de que era entusiasmo. Wanda era divertida, doce e muito sexy. Ela era interessante. E Natasha não conseguia parar de pensar na noite anterior, na entrada da Casa das Glicínias, naquela fração de segundo em que Wanda podia ter ido com Yelena, deixando que Natasha lidasse com seus demônios sozinha, como estava acostumada a fazer.
Mas ela não fizera isso.

Wanda tinha se virado, os olhos verdes bem abertos e sinceros, e esperado por ela. Acompanhara Natasha durante aquele que poderia ter sido o pior momento da viagem de volta a Volgogrado e o transformara em uma simples caminhada pelo corredor.
E, pela primeira vez desde a morte de seu pai, Natasha não se sentira sozinha na Casa das Glicínias.

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Natasha Romanoff Não Está Nem AíOnde histórias criam vida. Descubra agora