PRÓLOGO

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"Feliz aniversário, teme ¹!"

Não sei quanto tempo encarei aquelas três palavras, rabiscadas em caligrafia quase ilegível, em pedaço de pergaminho completamente amassado. Certamente foi feito com um pedaço de papel esquecido nos bolsos ou algo parecido. A dobra mal feita complementava o pequeno caos que eu mantinha entre os dedos. Tentei, inutilmente, alinhá-lo, mas era impossível.

Fazia anos que a data me fugia à memória. Verdade seja dita, nunca dei muita importância a ela, e é claro que, ao tomar conhecimento disso, você não aceitou nada bem.

Lembro do tumulto que causou ao descobrir o dia, bisbilhotando documentos do meu prontuário hospitalar. Naquela ocasião, já fazia uma semana que a guerra acabara. Ainda estávamos internados, nos recuperando e o escândalo por uma coisa tão trivial destoava da situação em que estávamos.

Algemado ao guarda-corpo da maca, assisti você gesticular, irritado, gritando suas bobagens. Isso, até Sakura entrar e o ameaçar transferir para um dormitório isolado.

Você odeia locais vazios e silenciosos.

Desde então, fez disso uma missão. Ano após ano, religiosamente, você encontra um meio de fazer esse dia ser lembrado. Não nego que é, sim, reconfortante saber que alguém se importa. No fim, esse é o único motivo do dia e do seu significado não ter se perdido no tempo.

Você fez uma daquelas malditas promessas, não foi? É, deve ser isso, foi uma silenciosa dessa vez, mas de igual valor e sei que será cumprida. Apesar de grato, existem coisas como "obrigado" e "me desculpe", que não costumam ser ditas entre nós dois, apenas porque não precisam ser. É nossa dinâmica. Contudo...

— Silêncio não te cai nada bem, dobe... — Acaricio a palavra "teme", como se você pudesse sentir meu toque.

Ainda não tinha me dado conta do quão bem você aprendeu a ler as pessoas e as situações. Já era uma característica perceptível durante a guerra e em nossa batalha, mas foi se tornando cada vez mais evidente a cada ano.

Esse foi um amadurecimento, dentre tantos outros, que não acompanhei, apenas o vi como um espectador atrasado.

— Tsk, usuratonkachi²...

Os primeiros flocos de neve do dia alcançaram minha pele. Não era inesperado para a região naquela época. Eu estava mesmo longe de casa.

Casa.

"Não chore, Sasuke. Seu irmão mais velho está aqui para protegê-lo, não importa o que aconteça." ³

A voz de Itachi inundou minha mente de repente. Pensava nele, constantemente. Era isso o que me mantinha no caminho shinobi que escolhi, depois da minha redenção.

Depois? Não, não havia um "depois". Ela nunca acabara verdadeiramente. A viagem teve um prazo de validade, não a redenção. Aquilo há muito deixou de ser uma busca pelo perdão alheio. Se é que algum dia foi sobre isso.

Nunca ouvi aquelas palavras do irmão. Minha mente está me pregando uma peça. Uma chacota velada do meu desejo de tê-lo ali, de ter sua proteção, para poder ser egoísta e usufruir do privilégio de ser o caçula por mais algum tempo.

Abri os olhos. Quando foi mesmo que os fechei? A queimadura gélida, apesar de incômoda, não me perturbou realmente, só me despertou para o ambiente.

Observei o céu, nublado, fazia poucos minutos do amanhecer. Voltei a examinar o falcão que pousara no meu braço, ele estava no chão agora, encarando nada em especial. Coloquei-o ali para liberar o pergaminho preso em sua pata. Ele poderia ter voado em seguida, mas permaneceu imóvel ali. Não tenho certeza se estava apenas se recuperando da viagem, mas isso seria improvável, uma vez que não estamos tão distantes assim de Konoha.

Ainda segurando o pergaminho entre os dedos, que agora apresentava alguns sinais de umidade, acariciei as penas da ave, que pareceu gostar do gesto. Após um instante, ofereci-lhe o braço e ele subiu. Ao me manter de pé novamente, elevei o braço flexionado, empurrando-o levemente para cima, um leve incentivo para levantar voo. O Falcão assim o fez. Eu estava próximo a uma vasta clareira e assisti-o se afastar por alguns instantes.

O frio me causava um estranho conforto familiar, que não sentia há muito tempo. Meus lábios se curvam em um sorriso suave, ao perceber as lembranças que minha mente revivia...

Continua...


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Notas:

[1] Teme: é um xingamento comumente traduzido como imbecil. É como o Naruto se refere ao Sasuke, e acabou se tornando um apelido.

[2] Usuratonkachi: tradução literal "martelo fino". É uma forma pejorativa de se referir ao órgão genital masculino. Como no Brasil, usamos os termos "pau pequeno". Basicamente, é chamar alguém de inútil ou insuficiente. No mangá e anime de Naruto, ele foi traduzido como "perdedor". É como o Sasuke se refere ao Naruto. Começou como um xingamento e acabou se tornando um apelido para ele.

[3] de fato essa frase é dita pelo Itachi ao Sasuke no anime. Mas o Sasuke era bebê de colo, então não se lembraria. Por isso ele não acredita que aquela lembrança é real.

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