Entardecer. Horizonte alaranjado. O sol partindo. A noite chegando. O som que saia pela janela de uma escola de música, alguém estava aprendendo piano. O cachorro caramelo que corria pela praça ao lado de sua tutora. A criança que segurava um saquinho cheio de pipoca doce enquanto sua mãe pagava o vendedor. Os estudantes que riam caminhando em direção à universidade na Praça Santos Andrade. A lágrima silenciosa que escorria pelo rosto sério de Ariane. Cada detalhe daquele momento ficou guardado na memória de Nicolas e ele jamais esqueceria. Ela fitava o canteiro de flores em silêncio e ele já não sabia mais o que fazer.
— Eu sinto muito — disse mais uma vez.
Ari não respondeu, não acreditava que ele sentia. Mesmo a amando, Nico estava escolhendo deixá-la. Foi convencido pelo novo empresário, e por pensamentos distorcidos, de que era o melhor a fazer. Em dois dias iria embora de Curitiba para São Paulo com a sua banda e ouviu muitas vezes que seu relacionamento não o deixaria focar em seus sonhos, que ele prenderia Ari em uma teia de sofrimento, já que mesmo morando na mesma cidade mal conseguiam se ver com os compromissos. Ela jamais seria feliz e isso seria culpa dele. Tiraria dela a possibilidade de uma vida plena com outra pessoa.
Ela discordava em todos os sentidos, mas não choraria desesperada na frente dele e não pediria para que pensasse melhor, ele estava fazendo uma escolha. Estava magoada por Nico cogitar a ideia que o atrapalharia ou que seria mais feliz sem ele, sem nem ao menos conversar antes sobre o assunto. Se tinha algo que não fazia era obrigar alguém a ficar ao seu lado, nem mesmo amizades. Sabia que o empresário não gostava da sua presença e da atenção que Nico dava a ela quando estava por perto. Finalmente ele tinha vencido a batalha.
— Espero que encontre tudo o que procura — disse antes de se levantar e pegar sua bicicleta. — E lembre-se, foi uma escolha exclusivamente sua.
— Ari, por favor, antes de partir me escute...
Sem dizer mais nada e sem olhá-lo, ela subiu na bicicleta e saiu pela praça. Nicolas ficou observando-a se afastar naquele final de tarde, por um momento achou que o mundo se moveu em câmera lenta ao seu redor. Seu coração batia cheio de dúvidas, sentia falta de ar e as mãos tremiam, queria retirar todas as palavras ditas, mas era tarde. Ari não o perdoaria.
Mesmo depois de cinco anos, ele ainda pensava naquele momento. Muitas de suas composições bebiam dessa lembrança e era a sua forma de extravasar o arrependimento que sentia pela escolha que fez. O empresário da época não durou em São Paulo, logo perceberam que era furada continuar com ele e procuraram outro. De tempos em tempos entrava no perfil de Ari nas redes sociais, ficava sabendo de coisas que mexiam com o seu coração, como o dia em que ela começou a namorar outra pessoa.
Após a formatura em Artes Visuais, emendou uma pós-graduação em História da Arte e seguiu com seus trabalhos artísticos autorais, principalmente com aquarela e carvão. Por uma postagem soube que ela começou a trabalhar no Museu Oscar Niemeyer em Curitiba, o lugar favorito dela na cidade. E há um mês não atualizava o perfil com nada. Pensou em perguntar como Ari estava a alguém, mas ela se afastou dos amigos que tinham em comum quando namoravam. Tudo que ele recebia de resposta era um "ela está bem", se sentia dentro de uma bolha sem outras informações. Podia enviar uma mensagem para Vitor, irmão mais velho de Ari, e morrer de ansiedade na dúvida se responderia ou não. Algumas vezes respondeu, outras ignorou, nunca sabia o que esperar. Não enviou nada. Ela deveria estar bem, só ocupada com o casamento. Afinal, estava noiva. Viu uma postagem no Stargram.
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Escute Antes de Partir [Completa!]
Romance🏅 Finalista do Prêmio Watts 2023, let's rock! 🏅 Nico tem talento para a música e para tomar decisões ruins. A pior de todas foi terminar com Ari em Curitiba antes de ir para São Paulo com a sua banda de indie rock. Tentou reverter a situação, mas...