Emma’s Pov
Meraki (v.): Fazer alguma coisa com a alma, criatividade ou amor.
— Quantos anos você acha que ela tem? — soltei a pergunta aleatoriamente enquanto caminhava com Sofia de volta ao bloco de arquitetura de Harvard.
— Quem? — Perguntou de volta, sem entender de quem eu falava.
— A professora… — ela continuou me olhando sem entender. — Jenna Ortega…
— Ah! — exclamou, como se agora entendesse do que eu falava.
— Em que mundo você tá? Só tivemos uma aula até agora e foi com Jenna Ortega.
— Desculpe, eu estava totalmente pensando em outra coisa. Minha mente estava em outro lugar. — ela admitiu e pareceu sentir-se envergonhada, como se eu pudesse ler os seus pensamentos.
Naquele caso eu realmente podia.
— Ou-tro-lu-gar-cha-ma-do-Matt. — falei fingindo uma tosse, o que me rendeu um beliscão no braço.— Ai!!
— Mas ele não é lindo de morrer? — Perguntou-me em um tom de súplica, quase como se estivesse implorando para eu também estar caidinha por ele, para que ela não se sentisse tão boba.
Eu precisava concordar que Matt era realmente muito bonito. Era lindo. Mas eu não me sentia caidinha por ele. Nem perto disso.
— Ele é realmente muito lindo. Dá pra entender porque está assim. — Comentei enquanto subíamos as escadas.
— Ele é quase um Deus! — ela exclamou, exagerando em todas as formas possíveis.
Ri de seu comportamento embaraçoso e lhe dei um tapinha no ombro.
— O lado bom de tudo isso é que ele vai ficar grudado em nós o semestre inteiro. Chance pra você é o que não vai faltar.
— Ué! — Sofia exclamou, imitando um sotaque sulista. — Pra você também não.
— Acabo de repassar, oficialmente, todas as minhas chances para você. — Fingi colocar uma coroa na cabeça dela. Ela entrou na brincadeira e fingiu fazer reverência. Rimos juntas.
Era fácil estar com Sofia. Ela era uma pessoa, em todos os sentidos, muito leve. Sua presença emanava pureza e divertimento. Nos conhecíamos a pouco menos de dois dias e as coisas eram tão fáceis que eu podia jurar que a havia conhecido a vida inteira.
— Não, sério… Você não está nenhum pouquinho interessada nele? — ela perguntou, agora em um tom mais sério, querendo uma resposta realmente sincera, sem tons de brincadeira.— Seríssimo. Meu interesse nele é o mesmo interesse que tenho por uma porta. — Falei, observando de relance as portas das salas pelas quais passávamos, todas muito bonitas, com design moderno e ao mesmo tempo com um toque de antiguidade. Aquilo era de longe obra de algum arquiteto ou designer muito sensível ao mundo e genial. — Não, espere! Eu tenho muito interesse em portas, mas em Matt eu não tenho nenhum.
Sofia soltou uma gargalhada muito alta, o que fez todos os alunos que estavam por ali, olharem para nós. Ela logo se recompôs e ignorou os olhares.
— Se ele for um cara egocêntrico e tivesse escutado seu comentário, teria mexido com o ego dele. — Ela assinalou. — Porque essa doeu até em mim.
— Ainda bem que ele não ouviu então…
— Eu tenho uma dúvida. — Sofia disse, encostando-se de lado nas portas dos armários enquanto eu colocava o código que haviam me dado, no pequeno cadeado vermelho com o H de Harvard cravado nele.
— Qual? — perguntei, questionando-me mentalmente qual a necessidade de tantos números em um cadeado.
— Se Matt, que é o supra sumo dos caras gatos não chama a sua atenção, que tipo de cara te atrai? — perguntou, olhando-me atentamente.
Aquela pergunta me pegara desprevenida e talvez eu não tivesse deixado a chave cair se eu soubesse como respondê-la. Talvez eu não tivesse deixado meus livros caírem, se eu soubesse como respondê-la. Talvez eu não tivesse ficado tão desconsertada com a pergunta de Sofia. Talvez eu ainda estivesse namorando Aaron holliday, se eu soubesse como respondê-la. Talvez eu tivesse aceitado namorar algum cara que tivesse me pedido em namoro até aquele ponto, se eu soubesse como respondê-la. Talvez…
— Meu Deus, Emma. Está se sentindo bem? — Ela perguntou, abaixando-se para me ajudar a juntar meus livros, minhas chaves e meu papel com o código de meu cadeado.
— Estou! Eu só me desequilibrei. Se tem uma coisa certa sobre mim, essa coisa é que eu sou muito atrapalhada. — Falei, tentando usar o tom mais natural possível.
Sofia me ajudou com as coisas e voltei a tentar abrir o meu cadeado com oito números.
— Caramba, pensei que você estivesse passando mal, garota. Quase passei mal junto. Sou logo dessas. Se eu ver alguém desmaiando, desmaio junto logo. — ela falou, parecendo um pouco alarmada.
Eu ri, finalmente conseguindo abrir o cadeado e colocando os livros lá dentro.
— Fique calma, eu não estava desmaiando. — falei, fechando a porta novamente, trancando o cadeado que automaticamente perdeu o código que eu havia colocado. A mensalidade de Harvard era explicada por esses pequenos detalhes.
— Certo… Mas você não respondeu que tipo de cara te agrada. — Ela deixou o assunto anterior de lado e voltou para o que realmente lhe interessava.
Suspirei, cedendo à minha falta de resposta e fiquei em silêncio. Eu realmente não sabia como responder aquilo.
— O que?! — Sofia exclamou em um tom exasperado. — Você é lésbica? — ela perguntou baixinho, com os olhos quase grudados em mim, de tão perto que veio.
— O que?! — exclamei da mesma forma, arregalando os olhos para ela. — Não! Claro que não! Eu não…
— Então por que suspirou? Você nunca beijou um cara? — Sofia continuava tentando concluir, supondo coisas absurdas, o que me dava vontade de rir e ao mesmo tempo me deixava chocada com a mente imaginativa da minha colega de quarto.
Revirei os olhos.
— É que eu não sei como responder essa pergunta. Eu não sei que tipo de cara me atrai… Se eu olhasse só o físico, talvez Matt fosse o tipo de cara que me atrai. Mas eu sempre quero algo a mais, algo que nenhum dos garotos com quem fiquei até agora tem, o que é bastante estranho, porque nem eu sei o que é essa "coisa" que está faltando. Acho que eu só preciso me apaixonar. Mas eu acho que já me apaixonei antes, quer dizer, teve toda aquela coisa de borboletas no meu estômago, eu morria pra ir para a escola só para vê-lo. Quando ele me beijou pela primeira vez então… Eu faltei morrer. Mas durante o relacionamento, sempre estava faltando alguma coisa. Então eu acho que não estive realmente apaixonada. Porque estar apaixonada é como uma fogueira e talvez eu tenha sentido uma faísca disso vez outra. É muito confuso. Eu não consigo me sentir assim como você se sente pelo Matt, por nenhum garoto. Eu até já tentei achar toda essa euforia dentro de mim, quando vejo algum cara realmente bonito, mas simplesmente não existe. As vezes eu acho que vim com defeito de fábrica. — concluí.
Sofia me encarava, obviamente analisando-me. Estava claro que ela havia me escutado com real interesse e que o assunto não seria tratado com desmazelo por ela. Era um conflito interno meu e ela havia entendido.
— Você SERIAMENTE olha muito além do físico e por isso é tão exigente em relação aos garotos. O físico não é o que chama a sua atenção logo de cara, o que é MUITO raro, porque a maioria dos seres humanos é estimulado pelos olhos, logo de cara. É um fenômeno da psicologia. Minha mãe é psicóloga, ela me falou sobre isso. Pode ser por isso que você não se sente da mesma forma que eu e a maioria das garotas quando vê algum cara obviamente muito gato. — Paramos na porta da sala e Sofia fez uma pausa antes de abri-la. — Ou talvez, simplesmente, você seja lésbica.
E assim, Sofia abriu a porta e seguiu para dentro da aula de Análise e Composição da forma, deixando-me totalmente estática, olhando a janela do outro lado da sala.
A segunda aula do dia passou se arrastando. O professor Newton era um cara de meia idade, com pós doutorado em duas áreas e conceituado no mundo inteiro. Estar na frente dele era como estar na frente de uma lenda viva. Era um cara leve, como todo bom e velho arquiteto, mas também era egocêntrico, o que, de certo modo, era até compreensível para um cara que aos cinquenta e oito anos já tinha obras espalhadas por todos os cantos do mundo. Apesar de toda essa genialidade como arquiteto, como professor, era entediante.
Sofia e eu saímos das quase quatro horas de aula do professor Newton quase dormindo e pouco falamos no caminho de volta para nosso quarto. Nem ela queria falar, nem eu. Estávamos completamente exaustas e para um primeiro dia de aula, aquilo não era esperado, definitivamente.
Mal abri a porta do quarto e Sofia desabou de bruços em sua cama.
— Vamos ter aulas de 8 da manhã até 6 da tarde todos os dias? — Ela perguntou em tom de reclamação, mesmo sabendo que era desse jeito mesmo que funcionava.
— Bem vinda à Harvard! — falei, ironicamente, imitando o tom que nos disseram quase todos os professores, enquanto tirava os sapatos, na porta do quarto.
— Tô pensando seriamente em vender arte na praia. — Sofia falou com bochecha e metade da boca apertadas contra o colchão.
Sentei-me em minha cama e joguei a mochila no chão. Estiquei o pescoço de um lado para o outro, tentando livrar-me do incômodo de ter os músculos tensos.
— Uma compradora você já tem. — falei, deixando meu corpo desabar sobre a cama também.
— É um grande incentivo. — Ela riu. — Me sinto a maior preguiçosa do mundo por não querer ir tomar banho agora e simplesmente dormir do jeito que estou.
— Engraçado… Estou cansada mas não estou com sono. Estava pensando em fazer o trabalho da professora Jenna. Pelo menos começar. Não quero deixar nada para depois.
— Que aplicada… — Sofia falou, quase inaudível, em meio a um bocejo. Ela já estava a ponto de dormir.
— Eu vou tomar banho, comer alguma coisa e começar a fazer o trabalho. Quer que eu acorde você mais tarde? Não pode dormir sem comer nada. — falei, forçando-me a levantar.
— U-hum… — Ela murmurou, afirmando que sim.
Obriguei meu corpo a responder as minhas vontades e segui para o banheiro. Demorei mais no banho do que pretendia, mas não dava para negar ao meu corpo todo o relaxamento que aquilo estava me proporcionando. A água quente estava acalmando toda a tensão do meu corpo depois de um primeiro dia tão intenso. O cansaço já havia me abandonado e eu me sentia perfeitamente disposta para fazer as coisas que desejava.
Saí do banheiro sentindo-me outra e com a fome de um dragão. Tanta era a fome que nem fiz questão de colocar uma roupa antes de comer, fui para a cozinha de roupão mesmo e de toalha enrolada no cabelo, sentei à bancada e devorei dois sanduíches de pasta de atum com alface e queijo e de sobremesa, comi um sanduíche de geleia de morango.
Tentando fazer o mínimo de barulho possível para não acordar Sofia, procurei algumas roupas na mala que ainda não havia desfeito e decidi pelas calças de moletom cinzas e a regata branca que apareceu primeiro, que inclusive, era a regata que Harvard enviava para os alunos dias antes, com mais alguns itens, como boné, gorro, canetas, tudo com o símbolo da instituição. Assim, já devidamente vestida, deitei na cama e puxei a mochila para o meu lado.
Não precisei abrir muito a mochila para descobrir que meus livros da aula da professora Jenna não estavam lá e consequentemente, as folhas do trabalho também não estavam.
"Isso, Emma, muito esperta você por ter deixado os livros no armário", pensei comigo mesma, sentindo-me nada inteligente por não ter recolhido os livros do armário antes de voltar para o dormitório.
Lembrei-me imediatamente das orientações do primeiro dia: "Nunca deixem o seu material de estudo no armário. Eles servem, exclusivamente para que vocês guardem seus materiais entre uma aula e outra. Sempre que deixarem o prédio, levem seu material para os dormitórios. É lá que vocês estudam". Senti-me mais idiota ainda por não ter lembrado disso quando saí da aula do professor Newton. Intimamente o culpei por meu esquecimento, já que minha mente estava muito cansada da aula dele para lembrar de qualquer outra coisa.
Suspirei, deixando a mochila de lado. Olhei as horas no celular e eram 8:15pm, o que significava que ainda dava tempo de ir até o campus de arquitetura e pegar meus livros e assim, adiantar meus trabalhos. O campus ficava aberto até as 10pm, pelo que me constava, então ainda havia tempo suficiente.
Levantei-me da cama, decidida a ir do jeito que estava, mas antes, ponderei que àquela hora o campus ainda estava cheio de gente, alunos de pós graduação e professores, então não seria adequado ir de regata e calça de moletom. Assim, antes de sair, vesti o moletom de Harvard e jeans que, só depois de pegar e vestir, percebi que eram colados demais. Mas assim estava, assim ficaria. Estava mais apresentável, pelo menos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Wonderfall • Jemma
RomanceSe a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito. Os amores impossíveis são o caminho mais curto para alcançar o infinito e elas sabiam disso. Jenna queria alcançar o infinito. Emma queria ser o in...