Capítulo 6 - Belle

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A voz de Anna lamentando a nossa única solução chegava parcamente chegava aos meus ouvidos, eu parecia estar em baixo d'água, não apenas a audição estava abafada como pouco conseguia ver, eu havia perdido um pouco de todos os sentidos. Apesar do tato estar meio prejudicado e dormente, ainda havia uma dor fraca e persistente por todo o meu corpo, quantas vezes eu ainda aguentaria passar por isso?

Eu entendo parte do motivo de Grayson ter me prendido ao seu lado por todo esse tempo, a dor da separação era algo inimaginável para mim antes de passar por ela, eu só consigo pensar no quanto eu fui tola e imatura. Será que Grayson também sente essa dor? Mesmo que possa ser mais fraca, essa separação deve o afetar de alguma forma também. Parando pra refletir minhas ações passadas, no lugar dele eu também me culparia por ser teimosa e insensível com os sentimentos dele dessa forma. Mas isso ainda não era uma justificativa boa o suficiente para ele mudar tão drasticamente, realmente algo havia de ter acontecido mas, eu nada poderia fazer a respeito agora.

- Aguente firme minha criança. Eu preciso preparar as coisas para o ritual, farei o mais rápido possível.

Enfim pude entender as palavras de Anna. 

- Anna.

- Sim?

- Quantas vezes você acha que isso vai acontecer até o ritual?

- Provavelmente meia dúzia de vezes se você continuar do jeito que está.

- Do jeito que estou?

- Sim. Um coração ferido pode sofrer mais danos com a separação quando o vínculo é forte. Quanto mais ferido estão os corações, e mais forte é o vínculo, mais difícil será a separação. Por sua dor ser profunda, isso acontecerá com mais frequência. O ritual deve ficar pronto amanhã a noite.

Eu terei de suportar mais algumas sessões de tortura até amanhã a noite. Sinceramente não sei como vou sobreviver a isso, mas não é como se eu tivesse outra opção. E mesmo se eu tivesse opções, eu nem mesmo era boa o suficiente para a segunda metade de minha alma, a pessoa que foi feita para mim, o que mais eu poderia fazer? Tento não remoer o passado mas não dá para simplesmente esquecer essa dor insuportável, se eu tivesse me esforçado mais talvez meu pai ainda estivesse aqui, talvez minha mãe não tivesse nos abandonado para viver com aquele monstro, e talvez o Grayson não tivesse... 

Não tinha mais lágrimas para derramar mesmo que eu quisesse chorar enlouquecidamente, não tinha mais forças para gritar mesmo que eu quisesse partir o mundo com minha voz.  No fim não consigo ser o suficiente nem para meu próprio sofrimento. O que mais eu poderia fazer se não ao menos suportar essa tortura? Eu não iria me entregar para a morte, não quando tudo que eu tinha foi tirado de mim sem que eu pudesse lutar, não quando tudo o que eu pude fazer foi ser insuficiente para tudo o que eu já tive. Eu não vou morrer sendo tão patética assim.

- Você acha que consegue suportar tudo isso até lá Belle?

- Eu suportarei Anna.

- Ótimo, é assim que deve ser minha criança. Você é mais forte que isso, e espero que quando tudo isso acabar, você perceba enfim o quanto é forte menina.

Senti um leve calor em minhas mãos, quando olhei percebi que mão dela seguravam as minhas. Infelizmente essa sensação reconfortante não durou muito. Anna rapidamente se retirou dando dois leves tapinhas no dorso de minha mão, tapinhas que apenas pude ver e não sentir, e se retirou apressadamente.

- Vou contatar a assembleia e reunir algumas de minhas irmãs para o ritual, assim como farei os outros preparativos, infelizmente não estamos na lua cheia criança, isso irá dificultar o processo, mas ainda será possível, terá de servir.

Ana foi dizendo enquanto procurava por algo em seu depósito de coisas peculiares. Ela voltou com um cesto mediano e um rolo grande de linha, os colocou em minha frente e começou a me dar algumas instruções.

- Você precisa por essas contas nesta linha. - Ela disse enquanto abria a tampa do cesto.

Eu ainda estou meio aérea e não consigo entender o motivo, mas não vou discutir isso agora.

- Certo, quantas eu preciso por?

- Todas elas, essa será sua primeira tarefa. Coloque todas as contas nesta linha e faça um enorme colar de contas.

Ela só pode estar brincando, seria impossível por todas essas pequenas contas em uma linha assim do nada. Principalmente com minha sensibilidade debilitada, e a visão turva.

- Anna, para que quer que eu faça um cordão tão grande? Eu não acho que eu esteja nas condições ideais para isso.

- É justamente por estar nestas condições que preciso que você faça. isso menina, você irá por todas as contas nesse cordão até amanhã a noite, e tome muito cuidado pois qualquer deslize você pode derruba-lo e perder boa parte do seu trabalho. 

Ela realmente estava falando sério. Bom, isso seria melhor do que ficar sem fazer nada, me perdendo nos meus pensamentos e nas lembranças dolorosas, isso poderia ao menos me distrair. 

- Está bem, Anna.

- Ótimo, comece a trabalhar.

O começo foi difícil, eu mal conseguia segurar a linha direito, as contas eram pequenas e escapavam de meus dedos, mas consegui por a primeira, depois a segunde e a terceira, e aos poucos fui colocando uma por uma. Toda a minha concentração estava nas contas, no movimento de meus dedos e na firmeza que segurava a linha.

Após algum tempo, minha concentração na tarefa diminuía, e os fantasmas da memória voltavam para me assombrar. Eu não pudia deixar de pensar em Elijah e de sua atitude no final. Eu sabia que ele não tinha escolha, mas não esperava ser deixada sozinha tão cedo.  Até mesmo Elijah me deixou,  mesmo sabendo que ele não tinha culpa por isso,  ele parecia não ter escolha, mas mesmo assim...

Aos poucos a tarefa foi ficando mais fácil, e mais algum tempo depois se tornou cansativa. Meus ombros doíam e eu podia sentir leves cãibras  percorrer alguns músculos de meus braços e dedos. Não sei quanto tempo havia se passado desde que comecei, certamente algumas horas.

Corrigi minha postura e aos poucos continuei a preencher a linha com contas e mais contas, até que uma queimação começou em meu peito, essa queimação logo atingiu meu pescoço e desceu pela minha coluna. Olho para o tamanho do cordão, ele estava grande, deve ter passado muito tempo sem que eu percebesse. O cômodo com cortinas fechadas em frente as janelas não me deixavam perceber a luz do dia.

Olhei novamente para a extensão do cordão para tentar calcular o tempo passado, mas minha visão começou a desfocar, eu sentia puxões nos meus nervos e músculos. Me lembrei do que Anna disse sobre tomar cuidado com o a linha para que não caísse mas, foi tarde demais, tudo que eu pude ouvir foi o som das pequenas contas se espalhando pelo chão antes de um zumbido ensurdecedor tomar conta de meus ouvidos, seguido de uma dor insuportável por todo o corpo.

Meu pescoço ardia em chamas, meu coração lutava para dar mais uma batida, meus olhos não podiam mais ser abertos e minha respiração se tornou tão pesada quanto quente. Eu sentia meus pulmões queimarem, eu sentia minha pele derreter com o ardor.

Tudo se tornou um breu completo em poucos minutos, dessa vez foi um alívio perder a consciência, mas esse não era o fim.

Sequestrada Por Um Alfa (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora