CAPÍTULO UM: EU ME TRANSFORMO EM UMA GALINHA ASSADA

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Bem, eu não sei como começar o-quer-que-seja-isso, então... bem, acredito que devo começar pelo básico.
Meu nome é Magnus Elliot Jr.
Eu tenho dezesseis anos de idade. Até alguns meses atrás, eu era mais um dos típicos adolescentes normais, se normal significa morar em um orfanato (leia-se: hospício) e ser chamado de pirado todos os dias.
Se a vida em um mini-manícomio infantil é fácil?
Não, é apenas impossível.
Mas tudo mudara naquele dia.
Minha história começa na triste época em que meu "adorável" tio Charlie me abandonara em um orfanato por três motivos:
1-) Por causa do legado dos Elliot, uma das linhagens mais antigas e ricas do país, sempre mantendo filhos e netos extremamente influentes a cada geração. Na verdade, a maioria dos nossos antepassados foram membros de alto escalão da sociedade. Alguns poucos foram empresários ou médicos e apenas três advogados, mas a linha é bastante consistente. Eles são a família perfeita. Mas eles olharam para mim e... bem, digamos que eu não me enquadrei na cena;
2-) Eles simplesmente odiavam minha presença incrivelmente charmosa e meu humor particularmente cômico (não faço a mínima ideia do porquê). E por último, mas não menos importante;
3-) Eu tendia a esconder alguns segredos sombrios e obscuros, como por exemplo o Grande Incidênte Trágico em meu aniversário de seis anos de idade. Aquela festa foi um dos últimos momentos que havia partilhado com uma "família" de verdade. Tio Charlie e eu tivemos uma grande discussão. Eu não me lembro sobre o que era. Acho que quis soprar as velas antes de todos cantarem parabéns para mim. Comecei a gritar. Ele agarrou minha camisa. Eu o empurrei. Tenho vagas lembranças de minha tia Rebecca correndo em nossa direção, tentando intervir, mas antes que ela o fizesse, o meu bolo de aniversário explodiu. Glacê respingou nas paredes, nos meus tios e nos rostos dos meus amigos de seis anos. Tia Rebecca nos separou e me mandou para o meu quarto. Mais tarde, meus tios disseram que nós devíamos ter atingido o bolo por acidente enquanto estávamos brigando, mas eu sabia que não. Algo muito mais estranho tinha feito o bolo explodir, como se tivesse respondido a minha raiva. Eu ainda me recordava de uma garotinha chorando com um pedaço de bolo na testa, tendo uma vela de cabeça para baixo presa ao teto com seu pavio ainda queimando. Um outro visitante adulto, provavelmente o pai da menina e um dos amigos influentes do tio Charlie, ficara com o rosto totalmente lambuzado de cobertura de chocolate, completamente possesso.
Entretanto, esse foi só um de vários momentos inexplicáveis da minha vida. Um exemplo seria quando eu era bem pequeno e cochilava tranquilamente em meu berço escolar. Assim que acordei, três professoras olhavam para mim com espanto enquanto eu brincava com alguns filhotes de animais selvagens com a maior alegria. Ou no terceiro ano, quando um homem de capuz chegou perto de mim no parquinho da escola. Os supervisores ameaçaram chamar a polícia e o estranho fugiu xingando em uma língua estranha.
Ninguém acreditou quando eu contei que o homem tinha a cabeça de um leão.
Embora você possa pensar que esses meus acontecimentos anormais possam ser extremamente impressionantes (ou ridículos, eu não tenho certeza), eles passam de longe do meu segredo mais perturbador. Um segredo que me torna diferente. Um segredo que me torna único. Mas também, um segredo que me torna uma ameaça, que deve ser eliminada.
Qual o meu segredo?
Bem... ahn... eu consigo falar com animais.
É, eu sei, pura loucura. Neste instante, você deve estar pensando que sou pirado e que tenho um parafuso faltando. E eu não o culpo. Eu gostaria de dizer que a maioria dos fatos que serão narrados nesta gravação nunca aconteceram, sendo tudo invenção do fruto de uma imensa imaginação fertíl.
Contudo, isso não seria verdade.
E tudo começou quando eu segui os animais reluzentes.

...

Eu estava morrendo.
Bem lá no fundo, eu sabia que não estava realmente morrendo no sentido literal da palavra, embora parecesse que sim. Não era um pesadelo. Era muito mais real e assustador. Durante o meio-tempo que adormecera, senti que estava ficando mais leve e inesperadamente comecei a flutuar de meu corpo entorpecido com uma suavidade desconfortável.
Estou morrendo, pensei apavoradamente.
Então notei que não era isso também. Eu não era nenhuma espécie de fantasma ou assombração, mas agora tinha um novo corpo: uma forma de ave flamejante, sendo formosa e reluzente ao mesmo tempo, com asas na região dos braços e bico no lugar dos lábios.
Eu me tornara uma espécie de pássaro majestoso.
[Não, Liah, eu não era uma galinha assada. Agora, você vai me deixar contar a história, por favor?]
Achei que estava sonhando, mas eu não costumo sonhar colorido. E certamente não sonho com todos os meus cinco sentidos sensoriais funcionando perfeitamente. Podia sentir um vento frio através das minhas penas enquanto observava com horror meu próprio eu roncando tranquilamente em minha cama. Eu também reparei que estava levemente sendo atraído por uma brisa leve. Não queria me afastar de meu corpo, mas uma corrente forte de ar me puxou, como uma folha de árvore pequena e frágil em meio à um forte redemoinho de vento, me arrastando cada vez mais longe do meu corpo.
Então a bizarrice REALMENTE começou.
A sensação é difícil de descrever. Você já sentiu aquele formigamento frio na ponta do estômago quando estava em um compartimento aberto de uma espécie de trem inclinando-se perigosamente na descida de uma montanha-russa e finalmente despencando em queda livre? Ou teve uma percepção de inquietação espalhando-se pelo seu peito ao elevar-se cada vez mais alto em um balanço de crianças? Era quase como isso, exceto que eu não estava subindo nem caindo, e a sensação não passava. Minha forma de passáro se movia a uma velocidade espantosa. As luzes ao redor dissolviam-se em um verdadeiro borrão indistinto diante de meus olhos, que em seguida eram engolidas por uma neblina densa e espessa. Sons estranhos ecoavam na escuridão: rastejar e sibilar, gritos distantes, vozes sussurrando em línguas que eu não entendia. O desagrado se transformou em náusea. Os sons ficaram mais altos, até eu mesmo estar a ponto de gritar.
Subitamente, eu desacelerei.
Uau, observei em minha mente.
Eu me encontrava sobrevoando um lugar DEFINITIVAMENTE uau. Continha o tamanho de um campo de futebol e as paredes cintilavam com cristais múltiplos de vermelhos, azuis e verdes. Naquela estranha área também cresciam lindas plantas como orquídeas gigantes, flores em formato de estrelas e pés-de-laranja que insuavam-se entre os fragmentos brilhantes como espirais coloridas e iluminadas. O chão do espaço era coberto por um musgo verde e macio. O pé-direito era mais alto que uma catedral, faiscando tanto quanto uma galáxia de estrelas. E no centro do salão imenso, caracterizava-se uma nuvem tempestuosa em miniatura em torno de algumas formas indistintas da mesma maneira que um tornado rodopiaria em torno de uma fissura sísmica.
Sobressaltado, constatei que as figuras que estavam no centro do furacão eram alguns animais imponentes. Um leão de estatura elevada e ameaçadora, com pelo suja e juba bagunçada situava-se próximo ao um pilar de mármore caído na formação esverdeada do piso. Uma massa gigantesca de escamas serrilhadas do que só poderia ser um crocodilo cheio de cicatrizes no rosto afundava suas patas no chão mole. Um castor de pelagem escura erguia-se eretamente sobre a campina. Sua cauda achatada se assemelhava com a forma de um remo, sendo larga e extensa nas extremidades. Um par de olhos amarelos fulminantes e uma língua sibilante formavam um camaleão esguio.
Todas as feras estavam tentando se matar. O felino avançava contra o roedor com violência, que abrira um talho profundo em seu pelo imundo com suas garras recurvadas e medonhas. Eu já tinha ouvido o termo arranca-rabo, mas aquilo chegava a ser grotesco. O crocodilo tentava abocanhar o camaleão, que se esquivava e cuspia veneno em seus olhos com habilidade. À medidas os animais lutavam, a névoa engrossava e crescia ainda mais ao redor deles. Os ventos se tornaram violentos. Raios tremeluziram através das nuvem. Só nesse instante me dei conta de que eram as feras que estavam causando aquela tempestade.
A batalha entre os quatros animais prosseguia ferozmente, enquanto algo sobre a tempestade ria e os incitava a lutarem mais arduamente. Eu tentei sobrevoar o ar até eles para impedir que se matassem, mas então uma vibração vocal ressoou malignamente em minha mente:
Aonde você pensa que vai, heróizinho? Você é fraco e jovem demais, mas talvez você tenha alguma utilidade para mim.
A voz ria de prazer, fria e ancestral como um punhal.
Uma força invisível me puxou para trás, imobilizando minha forma alada com uma força esmagadora.
Ajude-me a retornar, heróizinho, a voz ficou mais ávida. Com mais... fome. Traga-me a queda da Sociedade dos Cincos!
A coisa começou apertar sua garra invisível em volta de minha garganta. Uma dor excruciante queimou como se uma coleira de metal fundido tivesse sido fechada em meu pescoço, interrompendo minha respiração e fazendo tudo escurecer por um segundo. Quando minha visão retornou, eu finalmente reparei que a coisa não estava me puxando para atrás. Ela estava me tracionando para baixo, jogando a mim contra aqueles animais envoltos na tempestade sinistra. O crocodilo horripilante se voltou em minha direção e enxerguei uma grossa cicatriz ao redor de seu olho esquerdo tão claro e leitoso quanto os olhos de um cego. A linha esbranquiçada tinha um tom feio de avermelhado, como se tivesse sido reaberta recentemente. Ele mostrou suas presas enormes e amarelas, manchadas com o que eu esperava ser katchup. O leão sangrava gravemente com um corte profundo no flanco esquerdo, mas rugiu desafiadoramente para mim, com um colar de contas estranho pendendo em seu pescoço maciço. Os olhos do camaleão ficaram tingidos de vermelho-vivo ao encontrarem os meus e o castor arqueou suas costelas feridas, prestes a atacar.
Eu tentei dizer que eu não era inimigo deles, mas minha voz não funcionava.
Bom, a coisa rosnou. BOM.
Então os animais saltaram contra mim.

Sociedade dos Cinco e a Jornada pela CidadelaOnde histórias criam vida. Descubra agora