CAPÍTULO TREZE: EU MERGULHO EM UM MAR DE CHAMAS

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[Com esse meu último comentário feliz, eu vou fazer um lanchinho!]
Mas voltando: Eu queria poder dizer que tive alguma revelação profunda, que me conformei com minha própria mortalidade, que ri na face da morte e etc.
A verdade? Meu único pensamento foi: Cara, eu estou muito ferrado!
Enquanto o Mestre dos Leões descia a lâmina de seu machado, dezenas de emoções pipocaram dentro de mim: medo, pânico, terror, apreensão. Agora, você deve estar pensando: Magnus, por que você não usou os seus poderes de Senhor Supremo do Fogo e acabou com a raça Kenpachi, seu idiota adorável?
Mas, veja bem, a verdade não é tão simples.
Primeiramente, o ser em minha cabeça estivera meio silencioso desde nossa última conversinha no Mundo Interior. E, mesmo que eu conseguisse canalizar seus poderes, não tinha certeza se poderia vencer Kenpachi.
Não consegui da primeira vez.
Quando seu machado estava pronto para me partir ao meio em duas partes de um adolescente magrelo muito insatisfeito, uma sombra surgiu sobre mim. Era Delfim. Ele havia interceptado o ataque de Kenpachi, agarrando a lâmina do machado com apenas com a mão direita nua, como se não pesasse mais que uma pena (o que eu lhe asseguro, não pesa!). Sua expressão estava fria como pedra. O impacto fez a amurada do Jardim dos Deuses tremer. Arquejei. Aquilo foi, tipo, fantástico.
Mas o Mestre dos Leões não pareceu impressionado.
- Delfim - Cumprimentou ele. - Seu castor velho e gordo. Hoje eu estou de bom humor, então não arremessarei você até sua Tribo fracassada de roedores fracotes por me interromper. Agora, saía da minha frente e deixe com que eu lute com o humano!
- Não! - Rosnou o Mestre dos Castores. Ele não parecia nem um pouco assustado com o leão gigantesco empunhando um machado à sua frente. Seu corpo estava tenso, preparado para uma luta eminente. - Você não irá feri-lo!
Kenpachi o ignorou. Ele se virou para mim e apoiou sua arma no ombro direito.
- Venha com toda a força, Khalid! - Disse Kenpachi com um sorriso largo. - Prove-me do que é capaz! E se a morte te abraçar, renasça e venha novamente!
- Ei, Cara dos Leões, calma ai. - Eu me contive para não me esconder atrás de Delfim e gritar: Quero ver você enfrentar esse castor grandão e interceptador de machados aqui! - Eu ainda não estou curado. Veja. - Eu mostrei minhas ataduras ensanguentadas, embora soubesse que não estava ferido. - E... eu não poderei oferecer a luta épica e lendária que você espera se estiver tão... fraco...?
Kenpachi franziu o cenho, parecendo considerar meus argumentos. O Mestre dos Castores ainda estava entre nós, com seus ombros tensos e olhos alertas. Mas então o Mestre dos Leões afastou o machado e embainhou sua lâmina dupla.
- Claro. - Respondeu Kenpachi. Seu tom estava casual e despreocupado, como se estivesse me cumprimentando na entrada da escola. - Bem, então não há nada a se fazer. Cure-se rapidamente! Assim, nós dois poderemos lutar até a morte!
Ele disse isso com um sorriso insano, como se tivesse sugerido trazer para mim alguns biscoitos caseiros.
- Ok, mas...
- Delfim! - Kenpachi riu e empurrou o castor, como se nada tivesse acontecido. - Eu amo esse animal! Absolutamente! Ele é o único deus menor que já ousou lutar comigo!
O Mestre dos Castores encolheu os ombros, lentamente relaxando.
- Ha, ha! - O sorriso de Kenpachi tornou-se dolorosamente largo. - Mas ainda sim, eu adoraria rasgar os seus braços e pernas, humano. Isso seria incrível!
Eu permaneci calmo, mas me afastei um pouco do leão risonho.
- Hum, mesmo assim - Eu disse, completamente encharcado de água. - Aqui fora está chovendo. Nós podemos ir para o Castelo da Cidadela, por favor?
- Claro! Você não pode se curar rapidamente na chuva!
Decidi não discutir com Kenpachi.
Enquanto caminhavamos em direção a Cidadela, reparei no clima pesado entre nós. Kenpachi passara os braços ao redor de Delfim e eu como se fôssemos velhos amigos, mas o castor parecia se contorcer com seu toque, tentando sair de seu corpo.
Quando finalmente alcançamos o Castelo da Cidadela, percebi como ele era impressionante.
Ele era feita de todo de pedra brancas, com torres e janelas estreitas, um telhado e um grande conjunto de portas duplas de ouro imperial. Era dez vezes melhores que aquele palácio britânico de Bumkingham.
As portas de carvalho se abriram rangendo e nós três entramos no saguão em meio a uma forte tempestade. O interior era ainda mais fantástico. Tão grandioso quanto uma catedral, com um teto alto e abobado coberto com pinturas de deuses egípcios andando de lado. O piso era revestido de mármore polida e paredes decoradas com inúmeros castiçais segurando chamas alaranjadas.
Naquela noite, as pessoas-animais estavam dando uma festa. Os homens-animais vestiam smokings e coturnos. As mulheres-animais usavam vestidos para a noite e penteados que pareciam explosões atômicas.
Uma banda tocava música no centro. Algumas das mulheres usavam vestidos espalhafatosos. Uma das mesas tinha um pesado bolo branco em camadas. Dois grupos separados de convidados haviam levantado uma leoa e um castor nas cadeiras e os carregavam pela sala enquanto os amigos giravam em volta deles, dançando e batendo palmas. A coisa toda parecia que ia dar em uma iminente colisão frontal de mobília.
À esquerda, uma escada em espiral levava à três níveis de varanda, onde os Mestre das Tribos observava os outros deuses menores festejando. Thotenic me fuzilou com o olhar, Sobek mostrou as presas e Nagato apenas suspirou enquanto movia seu chapéu de palha em um cumprimento formal.
Eu me livrei dos Mestres das Tribos e me misturei em meio a multidão, tentando desesperadamente despistar o Mestre dos Leões sedento por sangue (embora não funcione quando você é o único humano na festa!).
Procurei por meu amigo Kevin por todo canto do salão, mas sem sucesso. Nem mesmo encontrei a garota-leão, mas não que eu estivesse procurando por ela [Pare de rir, Liah!].
Eu dei a volta em uma mesa de Buffet, pegando um punhado de fritas e me arrependi no mesmo instante.
Não era batata frita. Tinha a forma vagamente similar ao de uma, embora tivesse o formato de uma meia-lua e era bem mais rechonchuda. Assim que as mordi, eu achei que minha cara fosse explodir. Era tão ardido quanto pimenta seca.
- Quente! - Eu declarei. - Bebida!
- Coma aquelas tortillas - Aconselhou um camaleão de smooking, se aproximando de mim e tentando segurar um sorriso. - A massa corta o efeito melhor do que água.
Eu fiz o que ele disse. Tentei agradecer, mas minha boca estava cheia de tortillas, então minha resposta foi Mhm-hmm.
- Por nada - Traduziu ele. - Vocês, humanos, chamariam de Hot Chips Pepper [Que seria Batatas Apimentadas. Ardentes em inglês, Liah]
E assim ele se foi.
Eu sorri. Ele foi o primeiro deus menor que tentou ser simpático.
Eu estava prestes a continuar procurando na multidão quando outra voz falou:
- Você está começando a me irritar.
Eu me vi cara a cara com Thotenic, o Mestre das Águias. Seus longos cabelos escuros estavam presos em intrincados prendedores brancos. Provavelmente para demonstrar sua nobreza. Ele usava um em cima da cabeça e dois nas laterais. Além deles, a águia também um cachecol branco, feito de seda prateada e luvas claras.
- Thotenic. - Tentei não parecer ressentido com a maneira de como ele me queimou no Conselho dos Cinco, mas acho que não deu muito certo.
Ele sorriu amargamente.
- Não me julgue com tamanha dureza, mortal. Os conselhos sábios nem sempre são apreciados ou ouvidos, mas o que eu disse é verdade. Você é perigoso.
- Você nunca assume riscos?
Ele assentiu.
- Touchê. Talvez você seja útil. No entanto...
Meu coração veio a boca. Eu queria discutir, mas sabia que ele tinha certa razão.
- Mas eu não vim aqui para discutir sobre sabedoria. - Ele deu um passo a frente e eu me enervei. - Eu espero que as decisões do Conselho se provem sábias. Porque eu estarei de olho em você, Magnus Khalid. Se eu duvidar sua lealdade conosco por um momento, acredite...
Ele fixou os olhos frios e cinzentos em mim, e percebi que terrível inimigo Thotenic seria, dez vezes pior que Delfim ou Sobek, ou até mesmo Kenpachi. Ele nunca se renderia. Nunca faria nada temerário ou estúpido somente por me odiar, e se traçasse um plano para me destruir, este não falharia.
Música tocava, ecoando pelos corredores, enquanto as pessoas-animais sorriam e dançavam.
- Eu espero que você saiba o que você começou, mortal - Disse ele em uma voz gelada.
- Dê me uma chance. - Eu disse, apesar de sentir meus tornozelos virando manteiga.
Thotenic apertou os meus ombros. E suas palavras não foram amigáveis.
- Eu não posso elimina-lo, humano, pois o Conselho dos Cinco acredita que você e outro mortal sejam inocentes - Ele prometeu. - Mas não se engane: Se você nos trair, eu juro que meu primeiro ato será esmagá-lo como um mosquito. Se chegarmos a entrar em uma guerra sangrenta, e se isso vier a acontecer, se você tiver nos desgraçado para nada, eu juro que a morte de Cleópatra e a maldição de Tut serão nada, comparado com a ira que eu despejarei sobre você e sua família eternamente. Você me entendeu?
Para meu crédito, eu ergui o meu olhar sobre o Mestre das Águias e respondi:
- Basta fazer a sua parte.
Ele riu amargamente para o público como se ele e eu tivessemos acabado de compartilhar uma piada estragada.
- Vá agora, humano. Veja o que custou sua vitória no Coliseu. - Disse ele, apontando para diversas pessoas-animais olhando para mim, assombradas. - A mais pura anarquia entre mortais e deuses menores. Espero que o seu aliado não compartilhe esse mesmo destino.
O Mestre das Águias virou as costas para mim e transpôs a multidão, que se abria diante dele.
Cordas de luzinhas pisca-pisca brilhavam nas mesas. O pessoal da festa ocasionalmente surgiam do nada ou invocavam faíscas de fogo para afugentar mosquitos, mas eu não conseguia apreciar nada. Tudo e todos haviam se desbotado em minha vista. O Mestre dos Castores, Delfim, estava conversando com alguns castores e degustando um prato de tacos do que eu esperava não ser sapo. Ele sorria bastante.
Pensei em conversar com ele, mas hesitei. Não era com ele que eu precisava falar. Afinal, Delfim também era deus menor. Me senti mal por isso, mas não havia muita escolha, considerando o que acabará de ouvir de Thotenic.
Caminhei para a direção oposta dos Mestres. Tenho que admitir que estava me sentindo meio deslocado ali, como um aluno transferido em uma escola nova.
Me espremi em torno de um grupo de leões bebendo champanhe e batendo as cabeças uns nos outros.
Enquanto passava pelo salão, a banda terminava a música. Uma crocodilo fêmea bem loira com uma guitarra ergueu o braço e gritou algo em egípcio.
Eu subi pela escada em espiral, passei por dois jovens camaleões que estavam desenhando mensagens de Eu Te Amo brilhantes nas pedras do piso com seus dedos e de alguma forma, encontrei meu dormitório sozinho. Me arrastei pelo cômodo e caí em minha cama de feno, exausto. Eu não sei como eu consegui com o barulho da festa, mas adormeci. Mesmo depois do entusiasmo do dia e tudo mais, com as esfinges assassinas e o Mestre das Águias me ameaçando, eu apaguei.
Naturalmente, meu ba tomou isso como uma oportunidade para viajar. Ele parecia querer proibir que eu descansasse em paz.
Eu era novamente uma ave flamejante. A porta do dormitório se abriu. Uma brisa mágica varreu-me para a noite. As luzes do salão borraram e desbotaram, e eu me encontrei em um lugar sombrio. Sobrevoava um rio feito de lava. E eu não quero dizer um pequeno rio brilhante. Era um mar fervente com muitas milhas de diâmetro que tinha cheiro de petróleo queimado e carne podre.
À minha frente, as chamas corriam por uma extensão de corredeiras em direção ao que parecia uma cratera vulcânica borbulhante.
Minha visão era tão perspicaz quanto à de um falcão. Através do nevoeiro, eu conseguia ver formas se mexendo na água: costas escamosas répteis e barbatanas monstruosas. Eu vi fantasmas flutuando ao longo de cada margem. Muito acima, o teto da caverna brilhava em um tom de vermelho, como se eu estivesse voando na garganta de um animal vivo.
Olá, heróizinho, disse alguém. Não, alguma coisa. Sua voz era como metal raspando em pedra.
Você é o novo hospedeiro? É tão pequeno, tão frágil, tão insignificante. Mas eu tenho uma coisa que eu gostaria de te mostrar.
Minhas asas se abriram e meu corpo foi jogado para frente violentamente. Eu não controlava meus movimentos. Meus membros eram puxados e esticados por uma força invisível. Senti como se fosse um boneco de ventríloco sendo controlado. A coisa riu, com a voz estilhaçada.
Sua existência é inútil, assim como o meu velho amigo dentro de você, a coisa disse e eu prendi a respiração. Sim, eu sei, Magnus. Você quer mesmo se colocar em serviço? Deixe-me mostrar a ameaça que enfrentará.
Repentinamente, eu virei o curso.
De repente eu estava planando rio abaixo. Eu já havia viajado com meu ba antes, mas dessa vez, parecia que estava indo muito mais profundamente a onde quer que estivesse. O ar estava mais frio, as corredeiras mais rápidas. Passei por uma catarata e fui transportado pelos ares.
Quando me levantei nos ventos novamente, monstros começaram a atacar. Rostos horríveis se levantaram: um dragão marinho com olhos felinos, um touro com pelos espinhosos, uma serpente com a cabeça de um homem mumificado. Cada vez que um se erguia, eu levantava minhas asas, atirando chamas, cortando ou espetava-os com meu bico para deixá-los longe de mim.
Mas eles continuavam vindo, mudando de formas, e eu sabia que se eu não fosse uma ave flamejante, se eu fosse apenas Magnus Elliot tentando lidar com esse horrores, eu iria enlouquecer, ou morrer, ou os dois.
Toda noite, essa era a sua jornada, a coisa sussurrou. Você deteve a mim e aos meus lacaios por milênios. Não mais.
Eu despenquei no ar em uma manobra involuntária, passando sobre outra queda d'água (ou chamas), pairando acima de um redemoinho de fogo. De alguma forma, consegui me firmar ali. Então recolhi minhas asas e mergulhei para o buraco na lava, fechando os olhos.
Quando abri eles, sai da correnteza e flutei em direção a margem. Ela era um campo de pedras pretas brilhantes.
Ou assim eu pensei.
Quando eu me aproximei, percebi que eram conchas de besouro: milhões e milhões de carapaças secas de besouro, estendidas pela escuridão pelo tanto que eu podia ver. Alguns escaravelhos vivos se mexiam lentamente entre as conchas vazias, então parecia que toda a paisagem estava rastejando.
Eu nem mesmo vou tentar descrever o cheiro de vários milhões de escaravelhos mortos.
Essa é a minha prisão, sibilou a coisa, com ódio em sua voz.
Procurei na escuridão por uma cela, correntes ou fosso. Tudo que vi foi um mar sem fim de escaravelhos mortos.
Eu estou te mostrando esse lugar de um jeito que você possa entender, a coisa respondeu, como se lesse meus pensamentos. Se você estivesse aqui em pessoa, você se reduziria a cinzas. Se você visse esse lugar como ele realmente é, seus sentidos mortais limitados derreteriam com minha presença.
Ótimo, pensei. Eu simplesmente adoro ter meus sentidos derretidos.
Mas eu não poderia permitir que isso acontecesse. Pobre Magnus Khalid. Sua missão está condenada. Tudo o que você tentar construir vai desmoronar. Você vai perder aqueles que você mais ama.
Meu corpo de ave raspou contra a margem, agitando alguns escaravelhos vivos. A praia inteira parecia sofrer e se contorcer.
Uma vez, todos esses escaravelhos estavam vivos, disse a coisa, eram o símbolo de seu renascimento, me retendo, me dilacerando. Agora só restam alguns. Lentamente, eu devoro o meu caminho para fora dessa cela miserável.
Espera, essa coisa não quer dizer...
Na minha frente, a costa se expandiu enquanto algo era puxado para cima, uma forma imensa se esforçando para se libertar. Levantei minhas asas e me preparei para lançar um tornado flamejante, mas mesmo com toda a força e coragem de meu ba, eu estava tremendo.
A luz verde brilhava sobre os cascos dos escaravelhos. Eles estalavam e se deslocavam enquanto a coisa debaixo subia para a superfície. Através da fina camada de besouros mortos, um círculo verde de três metros de largura olhou para mim, um olho maligno, cheio de ódio e fome.
Mesmo na minha forma de ba, eu senti o seu poder se derramando sobre mim como radiação letal, me cozinhando por dentro, alimentando-se da minha alma, e eu acreditei no que ele tinha dito.
Se eu estivesse neste lugar em carne e osso, eu seria reduzido a cinzas. Sua voz estilhaçada se silenciou, substituída por ódio absoluto. Eu podia sentir sua raiva. Ele queria me matar, queria matar todos que existiam.
Está se libertando, sussurrou o ser em minha mente, não aquele coisa sinistra. Ele está se libertando, Magnus. Em breve...
Minha garganta começou a se fechar com pânico.
Eu levantei minhas asas e disparei uma poderosa coluna de fogo dentro do olho. A coisa uivou com raiva. O rio tremeu. Então ele afundou sob os cascos de escaravelhos mortos, e a luz vermelha desvaneceu.
Mas não hoje, o ser disse. No equinócio, os laços vão enfraquecer o suficiente para ele finalmente se libertar. Seja meu avatar novamente, Magnus. Ajude-me na batalha. Juntos, nós podemos ser capazes de parar a ascensão dele.
Eu abri as asas e me afastei da costa escura. Senti meu ba ser liberto, e minha consciência flutuou de volta ao mundo mortal como um balão de hélio. No resto da noite, eu sonhei com uma paisagem de escaravelhos mortos, e um olho verde brilhante das profundezas de uma prisão enfraquecida. [Então Liah, se eu agi um pouco abalado naquela noite, agora você sabe por quê].
Eu acordei suando frio. Aquilo fora sinistro. Saí de meu dormitório, pois eu precisava de ar. O corredor onde eu me envontrava estava escuro e silencioso.
Então eu ouvi:
- ... rasgar... romper... matar...
Era uma voz gélida e assassina.
Eu não ligo de te falar: entrei em pânico. Pensei na minha visão de ba e me apavorei. A única razão pela qual eu não fugi foi porque, quando me virei para trás e corri, esbarrei em algo invisível.
- Ai! - Resmungou uma voz familiar.
Não pode ser aquela coisa, eu disse para mim mesmo. Reparei que na minha frente o ar estava mais espesso. Então ele tomou forma. A princípio, eu só vi uma débil silhueta. Então se tornou mais sólido e colorido. Diante de mim havia um camaleão. Ele tinha vestes brancas e cabelos pretos espetados.
- Tenzin? - Perguntei. - O quê você está fazendo?
Ele massageou a testa onde tinhamos batido e me lançou um olhar mal-humorado.
- Bem, eu não queria bater minha testa nesse sua cabeça dura, humano. - Resmungou Tenzin.
- Sério: o que você está fazendo fora do dormitório? Isso não é, supostamente, contra as regras?
Tenzin me deu um sorriso amarelo.
- Só te pegaram.
Ri.
- Ok, mas nós...
- Eu retalharei você dolorosamente, mas não se preocupe...
Eu parei, quase tropeçando, me apoiando na parede de pedra, escutando com toda atenção. Olhei para os lados e apertei os olhos para ver o corredor mal iluminado.
- Huma... Magnus? - Tenzin me chamou. - Que é que você...?
- É a Voz de novo. Fique quieto...
- Pare de chorar, garoto. - Disse a voz rindo. - Sua morte não será em vão. Você ira participar de um evento maior...
- Ouça! - Disse eu com urgência, e Tenzin parou, me observando.
- É hora de matar...
A voz ficou mais fraca. Eu tinha plena certeza de que ele estava se afastando. Uma mistura de medo e excitação se apoderou de mim.
- Por aqui! - Eu gritei, começando a correr pelo corredor.
Não adiantava querer ouvir ali, pois o barulho na festa do salão ecoava. Disparei pelo piso de mármore, com Tenzin em meus calcanhares:
- Ei, cara, o que exatamente...
- CALADO!
Em meu desespero, esbarrei em algo mais uma vez.
- Droga! - Reclamou alguém. - Seu idiota, você...
- Kevin! - Gritei, vendo meu amigo à minha frente. - O que você...
Apurei os ouvidos. À alguns metros a frente, um grito apavorante cortou o ar. Senti um aperto no estômago.
- Ele vai matar alguém! - Gritei, e sem dar atenção ao rosto perplexo do camaleão e de meu amigo, corri com toda minha velocidade.
Eu me precipitei em um corredor deserto, com Tenzin e Kevin ofegando atrás de mim.
- Humano, do que é que você estava falando? - Exigiu ele, enxugando o suor do rosto. - Eu não ouvi nada e...
Sua voz morreu. Kevin apontou para o final do corredor. Alguma coisa brilhava na parede em frente. Nós três nos entreolhamos. Me aproximei hesitante, apertando os olhos para ver na escuridão. Palavras de trinta centímetros foram escritas na parede entre duas janelas, que se refugiam à luz das tochas.

QUEDA A SOCIEDADE DOS CINCO!

- O que é aquilo, pendurado embaixo? - Perguntou Kevin, com um ligeiro tremor evidente na voz.
Ao nos aproximar, quase escorreguei, mas Tenzin e Kevin me seguraram. Eu tinha deslizado em uma poça líquida no chão. Continuamos a avançar devagar até a mensagem, com os olhos fixos na sombra escuro abaixo e logo percebemos o que era, saltando para trás e espalhando água.
Não era água. Era sangue.
Pendurado em suportes de tochas, estava um crocodilo arruinado. Ele estava duro como pedra. Seus olhos arregalados e fixos. Seu corpo estava destruído, com inúmeros talhos profundos, com um líquido esverdeado escorrendo como... bem, acho que é melhor eu não descrever essa parte.
Durante alguns segundos, ninguém se mexeu.
- Vamos dar o fora daqui. - Falou Kevin finalmente.
- Mas será que não devemos tentar ajudar... - Comecei, sem jeito, com minhas mãos sujas de sangue.
- Confie no humano - Disse Tenzin. - Não vamos querer ser encontrados aqui...
- O que vocês fizeram?
Virei para trás e dei de cara com Liah. Seu rosto estava pálido e ela tremia, mas seus punhos estavam levantados, prontos para se defender.
Tentei explicar as coisas ela: sobre a voz assassina, o grito agonizante, Tenzin e Kevin nos corredores, e o que havia acontecido nos últimos três minutos desde agora, mas eu não sei quanto ela ouviu. Ela continuou balançando a cabeça, apertando as mãos nos ouvidos.
- Você está mentindo. - Respondeu ela. - Você...
Eu dei passo a frente, mas ela se afastou. Mas eu sou um cara teimoso, sabe?
- Liah, você pode não me conhecer, mas...
- Chega! - Disse ela amargamente. - Agora, pare, antes que eu seja forçada a lutar com você.
- Talvez ela esteja certa, Magnus - Disse Tenzin. - Teremos que lutar com ela para sair. E, se demorarmos mais, vamos ser pegos.
Cerrei os punhos. Meus piores temores se confirmaram. Liah não confiava em mim. Mas como eu já mencionei, eu sou teimoso quando dizem que eu não posso fazer alguma coisa.
- Eu não vou lutar com você.. - Eu apontei para o corpo arruinado na parede. - Liah, no fundo, você sabe que não fomos nós. Não foi! Não foi culpa nossa. Eu não sei exatamente quem foi, mas...
- Pare! - Ela ascendeu a ponta de seu punho. Ele brilhou bem intensamente.- Você está confundindo os meus pensamentos. Você é como meus...
- Você sabe que eu não sou. - Eu provavelmente deveria ter me calado, mas eu não podia acreditar que Liah iria realmente me matar. - Delfim acredita que eu sou inocente. O Conselho dos Cinco acredita. É por isso que eles nos deixaram vivos.
- Embora eles tenham nos mandado para morrer no Coliseu. - Resmungou Kevin.
- Os deuses menores e os humanos têm de trabalhar juntos. - Disse eu.
- Humano - Disse Tenzin com mais urgência. - Nós realmente deveríamos ir.
- Venha com a gente - Disse à Liah. - Eu sei que parece uma fuga, mas...
- Cale-se! - Ela gritou. - Eu não vou fugir! Eu sou uma Rashid!
Chamas dispararam de seu punho. Procurei por minha espada negra, mas é claro que eu não tinha. Instintivamente, minhas mãos se fecharam em torno de meu rosto. Segurei-os em um X na defensiva, e o ataque de Liah dissolveu-se imediatamente. O fogo se dissipou. Liah cambaleou para trás, fumaça ondulando de suas mãos. Ela olhou para mim em um estado de choque absoluto. Até mesmo Tenzin e Kevin pareceram surpresos.
- Você se atreve a resistir?
Eu provavelmente parecia atônito. - Eu... eu não quis! Eu estava apenas conversando...
- Magnus - Tenzin estava tenso. - Algo está errado...
Ele se virou tarde demais. Uma luz ofuscante branca explodiu ao redor dele. Quando minha visão voltou ao normal, Tenzin estava congelado em uma gaiola de barras brilhantes como lâmpadas fluorescentes.
- Como eu lhes disse, Mestres das Tribos - Disse alguém asperamente e meu sangue gelou. Era a mesma voz que eu ouvirá sussurrando pelos corredores. - O próximo passo dos humanos seriam encontrar esses pobres iniciantes e tentar corrompê-los.
Ao lado de Tenzin estavam as pessoas que eu menos queria ver: Os Mestres das Tribos. E quem os guiava era o dono da voz maligna: Thotenic, o Mestre da Tribo das Águias.

Sociedade dos Cinco e a Jornada pela CidadelaOnde histórias criam vida. Descubra agora