CAPÍTULO SEIS: EU COMEÇO A REALMENTE ODIAR PROVAS

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O plano deu errado quase imediatamente.
Tipo, sério, nem mesmo você colocou fé em nossa pequena tentativa louca e tendenciosamente suicida, certo?
Quando saltamos na direção dos primeiros guardas e desviamos de suas espadas, eles não nos cortaram em pedaços (o que foi ótimo, já que eu adoro estar inteiro). Estavam atônitos demais, provavelmente não acreditando que fôssemos tão estúpidos assim à ponto de reagirmos contra eles. Eu chutei o peito do guarda mais próximo com toda minha força, mas tive a sensação de ter acertado uma geladeira, mal o fazendo cambalear para trás, enquanto Kevin empurrava outro para lado com certa dificuldade.
Nós estavamos prestes a correr de volta até as portas de bronze para pelo menos tentarmos fugir quando os guardas-animais pareceram voltar a si, percebendo que:
1-) Eles eram maiores que a gente;
2-) Tinham uma grande vantagem numérica sobre nós e;
3-) Eles estavam armados com espadas imensas e nós, não.
Por sorte, ou talvez apenas por pura coincidência, quando um deles avançou como um raio contra mim, ele girou a espada para baixo antes de atacar, atingindo meu esterno com o punho da lâmina, sem me matar. Mesmo assim, a espada me acertara em cheio com um impacto suficiente para me jogar no chão, zonzo. Durante esse meio tempo, Kevin se dera ainda pior que eu. Ele tentou acertar um pontapé em um dos guarda-leão, mas acabou recebendo um soco forte no peito, sendo lançado de costas contra a parede das arquibancadas de pedra.
Eu tentei me levantar para ajudá-lo com dificuldade em respirar, mas já era tarde demais.
O guarda-animal que havia me derrubado pressionou sua espada com força no ponto abaixo de meu queixo, mostrando seus dentes afiados, como se estivesse sorrindo:
- Ora, ora - Rosnou ele, exultante. - Vejam o que temos aqui. Humanos resistentes. Vocês não tem ideia de como são coisinhas frágeis. Tão fáceis de quebrar! - Ele apontou para o lado e vi meu amigo preso nas garras de um guarda-leão, derrotado. - Tente reagir mais uma vez e o outro humano morre!

...

Aquele era o meu pior pesadelo. E acredite, eu já tive muitos pesadelos.
Eu caminhava pelo Coliseu ladeado por dois guardas-leões estranhos. Posicionados atrás de mim em cada lado aberto, mais três deles localizavam-se andando, para caso de eu tentar fugir. Eu me sentia como um prisioneiro condenado indo de encontro para minha execução. Não havia saída ou escapatória. Ninguém estava nem um pouco preocupado com a possibilidade de mim correr para frente.
Parecia a direção que queriam que eu seguisse.
- Ande mais rápido, humano! - Grunhiu o guarda que segurava meu amigo, me cutucando com a ponta de sua espada e ferindo minha pele.
- Ei! - Protestei, mas ele tinha duas vezes o meu tamanho e ainda mantinha suas garras no pescoço de Kevin, que parecia estar fazendo força para não desmaiar.
O leão riu com prazer e acertou minhas costelas com sua lâmina mais três vezes:
- Vamos, ande! Ande!
Enquanto marchavamos pelas fileiras de assentos, várias pessoas-animais berravam para arena, não dando muito atenção para nós. Contudo, conforme o tempo de que a nossa pequena comitiva costurava pelos bancos de minério sólido, todos eles interrompiam o que estavam fazendo e nos fitavam, estupefatos. Alguns pareciam zangados. Outros pareciam apavorados. Um garotinho com cabeça de crocodilo puxou a barra da túnica da mãe e perguntou:
- Mamãe, posso comer aqueles humanos?
A mulher com cabeça de crocodilo balançou sua cabeça reptiliana negativamente e puxou o filho para longe de nós.
Eu desejei ficar invisível. Depois de me acostumar a passar a vida inteira sendo ignorado, tanta atenção como aquela me deixava pouco à vontade. Olhos me encaravam. Vozes murmuravam. Gestos bruscos eram quase obsenos diante do silêncio atordoado. Eu apenas queria que aquela situação ridicula acabasse, permanecendo entre os ombros musculosos dos guardas e tentando de alguma forma passar despercebido pelos humanos-animais.
Não deu muito certo.
Nós recebemos uma tremenda vaia e zombaria da multidão de criaturas animalescas, que gritavam insultos nojentos e jogavam pedras especialmente em mim. Consegui desviar da maioria dos projéteis, mas um me atingiu na bochecha e fez um corte considerável no rosto.
- Para onde vocês estão nos levando? - Eu gemi para guarda-leão à minha frente, apertando um pequeno sangramento em minha face e sentindo minha coragem desaparecer lentamente.
O leão virou para trás e sorriu com presunção.
- Você já vai descobrir, humano imundo - Respondeu ele, com a barba mal-feita embrenhando seus lábios em uma floresta de pelos dourados. - Será concedida à vocês a grande dádiva de se apresentarem aos cinco Mestres das Tribos pessoalmente antes de morrerem!
- Que honra, hein. - Resmunguei, prometendo a mim mesmo que nunca mais acompanhar animais radioativos ou conhecer velhos esquisitos na vida se recebesse qualquer oportunidade de escapar daquela roubada.
Kevin se debateu enquanto eu tomava nota de que já era a terceira vez que estava seguindo seres desconhecidos e anatomicamente estranhos sem possuir ciência ou conhecimento algum do destino final. Minha irritação crescente foi substituída pelo fato de que quase esquecera que meu melhor amigo estava presente comigo durante todo esse tempo, propenso no ar pelo pescoço.
Ele guinchou:
- Não sei se vou me sentir tão honrado assim quando conhecer os Mestres das Tribos. - Kevin sorriu com rebeldia. - Eles são tão feiosos quanto vocês?
O guarda que o segurava socou sua barriga com a mesma força que golpearia um saco de areia molhada. Kevin soltou um lamento semelhante ao som de um pneu furado. Dois outros leões me fizeram recuar quando avancei em auxílio de meu companheiro, sacudindo suas espadas em minha direção.
- Vocês vão aprender nos respeitar - Rosnou o leão que guiava os guardas. - Foram humanos como vocês que arruinaram o Mundo Mortal. A única sociedade disciplinada e justa é aquela governada por nós, deuses menores. - Ele guardou a espada. - Assim como a Sociedade dos Cinco. Somos mais fortes, mais poderosos...
- Mais humildes. - Completei.
Os guardas tentaram me atingir com suas armas, mas eu me esquivei.
Depois de atravessarmos o Coliseu inteiro, nós finalmente chegamos aos degraus que levavam até o camarote de honra. Ele era feito de ouro e parecia brilhar na escuridão da noite, como o sol de verão resplandecendo contra neve de inverno. Videiras se enroscavam pelo parapeito com madressilvas e jasmins, que enchiam o ar com uma mistura inebriante de perfumes adocicados. Uma enorme fogueira crepitava no braseiro central do camarote e cinco tronos magníficos estavam à sua frente em forma de um V invertido.
O homem-leão que eu vira antes, Kenpachi, reclinava em um trono de ouro maciço no centro dos outros assentos, apesar dele não ser o líder geral. Um machado de lâmina dupla estava pendurado às suas costas e um colar de contas de argila balançava em seu pescoço. Todavia, o mais assustador era seu braço esquerdo. Ele tinha o formato de um membro humano, sendo forte e musculoso, embora o braço reluzisse a luz da arena e fosse e feito de bronze.
O trono principal à direita do leão abrigava um humano-animal sinistro.
Para começar, ele era imenso.
Sua cabeça era a de um crocodilo, uma boca enorme repleta de dentes tortos gigantescos emoldurava seu rosto e seus olhos reluziam com um muco esverdeado (eu sei, bem atraente). Seus braços e peitos eram vagamente humanos, embora sua pele verde-escuro fosse escamada e ele vestisse o mesmo kimono escuro com capa branca sobre às costas que Kenpachi. Um cabelo vermelho extremamente extravagante (além do fato de ser ruivo) estava trançado e escorregava pelos ombros do homem-animal, entremeado com milhares de moedas de ouro e prata. Como se tudo isso não fosse estranho o bastante, seu rosto tinha uma grossa cicatriz, igual o homem-leão ao seu lado, mas o seu olho estava claro e leitoso, como um cego.
Seu assento era de couro preto modelado, preso a um pedestal giratório, com alguns anéis de ferro na lateral fixando um tridente gigantesco. Basicamente, parecia o assento de um barco de pesca em alto-mar, no qual o crocodilo poderia se acomodar para caçar tubarões, monstros marinhos ou pescadores desumildes.
Um homem-camaleão alto e esguio sentava-se eretamente em um trono imediatamente à esquerda do crocodilo, que era simples e tecido com galhos de macieiras. Ele usava um chapéu de palha com abas largas, uma barba bem-aparada exibida e olhos descontraidos que analisavam tudo com perspicácia. Seu corpo era composto por escamas ásperas e cinzentas, que se pareciam se agitar e estremecer palidamente à luz da arena, lutando para assumirem camuflagem.
Na extremidade esquerda dos assentos, localizava-se uma imensa estrutura mecânica reclinável coberta por engrenagens de bronze e prata, como um tablet de última geração ambulânte. Sentado fragilmente nele estava um velho homem-castor usando sandálias de couro e um kimono largo e sujo, não parecendo dar a mínima importância para a aparência.
Ele tinha longos cabelos cacheados grisalhos, seu pelo castanho estava extremamente desgrenhado e suas bochechas coradas estavam cheias de sardas. Cicatrizes marcavam suas mãos cobertas de calos e manchas de graxa. Seu semblante estava permanentemente situada com lábios apertados, nariz abaixado, sobrancelhas unidas e olhos atentos, tornando seus pensamentos um enigma para mim. Ele também tinha um tipo de seriedade triste, com seus ombros erguidos e punhos quietos nos braços do trono, como se a vida o tivesse abatido duramente por muito tempo.
Apesar disso, rugas de expressão rodeavam sua face, me mostrando que ele também sorria com frequência.
Ao lado esquerdo do trono central de ouro do camarote, um homem-águia estava sentado em um majestoso trono de platina. Suas penas eram cinza-mármore e pretas, como aves de elite. Seu rosto era belo, orgulhoso e severo ao mesmo tempo, com olhos cinzentos como prata derretida e com um bico dourado como ouro endurecido. Suas mãos estavam protegidas com luvas de seda branca com abertura nos dedos e uma espada de esgrima imponente estava presa a bainha de sua cintura, cintilando à fraca luz da lua.
Os cinco seres irradiavam tanto poder que era um milagre o lugar inteiro não sair voando pelos ares.
Eles também não estavam se movendo nem falando, mas havia uma tensão no ar, como se tivessem acabado de ter uma discussão concentrada e intensa. O líder dos guardas-leões e seus subordinados se postaram diante dos seres e se ajoelharam respeitosamente. As figuras sentadas nos tronos pararam e esperaram assim que enxergaram nossa aproximação, mantendo um véu de respeito conosco, embora eu tivesse a impressão de que eles poderiam me reduzir a pó assim que dissemos algo errado. O leão que segurava Kevin o jogou no chão como um pedaço de trapo velho, fazendo o desabar pesadamente no piso, encolhido.
- Mestres das Tribos - Os guardas-animais começaram em um coro irritante, com a cabeça rente ao pescoço e a visão colada no piso brilhante. - Os Cinco Deuses Antigos, Senhores...
- Parem com essa baboseira, puxas-sacos. - Cortou Kenpachi entediadamente. - Vejam só que são: T'Nork e seus compadres inúteis.
O homem-águia cerrou o punho sobre o trono e o ar estalou com cheiro estranhamente doce de cereja.
- Vocês acabam de interromper o Conselho dos Cinco.
- Disse ele, com voz desprovida de qualquer tipo de emoção. - Se apressem em se explicar e nós decidiremos...
- Se arremessaremos ou não vocês daqui de cima. - Completou o homem-crocodilo com o olho leitoso.
Aquele que se chamava T'Nork engoliu em seco. Sua armadura escorregou para o lado e um de seus pés pressionados contra o chão vergou.
- Mestre Kenpachi - Ele empurrou Kevin e eu contra os tronos e quase tropeçamos em frente aos seres poderosos. - Nós encontramos esses humanos fedidos e imundos nas arquibancadas do Coliseu.
Isso foi injusto. Quer dizer, quanto a parte de ter topado conosco no meio da multidão de pessoas-animais, estava certo. Mas a parte de fedidos e imundos, não. Nem tivemos tempo ou oportunidade para perguntar a Delfos onde ficava o banheiro para tomarmos uma ducha decente. Quando nós observamos os Cinco Mestres à frente, as pernas de meu amigo viraram gelatina. Ele ainda não parecia ter se recuperado da brincadeira de peguei seu pescoço com o guarda-animal corpulento. Seu pescoço estava roxo com as marcas de garras do leão, cinzas cobriam seus óculos e rosto parecia estar mais pálido e magro, como o de um fantasma.
Kevin encarava o chão e não ousava olhar para cima. Eu conseguia sentir a energia que se emanava dos seres nos tronos, mas minha concentração estava reunida em meus ombros doloridos posicionados de uma maneira dobrada e em minhas mão ardendo com arranhões. Estar na presença deles provavelmente deveria me deixar mudo ou intimidado ou algo do tipo.
Entretanto, após presenciar tantos acontecimentos exclusivamente esquisitos e impossíveis nas últimas horas, tudo que senti foi uma onda completa de aborrecimento se expandindo em meu peito como um tumor de frustração dominando meu bom-senso.
- Estão olhando o quê? -Perguntei, tentando miseravelmente transpirar coragem (embora tenha certeza de que só transpirava mesmo), ou transpirar tanta coragem quanto alguém pode soar dizendo enquanto encontra-se ajoelhado.
O Mestre dos Leões sorriu como se eu tivesse feito algo engraçado, como se eu fosse um poodley rosa que tivesse latido para ele ou algo do tipo.
- Esse humano é divertido. - Kenpachi sorriu malévolamente. - Acho que esperarei um pouco mais antes de achatá-lo como polpa.
Eu engoli em seco. Ameaças e zombarias imperando enquanto desconforto e apreensão surgiam. Aquela conversa estava indo tão mal quanto eu temia.
O Mestre dos Camaleões suspirou em exasperação:
- Nos contem sua história - O réptil pediu, esboçando um sorriso. - Contem como vocês foram capazes de quebrarem as setenta e duas barreiras de ka para chegarem até aqui sem terem sido mortos...
O homem-crocodilo interfiriu:
- E não mintam. - Ele rosnou, enfatizando suas palavras. - O Conselho dos Cinco não gosta de gente mentirosa.
Não vi motivo para esconder algo. Não falei alto, mas minha voz ecoou pelo camarote. Quando cheguei na parte da luta no Caldeirão das Eras, minha voz falhou e Kevin prosseguiu com a história.
Assim que terminou, todos os Mestres ficaram em silêncio. Não consegui interpretar o que estavam sentindo. Pareciam mais inseguros do que enfurecidos, mas não importava. Apesar da conversa com Delfos, ainda sentia que tudo aquilo era um grande engano. Talvez Kevin fosse realmente um herói, mas no fundo, sabia que eu não era um dos escolhidos e tal. Nenhuma punição poderia me fazer sentir pior do que isso. Os Mestres de Tribo subitamente se agitaram e começaram a discutir vorazmente, com exceção dos Mestres dos Camaleões e Castores. O réptil traçava círculos calmamente no braço de seu trono comos dedos e o velho roedor mal estava interessado no que estava acontecendo. Ele parecia apenas estar tentado entender como meu cérebro funcionava.
Os outros seres discutiam intesamente sobre cinco pedaços da alma e algo em relação à bonecos (eu posso ter confundido a última parte).
Depois de vários segundos intermináveis, o homem-águia pareceu ter ficado impaciente. Ele levantou a mão observou algum ponto importante, pois os outros Mestres de Tribo consideraram e pararam de debater.
O Mestre dos Leões me encarou.
- Thotenic, sinto que eles dizem a verdade. - Respondeu Kenpachi à ave. Ele estava sentado preguiçosamente em seu trono, e parecia estar considerando qual seria a forma mais dolorosa em que poderiamos morrer. - Então Delfonius ainda está vivo. Velho miserável. O que você pensa sobre isso, Sobek?
- Delfonius está quebrando nossas leis mais antigas e sagradas novamente. - O Mestre dos Crocodilos emitiu um grunhido ameaçador. - Enviando mortais do Mundo Mortal para a Sociedade dos Cinco como a outra vez.
- Como assim? - Kevin indagou com o nariz enrugado.
O Mestre das Águias, Thotenic, nos lançou um olhar de desprezo.
- Vocês, humanos, invadiram a Sociedade dos Cinco, o quê é considerado um crime grave -Ele dirigiu as palavras friamente para nós com prazer. - E é punível com a morte.
- Ei, esperem um pouquinho ai. - Eu protestei. - Morte? Não, não, não, tem algo errado, minha não tão cara ave armada com espada. Vocês não podem nos matar.
- Por que? - Questionaram os cincos seres em uníssono.
Droga, eu realmente odeio os porques!
- Bem... - Gaguejei, descartando dezenas de ideias ruins. - É, her... eu não queria fazer isso, mas... eu sou o Batman e meu amigo aqui é o Robin!
O castor com roupas desgastadas curvou a testa.
- Você não parece um garoto-morcego.
- E eu não sou o Robin! - Kevin retorquiu.
Eu abanei o ar com a mão esquerda e rezei para não estar sorrindo de um jeito pilantra.
- Puff, pequenos detalhes - Minha respiração ficou tensa. - Mas a questão é que vocês não podem nos matar. Fomos sequestrados por animais radioativos. Somos as vitímas aqui!
- O velho Delfos nos enviou! - Kevin me apoiou. - Somos inocentes!
- Isso, mesmo. Ouçam o Robin!
- Magnus, eu juro que vou pegar a espada de alguém e enfiar no seu...
- Humanos inocentes? - Interrompeu Sobek, de maneira debochada. - Vocês são minimamente perigosos. Se Delfonius os escolheu como seus novos campeões, então representam alguma ameaça...
- Ameaça? - Kenpachi quebrou a continuidade do crocodilo, repentinamente interessado. - Esses dois humanos franzinos? Oh, por favor, vocês estam ficando muito paranôicos. Por que não apenas os mandamos de volta para o Mundo Mortal e esquecemos de sua existência pelos próximos séculos?
Thotenic limpou a garganta e se sentou mais próximo da beirada do trono.
- Porque isso seria o movimento tático menos inteligente e um risco inaceitável à nossa segurança. Os humanos poderiam retornar para o Mundo Mortal e avisar aos outros de nossa existência, trazendo seus irmãos armados e prontos para uma guerra contra nós!
Os dedos de Kevin se contrairam.
- Do que você está falando, Cara de Ave? Eu não poderia fazer isso nem mesmo se quissesse. Eu nem tenho irmãos!
- Ele quis dizer que você pode revelar para outros sobre tudo que viram. - Explicou o velho castor bondosamente. - Foi uma infelicidade vocês terem invadido a Sociedade dos Cinco e terem chegado até aqui. Contudo, vocês conseguiram essa conquista inacreditável sem terem suas almas despedaçadas - Seus olhos faiscaram. - Os mortais sempre me surpreenderam.
- Delfim, você ouviu o que eu disse? - Sobek indagou, arreganhando os dentes em indignação. - Eles são uma ameaça!
- Por mais estúpido que Sobek seja, ele está certo nesse ponto. - Consternou-se o Mestre das Águias. - Eles são... perigosos.
Um cheiro de maresia e água salgada chicoteou meu olfato como as correntes violentas de um mar revolto em tempestade.
- Quem você chamou de estúpido? - O Mestre dos Crocodilos agarrou seu tridente e brandiu sua haste de bronze com três pontas de lança.
- Você - Respondeu Thotenic calmamente. - Fracassado.
Hora da verdade. Naquele momento, eu deveria pensar em uma forma de tentar apaziguar a fúria de Sobek ou ter me arrastado e choramingado pelo camarote de ouro gritando de medo. Porém, a única coisa que realmente passou pela minha cabeça foi gritar Turn Down For What na cara do crocodilo, embora não tenha feito isso.
Acho que Sobek não iria apreciar minha reação.
Ele abriu a boca e rosnou, liberando uma onda de poder tão forte que minhas roupas começaram fumegar. Ele podia não usar enxaguante bucal, mas Sobek obviamente passava fio dental. Suas presas brilhavam em fileiras de triângulos brancos e seus olhos se dilataram com um ódio fervente.
- Thotenic, você ousa me insultar...
O Mestre dos Crocodilos provavelmente iria começar um combate contra o Mestre das Águias naquele lugar mesmo, mas o velho castor sentado no assento técnológico se pronunciou:
- Oh, guardem a violência para um outro momento. - O Mestre dos Castores se virou em direção à Thotenic. - Eu tenho um grande apreço por humanos. Espécies tão surpreendentes e admiráveis! Você acredita mesmo que é mais seguro matá-los, Thotenic?
O Mestre das Águias não era forte como Sobek ou musculoso como Kenpachi, mas irradiava poder. Reclinava-se em seu trono parecendo flexível, elegante e perigoso como uma majestosa ave de rapina.
- Sim, eu acredito, Delfim. E eu não gosto de correr riscos.
O velho roedor baixou os olhos para nós e uniu as palmas das mãos, complacente.
- Mesmo assim... eles claramente são apenas filhotes. O que você pensa sobre isso, Nagato? - Perguntou Delfim ao Mestre dos Camaleões.
O réptil esguio não respondeu imediatamente. Seus movimentos cardíacos eram quase imperceptíveis. O chapéu de palha situado sobre sua testa proporcionava uma sombra densa emoldurando seu rosto e ocultando sua expressão misteriosa. Nagato era muito bom em não demonstrar emoções.
Então ele finalmente rompeu o silêncio e o anseio intenso gerado pela espera contínua:
- Eu acredito que puni-los pelos crimes de outro ser é injusto. Vocês ouvirão a história dos mortais. Pelo meu ponto de vista, Delfonius é o verdadeiro culpado dessa grave transgressão.
Eu arquejei, incrédulo. Eu sei que o camaleão portava as melhores das intenções, estando defendendo e tentando recorrer a um castigo mais brando à nós, mas por algum motivo, uma pequena parte de mim se sentiu a culpa e a necessidade de defender aquele velho ancião ousadamente gentil e manipulador de mentes de crianças, o que eu tenho quase certeza de ser algo ilegal.
- Espere - Eu argumentei. - O velho Delfos não...
- Se fulminarmos esses humanos. - Continou Nagato, erguendo as sobrancelhas para mim. - Não seremos melhores que aqueles mortais que nos exilaram aqui no subterrâneo à séculos atrás. Se essa é a justiça da Sociedade dos Cinco, então eu não quero fazer parte dela.
- Puxa, pega leve, Nagato. - Falou Kenpachi monótonamente. - Você é sempre tão sério em questões de vida ou morte. Mas, bem, talvez você tenha razão.
A face de Thotenic estava tão vermelha que parecia prestes a explodir como a erupção de vulcão.
- O quê? - Ele questionou, com uma veia pulsando em seu pescoço. - Kenpachi, você sabe que é arriscado demais deixá-los vivos.
- Sim, eu sei. - Respondeu o Mestre dos Leõs, em tom solene. - Só não dou a mínima. Que venham os humanos. Eu esmagarei todos eles!
- Ah, Kenpachi. - Disse Delfim, desconfortável. - Eu creio que não podemos esmagar todos eles.
- Como? Eu posso! Eu vou!
Eu encarei Kevin e travamos uma breve discussão sobre quem deveria defender a raça humana de um leão incrivelmente marombado e com uma mentalidade ligeiramente psicopata.
- Ei, pessoal. - Comecei, com a voz tímida. - Nós estamos muito honrados, mas sério, ninguém aqui quer ser esmagado.
- Ele tem razão dessa vez - Concordou meu companheiro de quarto.
- Dessa vez? - Eu toquei meus lábios com a ponta do dedo indicador. - Olha, eu não vou nem mesmo me dignar a responder isso, seu engraçadinho. Quanto a nos destruir ou despedaçar, acredite em mim: somos inocentes. Vocês precisam confiar em nós.
- Confiar em mortais? - Grasnou Thotenic de volta. - E por que eu confiaria em você?
- Magnus, se morrermos por sua causa, eu vou matar você, cara! - Kevin resmungou, acertando uma cotovelada nada discreta e sutil em meu rim.
- Ponto para você, Cara de Ave - Eu respondi, massageando a lateral de minhas costelas enquanto enviava um olhar cortante para Kevin. - Vocês realmente não tem motivos para confiar em humanos, pois vivenciamos realidades opostas entre Mundo Mortal e Avatar...
- Sociedade dos Cinco! - Replicou Sobek.
- ... mas é acredito ser totalmente errado em qualquer mundo condenar alguém apenas por causa do que ele pode ou não fazer no futuro!
Os Mestres de Tribo pareceram levar em conta meu apelo. Eles se entreolharam e começaram uma rápida e complicada discussão em egípcio. Thotenic se virou e deu a Kenpachi o que parecia ser uma ideia. O Mestre das Leões protestou e Sobek repetiu sua afirmação em consenso. Delfim claramente não gostou disso. Nagato não discutia muito, mas quando fazia, todos o ouviam, até mesmo Thotenic, de má vontade. O Mestre dos Camaleões fez uma espécie de sugestão e outros seres assentiram em um múrmurio de desconforto, como se não estivessem de todo satisfeitos com a ideia, mas ninguém protestou com a carência de um plano melhor.
Kenpachi mudou de posição e murmurou:
- Eu odeio essa parte democrática!
- Todos a favor dos humanos viverem? - O Mestre dos Castores indagou, embora eu tenha avistado um breve lampejo de tristeza em seu semblante.
Delfim, juntamente com Nagato e Kenpachi, levantaram as mãos para o alto. Thotenic e Sobek se absteram em seus assentos, mas ainda eram a minoria. Kevin e eu quase saltimos como dois garotos retardados após termos nos livrado do peso de chumbo de tanta receio e temor que carregavamos desde que haviamos chegados ao camarote forrado com seda, mal tendo ideia da encrenca mortal que estavamos prestes a nos meter.
- Então, está decidido. - Nagato, o Mestre dos Camaleões, constatou enquanto puxava a aba de seu chapéu com grande pesar nos olhos, como se as próximas palavras proferidas fossem tão estáveis quanto o acionador de uma dinamite de gás letal. - Os humanos não serão punidos, mas terão que sobreviver as Provas de Combate.

Sociedade dos Cinco e a Jornada pela CidadelaOnde histórias criam vida. Descubra agora