Olá meus amigos, como estão? Eu to bom. Estou realmente melhor e gostaria que todos estivessem.
Por esses dias conheci um condor que se chama Severino e já era tão velhinho quanto o nome faz crer. Na verdade não sei se era um condor ou um urubu, minha memória não vai bem e meu conhecimento sobre o mundo animal se resume a diferenciar cães de gatos e saber que na selva não preciso correr mais do que uma onça, mas apenas mais do que minha companhia. Mas acredito que estou me perdendo um pouco, cheguei direto nas personagem sem desenvolver o contexto.
O que quero contar é que recentemente fui ao zoológico. O passeio estava combinado há dias e eu estava empolgado em visitar o lugar, na verdade revisitá-lo, eu já o conhecia, mas a última vez em que estive lá ainda era criança e, depois de muitas decepções decorrentes do tempo, eu sei que o nosso envelhecimento é suficiente para mudar a forma e beleza de qualquer lugar. Mesmo assim, guardava e guardo lembranças muito alegres daquele lugar.
Foi a primeira vez que visitei o zoológico em família, nas outras vezes se tratava de uma atividade escolar, era o passeio de final de ano das séries iniciais e me sentia encoberto pela solidão de quem integra uma multidão. Naquela época minha família mal tinha o que comer, mas meus pais sempre guardavam um pouquinho para esse e outros passeios escolares. Essa era a situação de algumas crianças, mas não de todas as crianças.
A verdade é que conhecemos a desigualdade desde sempre ou desde muito cedo, mas ela afeta cada um a seu modo. Como disse Rosa, um sentir é do sentente e outro é do sentidor. Mas naqueles dias éramos quase iguais: crianças com alguns poucos reais nos bolsos entre milhares de crianças com poucos reais presas em um parque zoológico, correndo ao redor dos animais, comendo em rodas de pic-nic o lanche que nossas mães haviam colocado nas mochilas - na maioria das vezes um pacote de bolachas recheadas e/ou alguma fritura - e gastando aqueles poucos reais em refrigerantes, picolés e pingentes de aspecto tosco.
O refrigerante era o excesso, todas as crianças tinham uma ou duas latas na mochila, as vezes mais do que isso, o picolé era o doce que toda criança queria porque poucas vezes podiam comê-lo e algumas, como eu, só o comiam no dia do zoológico. É triste lembrar mas a verdade é que a li as crianças se sentiam mais ou menos especiais, elas estavam no topo da hierarquia se podiam comer mais de um picolé ou se podiam comer os mais caros, a criança conta os centavos (ainda mais naquela época) e a possibilidade de comer um segundo picolé, por alguma razão comer dois picolés que não se quer pode parecer melhor do que comer um que se deseja.
Mas o ponto de especial destaque são os pingentes, pingentes de aspecto tosco (gosto de destacar esse detalhe), que eram vendidos por vendedores ambulantes - os quais as crianças conseguiam encontrar em qualquer passeio, suspeito, inclusive, que fosse o mesmo ambulante que se deslocava de cidade em cidade conforme o itinerário das escolas, provavelmente o pai ou o tio de alguma das crianças, a qual lhe servia de chamariz - e que seriam recusados por qualquer pessoa, pareceriam caros mesmo que fossem de graça, mas pareciam mágicos aos olhos das crianças, mesmo que por um breve período.
A questão é que aqueles pingentes eram feios e por feios quero dizer muito feitos, tão feios que mesmo as crianças que os compravam não os usariam depois daquele dia, a não ser na próxima aula quando poderiam dizer a quem não o sabia que os haviam comprado e que significados poderiam ter, como aquele pingente de coração dividido cuja alma gêmea teria a outra metade. Sempre quis saber se fora fabricado aos pares ou se apenas o lado direito fora posto na forma. Mas por mais mentiroso que fosse o marketing, a verdade é que naqueles dois dias os pingentes formavam um grupo e no grupo haviam aqueles que podiam mais e aqueles que podiam menos - as crianças aprendem rápido - porque no final do dia as pessoas não eram iguais e mesmo que se por algum momento parecessem ser, logo se descobria que aquilo não era verdade.
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Histórias desconexas de uma vida sem sentido
Non-FictionCrônicas semanais sobre a vida, os pensamentos e as observações de um escritor quase alcoólatra, quase deprimido e quase bom que tenta encontrar na literatura um pouco de paz mas só produz desilusão. Cada crônica compõe um capítulo e todos os textos...