O pedido

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No último texto acabei por cometer um erro, ou uma série deles, mas estou ciente e consigo reparar apenas um, que foi apontado por minha amiga Sirimone. A casca que descrevi não é a Cascata do Chuvisqueiro, e sim a Cascata das Andorinhas, naquele dia eu e Letícia pretendíamos visitar os dois lugares, mas nos perdemos e acabamos não chegando à Cascata do Chuvisqueiro, mas acreditávamos estar lá e a confusão permaneceu na minha memória.

Depois de visitarmos a cascata, que gosto de chamar de gruta, voltamos pela trilha, o caminho de volta era um pouco mais difícil e o obstáculo maior veio já perto do final enquanto subíamos uma ladeira.

– O que você acha do nosso relacionamento? - ela perguntou.

– O que eu acho? – perguntei, buscando ganhar algum tempo e evitar falar a primeira coisa que poderia me vir à cabeça. Se tem uma coisa que aprendi ao longo desses anos é nunca dizer a primeira coisa que me vem a cabeça, que provavelmente será uma piada mal formulada que meu interlocutor terá dificuldades de assimilar.

– É – ela respondeu.

– Do nosso relacionamento?

– Isso.

– Eu acho ele perfeito. O melhor relacionamento que já tive. Queria eu que os outros poucos que tive tivessem sido assim. Mas agradeço a Deus que não o tenham sido, porque se assim fossem eu jamais teria te conhecido e morreria sem saber o quanto te amo.

– É isso?

Nesse momento eu fiquei tenso, havia escolhido as palavras com cuidado. Tive a esperteza de não usar a palavra "muitos" e de deixar claro que foram poucos relacionamentos, preparando-me contra qualquer apontamento quantitativo.

– O que mais poderia ser – respondi com uma pergunta – a vida com você é tudo o que eu gostaria que fosse. Mas seria melhor se eu pudesse corrigir os problemas que carrego. Obviamente não posso corrigir todos, mas posso melhorar – eu esperava que ela não me perguntasse o que eram esses defeitos, pois naquele momento eu poderia não conseguir mencionar um suficientemente convincente.

– Tá – ela disse e eu soube que nada do que eu havia dito tinha qualquer valor naquela conversa – é que eu estava pensando no que o Léo me disse...

– E o que foi que o Léo te disse?

– Que sem um pedido de namoro, não existe namoro – disse e pegou a dianteira na trilha.

É, com essa você me calou, eu pensei. E por algum tempo eu fiquei calado, buscando alguma pérola da sabedoria. E tanto pensei que lembrei do Felipe, um amigo nerd e marombeiro. Uma mistura estranha mas cada vez mais comum.

Na academia, sempre que uma mulher se aproximava dele, para conversar, revesar em um equipamento ou simplesmente dizer que esperaria ele terminar um exercício, ele caia no chão e, por alguns segundos, se contorcia como um peixe fora da água. Logo que um instrutor aparecia ele levantava e depois de alguns minutos voltava ao treino.

– Se um urso olhar para você – ele dizia – finja-se de morto.

Bem, eu não poderia me fingir de morto ou simular um ataque de qualquer tipo, isso me levaria a um hospital e eu não queria ir até um hospital. Enquanto buscava uma ideia eu desviei de um toco de árvore escondido entre os ramos. E parei ali, ao lado dele. Ele tinha aproximadamente trinta centímetros de altura e pouco mais do que três de diâmetro, estava oculto pelos ramos e fora cortado em um ângulo de trinta graus ou menos. Era perfeito, ou quase perfeito.

Apoiei a canela sobre a ponta do tronco, eu pretendida provocar um leve arranhão com um movimento de perna, depois bastaria me jogar no chão, gritar e me "fingir de morto". Mas, a verdade é que nunca tive um bom equilíbrio e cai assim que coloquei a perna sobre o tronco. E o que era para ser um aranhão, virou um corte violento.

– AAAAAAAAAAAAAAH! – gritei quando cai no chão.

– O que foi? – ela perguntou e desceu correndo.

– Tropecei no toco – eu disse com a respiração pesada.

– Tu te machucou – ela disse olhando para a perna – mas deu sorte.

– Dei?

– Deu, do jeito que caiu, esse toco poderia ter entrado no teu cu.

Minha namorada é uma flor.

A verdade é que eu já queria tê-la pedido em namoro e a verdade é que já imaginava tê-lo feito. Eu sei é estranho. Planejei fazer o pedido no nosso passeio ao Cânion do Itaimbezinho, talvez você se pergunte porque não pedi e, bem, eu não pedi porque não fomos até o Cânion do Itaimbezinho e talvez você se pergunte: "mas porque diabos tu imaginava que havia feito o pedido?". Bem, porque eu o planejei tão intensamente que no correr do tempo essa memória da ficção se tornou uma falsa memória que meu contexto me fazia crer que era verdadeira.

É por isso que hoje quero corrigir esse erro que não pode ser perdoado, mas que, talvez, possa ser reparado.

Gostaria de ter a sorte de ser um cronista/colunista do NH (jornal da minha cidade), da Zero Hora, da Folha de São Paulo ou do Estadão. Se o fosse, poderia contar as minhas histórias e as minhas mentiras por lá, poderia reclamar de algum filme comercial que me aborreceu e de alguma decisão política ou jurídica da qual acredito ter o dever de discordar e de externar essa discordância. Também poderia comentar sobre alguma celebridade da internet que tenho me divertido em acompanhar, ou sobre algum vídeo viral que por algum momento me distraiu, que me deu um pouco de paz em meio ao caos do cotidiano. Também poderia falar de algum livro que gostei de ler ou que gostaria de não ter lido – mesmo que esses últimos sejam raros, pois, frequentemente os abandono. Ou, ainda, rasgar elogiou a algum artista, qualquer que seja, por ter, de alguma forma, me conectado ao trabalho dele.

E gostaria de poder fazer tudo isso, de falar sobre assuntos que me interessam, sobre sentimentos que me atingem, sobre acontecimento que presenciei ou que finjo ter presenciado, mesmo quando eles nunca existiram; apenas para em vez de o fazê-lo, poder dizer que te amo.

Não escrevo em nenhum desses espaços e, por mais que me doa dizê-lo, é provável que nunca venha a escrever. Mas como já disse outras vezes, eu sou um escritor e um escritor escreve e é por isso que o digo aqui: meu amor, aceita namorar comigo?

Histórias desconexas de uma vida sem sentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora