Rita Lee

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Recentemente descobri que meu pseudônimo pode se tornar um nome... bem, isso é apenas meia verdade e não tenho paciência para expor a verdade inteira, de forma que os mais curiosos devem  trabalhar por si mesmos. Por alguma razão desconhecida os nomes sempre me atraíram, desde muito pequeno; as vezes eu gosto de um personagem apenas pelo nome, como o Mandrake de Rubem Fonseca, o Tyler Durden de Chuck Palahniuk e o James Bond de Ian Fleming, três escritores de que eu também seria capa de gostar apenas pelo nome, não fosse o fato de já tê-los lido e de apenas um deles valer o tempo que demanda.

Tenho certa atração por pseudônimos, na verdade eles não possuem nada de falso. A função de um pseudônimo é corrigir um erro de percurso e entregar ao portador uma série de potencialidades e significados. Dito de outra forma: os nomes são dotados de atributos mágicos e compõem a essência de seu portador. Por isso há de se considerar o peso de ser uma Daniela, um Gabriel, uma Helena... antes de escolhê-los para si ou para os seus.

Alguns pseudônimos são ótimos, outros nem tanto e outros são terríveis. Billie Joe Armstrong parece perfeito; Suassuna não gostava de Lady Gaga, mas já ia tão distante do tempo que as manifestações do presente não lhe alcançavam; e Ximbinha parece refletir a qualidade da música que produz; como eu disse, os nomes são mágicos. E há outros tantos: Renato Russo, Cazuza, Joan Jett, Rita Lee... mas Rita Lee não é nenhum desses, Rita Lee é um nome de batismo e é uma das poucas vezes em que uma artista nasceu com nome de artista, e é lindo ver isso acontecer, ver alguém nascer da forma que é, como se já estivesse pronta desde o princípio.

A essa altura eu queria ter uma história para contar, minha ou de outra pessoa, não importa. Acredito que sou bom nisso, em contar histórias, tanto que quando não tenho uma eu invento. Gosto de pensar que toda história foi, em certa medida, inventada, e que nada é verdade em absoluto, e que há um ponto no qual a verdade e a mentira já não importam, um ponto mítico. Quer dizer, não importa se Ulisses existiu ou não, o que importa é a verdade de sua história; não importa se viu ou não viu as sereias, o que importa é o significado de tê-las ouvido. Também não importa se John Lennon era ou não o idealista do séc. 20, se Bruce Lee era ou não um lutador, se Hugh Hefner era ou não um pervertido... o que importa, na maioria das vezes, é que eles se transformaram no símbolo de algo, se transformaram naquilo que de alguma forma o século necessitava.

Eu queria uma história, mas não tenho uma história, e também não tenho uma mentira, e não as tenho porque Rita Lee morreu, e até que tenha escrito sobre isso, isso é tudo o que tenho e é algo que me acontece, costumo ficar travado sempre que penso no que pode ser dito e não o digo, preciso escrever todo texto que imagino porque do contrário não virá outro, preciso escrevê-lo mesmo que para apaga-lo imediatamente após tê-lo escrito, mesmo que seja apenas para poder esquecê-lo.

Falei sobre isso com meu analista, e ele não disse nada, então, preciso continuar fazendo o que sempre fiz: escrevendo e apagando, dizendo o que as pessoas não querem ou não se interessam em ouvir, fazendo piadas sem graça, contando histórias sem relevância, apenas para poder pensar e escrever algo que de alguma forma valha o tempo que cobra, mas sem nenhuma garantia de fazê-lo.

E o que preciso dizer hoje é que hoje é difícil não pensar em Rita Lee, mas nunca fui fã de Rita Lee e conheço poucas pessoas que o sejam, na verdade, só conheço uma e não sei se ela vestiria o termo "fã" se estivéssemos mais distantes da morte da cantora. É fácil ser "fã" de alguém que acaba de morrer ou de nascer, mas não é tão fácil manter-se fã, não em uma sociedade de espetáculos frequentes e inesgotáveis. Mas tenho visto muitas manifestações desses "fãs" recém formados, incapazes de dizerem mais do que: "sempre ouvi Rita Lee", "Amava a Rainha do Rock", "Rita Lee, nossa!". Mas me pergunto se isso é mesmo necessário.

Eu nunca tinha ouvido falar de Belchior, tenho um pouco de vergonha de dizer isso, mas é verdade, nunca tinha ouvido sobre Belchior até poucos meses antes de sua morte, quando uma namorada me apresentou as músicas do cantor; foi amor imediato, mas apenas pelo álbum Alucinação, o restante não dialogava muito comigo. Por acaso essa é a mesma única possível fã de Rita Lee que conheço e logo após me apresentar a essas músicas o sujeito morreu e então eu vi pipocar fãs de Belchior de tudo que era canto.

A questão é que Rita Lee, assim como Belchior, não precisa de uma comoção nacional, a sua morte não criará tribos, não gerará identificação entre pessoas que nunca se viram, não será o assunto que formará amizades, pois esse foi o trabalho de sua vida: rebelar-se, fazer graça, fazer sorrir, fazer lutar, dizer que se pode amar, possibilitar que se possa sonhar. O que, de certa forma, é a função de todo artista, mas alguns insistem em se destacar e talvez ela seja um desses e talvez ela tenha se constituído em algum símbolo, ainda indecifrável para mim.

Mas para além disso, quantos fãs Rita Lee poderia querer? Talvez nenhum. Talvez tudo o que almejasse fosse que aqueles que a ouvissem se tornassem críticos do mundo, que fossem despidos das vendas do fascínio e do fascismo.

Histórias desconexas de uma vida sem sentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora