- Qual é o nome do docente?
Perguntei na esperança de que meus colegas pensassem que eu não conhecia o significado do termo, que por muito tempo confundi com "discente", por isso pensei que eles também poderiam tê-lo feito e, agora, penso que todos deveriam fazê-lo (e nisso não me explico). Eu esperava que eles pensassem que eu era ignorante, porque a ignorância é fácil de perdoar, mas a desatenção, o desinteresse, a indiferença... muitas vezes são imperdoáveis.
- Qual é o nome do docente!? - Allan, que eu soube se se pronuncia Alan ou Alân, repetiu com ênfase sarcástica.
- Dois meses de aula e tu não sabe o nome do professor? - Jonatas indagou sem esperar resposta. Era fácil lembrar desse nome, Jonatas Jardel, os mesmos nomes de dois de meus primos que são irmãos... Contudo, descobri que meus primos se chamam Jonas e Joardel, mas acredito que foi um erro do agente cartorário.
Substantivos próprios são uma questão complexa, porque na perífrase de sua existência são despidos de qualquer significado. Quando digo Jonas ou Jonatas e não se sabe em absoluto a quem me refiro, a figura sem rosto é despida de propósito, é um significante sem significado.
- Até a aula passada ele me chamava de Tiça, mas eu não quis corrigir - disse Tisa, que se pronuncia Tiza.
Tisa, como você deve imaginar, é um apelido, quase um pseudônimo, que me faz totalmente ignorante quanto ao nome de minha colega. Tisa, é contração de poetisa, um nome testado no tempo e na ação, e para o qual eu tenho uma desculpa, que é meu péssimo habito de nunca chamar de "z" um "s" que desconheço.
- Daniel - alguém disse depois de muita troça. Eu mereci, admito, mas não era por maldade.
Se ainda não ficou claro, tenho certa dificuldade com nomes. Já era uma criança grande quando perguntei aos meus pais quais eram os nomes deles, isso porque algum colega havia me questionado e não ficara satisfeito com "mamãe" e "papai".
O professor Daniel voltou para a sala assim que acabamos a avaliação de qualidade do curso, e meus colegas não tardaram em me denunciar, um complô vil, maligno e astucioso, puro dedurismo do qual sequer posso reclamar.
Por sorte nosso professor achou graça.
- Quando me casei - ele disse - perguntaram se eu queria mudar de nome e eu disse que sempre quis me chamar Lucas, eles não entenderam a ironia e me disseram que eu só poderia mudar o sobrenome. Eu tomei ar, mas, antes que pudesse falar, disseram que o único sobrenome que eu poderia usar era o da minha esposa. Mas aquele eu não queria.
Era a segunda vez que ele contava essa história, mas foi só dessa vez que ela me fez pensar na ausência de sentido que a lei carrega consigo ao negar ao indivíduo o direito à identidade que ela confunde com identificação.
Àquela altura acreditei que minha ignorância era percebida por todos e estando uma de nossas colegas ausentes, tive de investigar seu nome. "É Ester ou...", perguntei sem saber como terminar a pergunta.
- Sté - o Alan respondeu com ênfase no "s" mudo e no "e" acentuada, até hoje não consigo falar sem um intervalo entre a primeira e a segunda letra - o nome dela é Estefani, mas gosta de ser chamada de Sté.
Eu pensava que era Ester. Ester é um nome tão bonito, tão radiante que eu sentia orgulho de conhecer uma Ester.
- E ela não gosta de ser chamada de Ester - Era a segunda vez que Alan me dizia isso, aparentemente a confusão era comum e eu já teria parado de chamá-la de Ester se dá primeira vez Allan tivesse usado um tom menos sarcástico.
Sobre Bruno e Natália eu não tenho muito a dizer, e é por isso que eles entram apenas no fim da história, eles não comentaram minha gafe, embora tenham rido dela com a mesma gentileza com que os outros o fizeram. Os dois são calmos, serenos e gentis, não é sem razão que Natália tem o nome que tem, ela é um presente – e é vergonhoso dizer que só aprendi seu nome quando cheguei a esse parágrafo e temo que poderei esquecê-lo novamente.
Por fim, não disse nada de Tales e não direi, pois ele, na flor da idade, não estava lá.
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Histórias desconexas de uma vida sem sentido
Non-FictionCrônicas semanais sobre a vida, os pensamentos e as observações de um escritor quase alcoólatra, quase deprimido e quase bom que tenta encontrar na literatura um pouco de paz mas só produz desilusão. Cada crônica compõe um capítulo e todos os textos...