Minha namorada me mandou o vídeo de uma borboleta.
No passado as pessoas riscavam as paredes das cavernas; hoje mandamos fotos de borboletas e riscar as paredes das cavernas passou a ser chamado de pichação. As coisas são assim, elas mudam e mudam muito rápido.
Recentemente minha namorada e eu vistamos a Cascata do Chuvisqueiro, ou qualquer coisa assim, logo na entrada da trilha havia uma placa em que se lia "proibido tomar banho na casca".
– Como assim? – eu disse.
– O que? – ela perguntou.
– Não pode tomar banho na cascata.
– Como assim?
– Foi o que eu disse.
– Onde que tu viu isso?
– Naquela placa – apontei para trás quando já não se via nada.
– Não vi.
No meio do caminho haviam outras placas que diziam coisas como: "Nós, as pedras, somos muito antigas", "Nós, as plantas, somos essenciais à vida", "Nós, os animais, chegamos aqui antes de vocês", e todas terminavam da mesma forma "Ass: Matheus", e depois de ler todas essas placas eu pensei "deve ser o caso mais agudo de múltiplas personalidades registrado na história da humanidade".
No final da trilha havia a Cascata do Chuvisqueiro e, antes dela, uma placa (pensando agora, haviam muitas placas nesse lugar): "Evite tomar banho no poço da cascata". Vê, as coisas mudam, a proibição da primeira placa não resistiu a um quilômetro de trilha.
Havia, ainda, outras duas placas, postas a baixo dessa última, uma dizia: "Poço com quatro metros de profundidade", e a outra dizia: "Não risque as paredes".
Foi essa última placa que me fez contar a história da cachoeira, e lembrei dela por conta da foto da borboleta que me fez iniciar esse texto, e no meio disso tem toda a massa de imagens que enviamos uns aos outros e que nos enviam os canais publicitários e das quais, provavelmente, não lembramos.
Penso agora sobre esses primeiros povos ou tribos ou grupos ou famílias que registraram sua presença nas paredes das cavernas que habitaram e o fizeram porque aquele era o único lugar seguro o baste para fazê-lo.
Ainda fazemos o mesmo, rabiscamos o cotidiano na tela do celular e esperamos que alguém mais o veja, só para sabermos que realmente estamos aqui. Mas não deixamos que risquem as paredes das cavernas, deve haver um lugar, mesmo que distante, em que não sejamos atacados por informações. Informação que em breve se tornará lixo, mais uma embalagem perdida em meio as pilhas de latas de Coca-Cola.
Queria que todas as imagens fossem como a fotografia daquela borboleta. Que todas elas se comunicassem comigo. A borboleta foi fotografada não podia voar, estava ferida e não podia fazer aquilo que foi feita para fazer. Era uma simples borboleta e mesmo assim trazia a verdade sobre mim.
Depois de algum tempo, veio a mensagem:
"Ela partiu. Ela vou".
Fotografia por Letícia Azevedo (https://instagram.com/azevedooleticia?igshid=MzRlODBiNWFlZA==).
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Histórias desconexas de uma vida sem sentido
Non-FictionCrônicas semanais sobre a vida, os pensamentos e as observações de um escritor quase alcoólatra, quase deprimido e quase bom que tenta encontrar na literatura um pouco de paz mas só produz desilusão. Cada crônica compõe um capítulo e todos os textos...