𝑃𝑟𝑜𝑙𝑜𝑔𝑜

2.1K 160 2
                                    


O céu estava fechado, como todas as manhãs chuvosas. As nuvens carregadas com as águas que queriam descer resumiam o restante do dia. Era quarta-feira. Eu estava no carro da minha família, esperando Harry me levar para o colégio. E pela sua delicada paciência, faltavam dez minutos até chegarmos no prédio de dois andares. Harry era um homem que aparentava ser bem mais novo para a idade que tinha. Barba sempre feita. Corpo alto e forte. Seu cabelo estava alinhado, como todas às vezes. Bem uniformizado. Usava um terno escuro. A gravata com um nó perfeito, o qual tenho certeza que foi feito pela esposa. Na orelha, ele tinha um dispositivo que presumi ser escuta. Ele parecia mais ser um segurança do que um simples motorista da família.

Molhei os lábios quando chegamos. Sorri e agradeci após sair. Passei meus olhos pelo lugar, já vendo Angel sair do carro dos seus pais. A loira sorriu e andou em minha direção. Alisei o pano liso do meu uniforme e entramos no prédio. Subimos as escadas, nos apressando para entrar na sala de aula, ignorando totalmente a existência dos três ali atrás. Sentamos e abrimos o fichário. Era aula de literatura e eu amava.

Minutos depois, o sinal tocou. Agora estávamos no refeitório. Minha amiga disse precisar ir até a sala dos professores, para falar sobre o grêmio estudantil com alguns educadores. Assenti, avisando que iria para biblioteca. Comprei duas barrinhas de cereais e também um suco de caixinha. Saí do refeitório e segui caminho até a biblioteca. Com certeza, já estaria cheia, mas com a ajuda dos meus fones, eu me concentraria no livro. Entrei na sala e fui diretamente para o lugar que eu gostava. Passei as prateleiras e não me importei com os olhares dos alunos. Me acomodei no chão do fundo da sala e tirei meu livro da bolsa. Era cinza e tinha uma caveira na capa. Vi comentários positivos sobre ele na internet, então decidi ter meu próprio julgamento. Dei play na música e encostei minha cabeça na parede atrás de mim.

Após o prólogo, entendi que ele se tratava de uma romance distopia, o que me fez franzir a testa e suspirar. Eu não gostava muito de livros de romance. Cerrei os dentes e decidi dar uma chance. Peguei a almofada roxa e coloquei no chão para apoiar minha cabeça nela. Continuei lendo até não perceber que o sinal havia sido tocado e os alunos já voltaram para as suas salas. Como era aula de cálculo, resolvi filar e ficar por aqui. Angel me acharia depois. Ele sempre me achava.

Deixei uma risada sair quando o garoto do livro fez uma piada totalmente problemática, e isso me fez fechar os olhos e me repreender. Molhei os lábios e encarei a folha em minha frente. Eu já estava no décimo capítulo. A música parou, fazendo-me suspirar irritada por não colocar o dispositivo para carregar ontem à noite. Como o lugar estava silencioso, resolvi ler sem os fones. Virei a página e olhei para frente quando ouvi barulhos estranhos vindo da prateleira, a qual ficava na frente da que eu estava. Estreitei os olhos e me inclinei para o lado, mas não tinha ninguém. Eu estava sozinha. Levantei e recolhi minhas coisas quando ouvi outra vez. Era como se tivesse alguém batendo na parede. Isso me assustou. Marquei a página e guardei o livro.

Senti um arrepiou na espinha e o suor descer em minhas costas, juntamente com o estresse. Eu estava com medo, mas também estava estressada. Eu só queria poder ler em paz.

O barulho surgiu outra vez, fazendo-me engolir seco e correr até a porta. Puxei, mas ela não abria. Franzi a testa, incrédula, e tentei outra vez.

O quê?

Porra!

Olhei para trás, fitando as prateleiras e sentindo um olhar cair em mim. Tinha alguém ali, me observando. Minhas mãos soaram. Eu não conseguia ver seu corpo, mas eu sabia que ele estava me olhando com nenhuma intenção de parar.

Ele já estava ali? Já estava desde que entrei?

Talvez fosse algum dos alunos que já estavam aqui?

Puxei a porta novamente e respirei fundo quando ela abriu. Meu corpo tombou para frente quando tentei desesperadamente sair dali. Se não fosse o garoto em minha frente, eu iria cair. Encarei seu rosto divertido e olhos negros.

Enzo Bennett.

Ele tinha suas mãos em minha cintura, mantendo-me no lugar. Um sorriso fraco estava no seu rosto cafajeste e irritante. Seu cabelo estava jogado na testa. A gravata do seu uniforme frouxa e os primeiros botões da sua camisa abertos. Ele não usava colete. Engoli seco e olhei para trás, ignorando o fato que ele me tocava. Eu estava apavorada demais para contestar.

— Judith Hall. — ele chamou. — Está fugindo de alguém?

Olhei para ele e me afastei. Cruzei os braços e engoli seco após coçar a garganta.

— Não. — respondi. — Apenas pensei ter visto algo.

— Por acaso, alguém estava observando você?

Franzi a testa e estreitei os olhos.

Como ele sabia?

— O que você está fazendo aqui? — questionei. — Era você lá dentro?

— Se minha resposta for positiva, vai deixá-la tranquila?

Abaixei os olhos e molhei os lábios.

Sim.

Essa era a resposta. Se eu soubesse que era ele ali, seria muito melhor do que não ter certeza se tinha alguém ou não.

— O que você está fazendo aqui? — repeti.

— Mandaram vir te buscar. — falou. — O professor Austin sentiu falta da sua presença na sala.

Relaxei e assenti. Pressionei os lábios e me afastei dele, apressando-me para chegar nas escadas e subir.

Enzo era estranho. Um dia ele me atormentava e no outro o garoto agia como se fôssemos amigos. Era nítido que ele não gostava de mim. Seus olhares mortais nos refeitórios não me intimidavam. Nunca, na verdade. Sempre enfrentei. Somos inimigos. Não nos suportávamos. Mas, por algum motivo estúpido, eu gostava de como ele tinha sua atenção em mim.

Eu adorava vê-lo tentando me intimidar, pois Bennett sempre perdia. Porém, meu corpo também se aquecia. Na maioria das vezes, eu me perdia no calor intenso que os seus olhos negros passavam.

Amor Oculto (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora