XIV. É culpa da morena

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Não atinava o instante exato em que sua mente havia se tornado um ambiente tão insalubre para estar. Nunca foi um mar de rosas, isso lá é verdade, mas a torrente de inflexões converterá-se em algo insuportável.

Seu autocontrole era arbitrário. Aparecia e desaparecia sob os mais variados pretextos. Bastava considerar a possibilidade de ter a mulher que tanto desejava possuir, nos braços de outro que o sangue subia e os ângulos de seu rosto se transformavam em uma carranca intimidadora.

Compreendia a força motriz que impelia e aguçava tamanha mobilização. Todavia, não passaria por cima de Soraya, ao menos não daquele jeito. Já fora perseguida e importunada o suficiente e jamais seria ela a provocar esse desconforto em alguém. Não era capaz de ignorar a sensação em seu íntimo de que deveria se certificar que a outra estava fazendo apenas aquilo que queria fazer.

Cuidar era uma característica basilar da sua personalidade. E mesmo que fosse a distância, guardaria a forasteira.

Foi essa a justificativa que usou para sair, no compasso das últimas badaladas, por uma entrada pouco usada da fazenda com um carro que não costumava tirar da garagem se não para longas viagens: uma dogde ram com estofamento em couro branco. Parecia apropriada para uma tocaia. "Não vou espionar, só interfiro se ela precisar de mim." E, no fundo, por desejar-lhe o melhor independente da ocasião, torceu para não ser o caso.

Afeição nunca foi sobre "Se eu não posso ter, ninguém mais pode!", isso é o completo oposto. Bem-querer está mais para "Se não é comigo que você deseja ficar, que a vida te entregue alguém que lhe ofereça tudo que eu não pude dar." e por mais doloroso que seja admitir, machucaria muito mais vê-la infeliz.

⊰✵⊱

Quando Renato Russo disse festa-estranha-com-gente-esquisita ele definitivamente imaginava uma social na roça.

O aniversariante estava a ponto de ter um piriri. Os olhos abuticados de quem sabe que vai tomar fumo. Era evidente que ele não esperava que aquele povaréu todo fosse aparecer.

Convidado não convida? Só se for na cidade grande, no interior o esquema é diferenciado.

Alguém começou a espalhar que a bebida não durava até depois da 00h. Resultado? Levantamento de copo. A sobriedade não era uma opção viável para nenhum dos presentes. Teve inclusive quem fez vira-vira, uma disputa besta pra ver quem consegue beber mais rápido. Um matusalém que não tinha nem mais idade para estar vivo, quem dirá enchendo a cara, venceu com louvor.

A trilha sonora do festejo poderia ser descrita de forma sucinta: música de corno. Era sofrência que num acabava mais. Soraya sorveu sua dose de corote em um só gole astuto e fez aquela carinha de pidona no que Carlos César se ofereceu a ir buscar mais. Ou melhor, lutar por mais. O rapaz cumpria a função de garçom, porque nas vezes que tentou chegar junto, não bateu nem na trave.

A mais nova aproveitou a chance e foi tirar satisfação com o moleque metido a DJ que estava próximo as caixas de som com um celular na mão se sentindo o rei da cocada preta.

- Ei, nesse teu telefone aí, tem alguma música que não foi feita pra arrastar o chifre no asfalto? - No momento em que perguntou, estava tocando Arranhão de Henrique & Juliano. E o que a loira menos queria saber era se valia a pena, a cama e o risco. Ou era disso que tentava se convencer.

- Se a tia 'tá com dor de cotovelo, não é culpa minha. - Tia? Ela não tinha idade pra ser tia de um fedelho borra botas. Essa festa vai virar um enterro.

- Primeiro que eu não sou sua tia, segundo que onde você 'tá vendo alguém com dor de cotovelo aqui? - Cruzou os braços com força.

- Na minha frente. - Como um típico aborrecente ele falou sem demonstrar um pingo de emoção, apenas revirando os olhos pra enfatizar.

A Promessa da Viúva [Simone x Soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora