XIII. Mito da Caverna

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O vislumbre daquele ajuste que a luz faz com a escuridão saltava aos olhos como em um jogo de amarelinha. Contemplando formas tão repletas de vida, Simone Tebet seria capaz de ater-se ao entendimento de que o mundo era mesmo uma concessão de pertinências. Estaria ela, então, sendo inadequada no que tange o seu bel-prazer? O que lhe tocava sob a ótica do querer, era maior do que a clausura das copiosas normas de conduta e aprendizado a que foi moldada? E se porventura fosse, o que isso a tornava? Uma simples intermitência entre a farsa passada e a futura. Nesse panorama, muito pouco ou quase nada era reservado ao presente.

E, ainda assim, a vigência do agora, precisamente atual, propagou os sons do que acontece, instigando a viúva a se aproximar da fila dos que fazem.

Soraya tentava, com muito custo, dar um banho em João Gomes. Tinha um balde aos seus pés e uma mangueira em uma das mãos.

— Vai, Zeca. Liga logo isso. O João Gomes 'tá igual o Cascão! — Foi aí que a morena viu que ao lado da torneira, o adestrador estava acocorado. Júnior também.

Antes de executar o que a forasteira pedia, eles se entreolharam com um sorriso largo no rosto, abrindo o registro até o fim.

A pressão foi tanta que a mais nova se embananou e molhou tudo, menos o bezerro. Que aproveitou a presepada e se escafedeu balindo contente.

— Vê bem que pragas! Pois vocês vão catar o meu filho e trazer ele pra mim, que padrinhos mais farrapeiros! — Bradou e, por ser quem era, virou-se na intenção de devolver o feito.

Contudo, alguém estava no caminho: ao invés de molhar o filho, molhou a mãe. De novo.

O jorro que Tebet recebeu ensopou o rosto e a roupa. A loira largou o apetrecho comumente utilizado para jardinagem no chão.

— Dessa vez eu não te vi. Juro. Num fiz de propósito! — A mais velha passava as mãos sob olhos e no cabelo, porém nada dizia. Torceu a barra da camisa de botão que usava e a rotação no tecido fez com que o último deles se soltasse, evidenciando uma faixa de pele branca, abaixo do umbigo, onde a calça não cobria totalmente. Era mínimo, mas para quem já admitiu aceitar menos, há de se convir que foi até demais.

Simone encurtou a distância ainda sustentando o silêncio. Estava consternada? Irritada? Tremendamente possessa? A feição não entregava nada.

— Júnior, diz a ela que... — Congelou ao vê-la se curvar diante de si, atinou para o fato de que ela apenas buscava o baldinho de alumínio que tinha sabão diluído em um pouco de água morna. Esperou sem saber porquê. Até que a mulher virou o líquido na altura do seu decote, ensopando o sutiã e todo o resto. — Sua... sua... — "Viuvinha salafrária!" Sua língua coçou para acrescentar.

— Eu ainda não acabei. — Foi alertada.

A matriarca então inclinou-se mais uma vez e pegou a mangueira. Se colocou atrás dela e com a mão que estava livre, conduziu a de Soraya ao objeto, ambas experimentaram as consequências daquele enlace. Os rapazes perceberam tarde demais que o alvo eram os dois. A dupla feminina venceu de lavada.

— Isso é pela irresponsabilidade de vocês! — Simone brincou. — Onde já se viu deixar uma jovem mãe vulnerável desse jeito? — Zeca caiu de bunda do tanto que riu e Júnior se segurava na parede para tentar se levantar.

— É! Onde já se viu? - Fez coro. — Uma jovem mãe... - Diante das risadas altas, parou. — Peraí! A dona 'tá sendo fofa ou me chamando de vaca?

— Pra quê escolher se eu posso fazer as duas coisas ao mesmo tempo? — Falou tão próxima ao seu ouvido que causou um rebuliço no short da mais nova e tudo que ela conseguiu foi retribuir com uma cotovelada fraca, não queria afastá-la.

A Promessa da Viúva [Simone x Soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora