O alicerce que rege o tempo pareceu estar sedimentado em um compasso peculiar: os dias eram curtos, as noites eram longas, por vezes intermináveis. Os minutos pareciam esmorecer em um marasmo característico daqueles que precisam se manter eternamente ocupados para não pensarem demais, sentirem em excesso. Predispostos que são aos exageros da alma. O ofício de uma mente ansiosa é combater a ansiedade com a exaustão. E quando a fadiga não é suficiente? Quando ao final de uma jornada, você não consegue descansar? O corpo pesa, os olhos ardem e o sono que envolve os justos, não clama pela sua inconsciência. No intervalo de pálpebras semicerradas, um apelo "Me deixe dormir em paz!" Mas a paz, onde quer que esteja, não te alcança.
As tarefas da forasteira não demandavam muito de seu intelecto. Ela alimentava as galinhas e os patos, Simone pareceu fazer questão que ela tirasse leite das vacas. A moça também entregava alguns recados e se sentia como um pombo-correio: "Soraya, você pode dizer ao Viriato que ele vá se apresentar a patroa, surgiu um imprevisto com a carga que chegaria hoje." E lá ia ela, muitas vezes sem nem saber quem era Viriato, perguntando de peão em peão. Não demorou muito para se acostumar com alguns rostos, não era boa com nomes, mas da feição sempre lembrava. Ah, e por falar em patroa, a mais nova sentiu o afastamento, percebendo uma reserva contida que não deveria lhe incomodar, porém incomodava.
A medida que os dias se condensavam, não vê-la com a grandeza de olhos que observam os detalhes, contemplam os pormenores e absorvem aquilo que não é tangível em verbo, matéria de desejos viscerais que não se exprimem em ato, dilacerava um pouco mais.
Nas brechas que surgiam na rotina que ia se estabelecendo, a loira descobriu afinidades e estreitou laços. João Gomes estava adorando a sua nova moradia, dado a luxos e mordomias. A forasteira não poupava esforços para mimar o seu primogênito.
- Quem é o menininho da mãe dele? - Perguntou em voz alta por achar que estava sozinha.
- Já tá assim? Mãe de bezerro é vaca, So. - Zeca, que havia se mostrado uma companhia alegre e brincalhona, anunciou sua chegada.
- Ah, quer dizer então que o touro pode ser o finado que Deus o tenha e lhe guarde bem longe, mas o meu João Gomes não pode ter alma de criança? - Levou a mão a cintura e semicerrou os olhos.
- Eita que num 'tá mais aqui quem falou. - Respondeu assoprando feno nos fios loiros e eles travaram uma batalha que terminou com os dois no chão, rindo de se acabar.
⊰✵⊱
Júnior também foi se chegando. Tanto é que certo dia, num fim de tarde, bateu na porta do quarto que Soraya dividia quando ela estava sozinha, lendo uma revista que achou por aí, deitada de bruços na cama. Ele perguntou se ela teria um tempinho para prosear.
- Se tenho? Ô, Júnior, o que eu mais tenho é tempo e nem sei o que fazer com tanto. Tome um pouco pra você. - Respondeu se sentando, enquanto ele riu e se aproximou.
- Soraya, sabia que você é assim... - Parecia procurar uma palavra em específico, como se não tivesse costume de utilizá-la no seu vocabulário. - Bonita? - Finalizou ao se sentar na beirada da cama.
- Saber eu sabia que tem uma danação de espelho nessa casa. - Aquele elogio a deixou um pouco receosa.
Muito se diz sobre amizade entre homens e mulheres. Que se trata de um conceito unilateral, que sempre há vontade de ultrapassar os limites da intimidade. Sua hesitação se mostrou infundada com a afirmação que veio a seguir:
- Você poderia ser ainda mais. - Júnior disse numa simplicidade assombrosa.
- Como é que é? - Ela até se sentiria insultada, se não estivesse genuinamente surpresa.
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A Promessa da Viúva [Simone x Soraya]
FanfictionSimone Tebet é a viúva que todo peão pediu a Deus. A mulher é altiva, decente e dona de uma beleza atemporal. Justamente por isso, abomina qualquer investida que lhe direcionam: não vai colocar sua reputação a perder por tão pouco. Mas, quando uma...