IV. Dengo

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Depois de aceitar os termos que Simone estabeleceu, Soraya foi incentivada a explorar a fazenda por conta própria. A única recomendação sendo que ela não arrumasse encrenca e nem importunasse ninguém já que, nas palavras da mais velha, ela era "um imã para todo e qualquer tipo de confusão", a loira ainda podia ouvir o timbre mais grave, de quem anuncia algo incontestável.

Foi informada de que começaria no dia seguinte, quando o galo cantasse. A morena então esclareceu que as seis horas ela deveria estar de pé e pronta para se apresentar ao serviço, não teve a sensatez de dar mais detalhes sobre o que exatamente a forasteira faria ou o que seria exigido dela, mas garantiu que começariam pegando leve para que ela pudesse se acostumar.

Estava perambulando pelos arredores da propriedade, quando capturou um vislumbre de si mesma numa vidraça empoeirada. Os cabelos estavam desgrenhados, naquela região ventava bastante, o semblante era um pouco mais complicado de decifrar. Apesar de se reconhecer, seu olhar chegava a lhe causar vertigem. Um precipício sem fim que parecia convidá-la. "Eu sempre estive aqui, eu me lembro de você, você não se lembra de mim?" Desviou do seu reflexo com agilidade, correndo pelos campos abertos até quase dar um encontrão num pobre desavisado.

— Valha! Onde que é o incêndio? —  O jovem brincou.

— Desculpa! Eu não... Eu só me distrai. É. Foi isso. — Soraya se explicou sem jeito.

— A moça deve ser a nova protegida da Sra. Tebet. Meu nome é Zeca, sou adestrador. — Ele estendeu a mão.

Soraya só conseguiu pensar que a forma como ele falou, dava a entender que a morena teria tido outra protegida. Porque se ela era a nova, significava que havia uma antiga. Demorou alguns segundos para cumprimentá-lo devidamente.

— Me chamo Soraya. Ainda não sei o que vou ser aqui, mas não tenho pretensão nenhuma de ser o chaveirinho da patroa. — Disse se aproximando do cercado que delimitava uma área vasta, mas que ela não conseguia observar animal nenhum, talvez aquele espaço fosse utilizado apenas para treinamento. — Você trabalha aqui? — Perguntou apontando para o local aparentemente vazio.

— Eu tento. — Ele respondeu um pouco acanhado.

— Quais são os bichos que você adestra? — A loira indagou.

— Minha única função é tentar adestrar minimamente um bicho. Para o manejo básico do dia a dia.

— Ah! O tal touro que cowboy nenhum consegue domar. — Ela se lembrou do comentário de Simone e da sua recomendação para que ficasse distante do animal.

— Você conhece a fama do Bandido? — Zeca pareceu mais empolgado.

— Não exatamente. Só que ele é invencível. — Inclinou o corpo para frente, se escorando na cerca de madeira. — É mesmo?

— Olha, vou te falar que ele tem um temperamento que eu nunca vi. Parece até mesmo gente e tem quem diga que é. — Cochichou como se fizesse uma confidência.

— Como assim? — Ela questionou, inclinando a cabeça para o lado direito.

— É quase uma lenda. Dizem que o falecido marido da Sra. Tebet encarnou no touro. Que por isso nenhum outro homem consegue domá-lo, que ele se mantém assim pra guardar a viúva.

Soraya gargalhou, acreditando se tratar de uma piada. E das boas! "Onde já se viu? Um homem encarnar num touro? Nem se em vida fosse o animal mais chifrudo dessa terra. O povo inventa cada coisa."

— Vai me perdoando, Zeca, mas isso aí é pior que o conto do vigário. — Ela continuava achando hilário que alguém acreditasse num absurdo daqueles.

A Promessa da Viúva [Simone x Soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora