A Promessa da Viúva [Simone x Soraya]

VII. Densidade

A segunda semana da forasteira na Fazenda Horizonte se mostrou um caleidoscópio de momentos que poderiam ter sido insignificantes e não foram. O efeito visual que aquele prisma gerou nas cores da sua existência, deixou uma certeza alarmante: poderia até não ser recíproco, mas platônico também não era.

Gente tem mania de ser e continuar sendo tridimensional. E a terceira dimensão de Simone Tebet era uma coisa enigma, um sacramento muito do sacramentado no cerne de uma experiência que não passa, atravessa.

A lembrança do esquecimento ainda é memória viva. "Hoje eu nem pensei nela." Dizia enquanto pensava.

Nesses lapsos, ou períodos sabáticos, costumava contemplar seus princípios e o peso de sua bagagem.

Como quando recordou com doçura e nostalgia que seu primeiro beijo trocado foi numa amiguinha, com a desculpa de que assim elas aprenderiam a roçar nos lábios dos garotos. Tinham tanta vergonha de não saber o que fazer na hora H, que anteciparam entre si o acontecimento. Uma. Duas. Três vezes. Só pra garantir que tinham mesmo dominado a técnica. Amália beijou os rapazes. Casou-se com um. Soraya também trocou carícias. De matrimônio não quis saber.

Fazer sexo é fisiológico, o desejo mora em outro lugar. No cheiro. No olhar que se dispõe a ver. No prazer em ser vista. É no apreço aos detalhes que reside o tesão.

Tinha uma outra conhecida, essa mais velha, que vivia dizendo que bastava dar. "Dá, Soraya. Dá logo!" E ela até dava, quase sempre por dar. Isso quando chegava a tanto, já que na maioria das vezes, desistia ao ser confrontada pelo panorama geral: suas chances de gozar eram ínfimas. E também se sentia um pouco ridícula transando com homens e voltando pra casa pra se masturbar pensando em peitos.

"Mas é assim com toda mulher, não é?" Aparentemente não, pois quando comentou por alto que gozava mais rápido pensando no corpo feminino, ouviu de uma estranha que havia se tornado sua confidente na fila do banheiro de um barzinho insalubre, que aquilo não era normal. "Você não gosta de homem?" Ao que Soraya respondeu: "Gosto tanto quanto é possível gostar." O que não era muito, mas já era alguma coisa. Ou não?

Fragmentos de circunstâncias que foram responsáveis por levá-la até ali.

— Terra chamando Soraya. — Foi desperta do devaneio pela voz mansa de Zeca.

— A pessoa não pode nem se distrair um pouco. — Reclamou.

— Um pouco demais, só se for. Eu 'tava quase tocando o berrante pra ver se te trazia de volta a realidade. — O rapaz estava trançando uma corda em um laço de 4 tentos.

— A realidade é superestimada, Zé. — A loira disse em um lamento custoso.

— Mas ainda é o que a gente tem de mais precioso. — Alegou o jovem que sonhava com os pés no chão.

— Fale por você. — Soraya respondeu ranzinza.

— Que bicho que te mordeu? — Ele finalizou o trabalho e pareceu satisfeito. — Quer saber do quê mais? Nem me conta, vem comigo que eu vou te apresentar uma criatura capaz de te mostrar que a vida real tem sua beleza.

Eles caminharam num silêncio confortável até um cercado amplo. A forasteira viu um equino deslumbrante que ao se movimentar, possuía uma passada um tanto quanto errante, como se a pata dianteira estivesse machucada.

— O que aconteceu? — Questionou ao colocar uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— A vida, que é o que acontece com todos nós. Aquela é a égua da patroa, o nome dela é Esquerda, porque ela tem uma instabilidade na patinha esquerda, 'tá vendo? Seria sacrificada, é uma Andaluz, raça extremamente estável, não é de recuar em situações caóticas, mas foi conduzida por mãos inexperientes, uma série de treinamentos forçados, fadiga muscular, excessos de repetições... Desenvolveu uma tendinite severa. Teve um péssimo desempenho em uma vaquejada, estava sentindo muita dor, e o tutor ficou tão irritado que decidiu que ela não valia mais o seu esforço. Reabilitar um animal é trabalhoso, exige paciência e dedicação. A Sra. Tebet que acompanhava tudo de perto, tomou a frente, adquiriu a bichinha e levou direto para as mãos da melhor veterinária de Boiadeiros. Ela ficou impossibilitada de competir, também não aguenta ser montada por longos períodos, mas continua aqui.