Capítulo 20

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Liz

Daiane me ligou pela manhã marcando de me ver para dar mais informações sobre as cenas, a primeira, em específico. Acho que teremos muitos encontros. Saí de casa uma hora antes da reunião, vim ao café tomar meu café com leite e comer um misto, estou pronta para ir à editora daqui ou depois de passar numa loja de utilidades para comprar os quatro porta retratos que estão faltando no meu corredor. Minha roupa de hoje é um vestido social marrom, das roupas que comprei naquele dia com minha mãe, e optei por um par de sapatilhas pretas, que combina com minha bolsa de trabalho. Prendi o cabelo num coque, estou me sentindo muito profissional e elegante. De maquiagem passei o básico para não parecer que estou de maquiagem com exceção do batom nude. Só corrigi as sobrancelhas e cobri a leve olheira, com a qual acordei hoje.
— Aqui seu pedido.
Sorrio para Sofia e a agradeço.
— Tem um tempinho que você não vem aqui, tem conseguido ilustrar?
Tomo um gole da minha bebida.
— Sim e consegui um novo contrato na editora.
Ela vibra por mim, sorrindo. Eu fico honrada com o gesto raro.
— Parabéns, Liz. Já pode falar qual livro será? Quero ir à estreia e comprá-lo para minha neta.
Ah! Ainda não contei para ela que mudei meu foco no trabalho e não estou ilustrando um livro infantil.
— Fui contratada para um livro de suspense. Desculpa decepcionar.
Dou um sorriso amarelo. Sofia arregala os olhos.
— Pois então vou comprá-lo para mim. Eu adoro suspense!
Fico surpresa com a notícia. Nos conhecemos há tanto tempo e não sabia disso.
— E eu ilustrei uma pessoa real.
Seus olhos brilham. A moça do balcão vem chamá-la para atender duas mesas que foram ocupadas agora.
— Vai lá atendê-las.
A moça sai e ela vira os olhos.
— Novatos. Não sabem que todos fazemos tudo aqui.
Sorrio e ela se lembra de onde paramos.
— Ah sim! Quem foi seu modelo?
Meu sorriso se desfaz.
— Ah, é...
Limpo a garganta.
— Foi o cara misterioso que você ilustrou aquele dia?
Pisco, aturdida. Então ela reparou que naquele dia eu ilustrei Rui? Nunca deveria ter duvidado de sua sagacidade. Dou um sorriso sem graça e respondo sua pergunta com a cabeça.
— Hum...
Tomo mais um gole do meu café e dou uma mordida no misto. Sofia põe uma mão sobre o quadril largo e aproxima seu rosto de mim, desconfiada.
— Estão namorando?
Eu me engasgo e então ela vem bater em minhas costas. Tento engolir o que está na boca depressa para melhorar logo. A mão de Sofia é pesada. Não sei se está me ajudando ou me machucando, ela para e consigo controlar minha respiração. Depois de alguns minutos finalmente volto ao normal. Olho em volta, o lugar está cheio e todos olharam para mim.
— Que vergonha.
— Não liga para ninguém. Deveriam tomar conta da vida deles.
Ela fala alto e fico ainda mais envergonhada, mas logo acho graça. Ela dá de ombros e finalmente se senta à minha mesa.
— E aí, estão?
Sei que Sofia é um pouco grossa, sei que não tem paciência e que também não é muito agradável, mas Sofia é verdadeira, ela fala o que pensa sem enfeitar, ela me lembra Rui. Eu valorizo pessoas assim.
— O que acha dele?
Respondo com outra pergunta, tenho certeza que sua opinião será bem útil para mim. Ela faz da boca, um “u” invertido.
— Bonito.
Dou risada de sua resposta tão espontânea, ela me acompanha achando menos graça e dando de ombros.
— Eu quero sua opinião sobre uma característica mais relevante.
Peço.
— Hum... Eu não o conheço, Liz, mas ontem esteve aqui com uma mulher.
Presto atenção, então Sofia estava aqui quando ele trouxe a loira. Será que...
— Você conseguiu perceber se eles namoram?
Ela pisca, analisando sem pressa minha preocupação.
— Acho que deve conversar com ele. E respondendo sua pergunta: ele me parece decidido.
Mas o que isso quer dizer? O que Rui fez ou disse para que Sofia pensasse isso dele? Seja o que for pelo menos tirou uma boa conclusão de sua personalidade.  Eu realmente gostaria de saber o que Sofia presenciou ou o que ouviu de sua conversa para ter tido essa impressão dele, mas acho melhor não insistir. Depois da minha reunião com Daiane vou passar na casa de Tadeu e ver se Rui chegou, então tirarei toda história a limpo de uma vez por todas.
Sorrio para Sofia e um garçom — que também parece ser novato — vem e cochicha algo em seu ouvido.
— Outra vez?
Sofia reclama e se levanta, chateada.
— Tenho que ir, Liz. Fica bem.
Ela tira um docinho que parece um brigadeiro branco e me entrega.
— E assim que o livro for lançar, me avisa. E aparece mais por aqui.
Eu agradeço o docinho que só pode ser saudável e abaixo a cabeça para sua reclamação. Ela dá uma piscadela e segue para os fundos do café. Realmente não tenho vindo tanto quanto antigamente quando era só ouvir o sino da porta enquanto passava por ela que já vinha inspiração. Na verdade, as ilustrações apareciam prontas na minha cabeça, eu só precisava jogá-las no papel. Era fácil para mim, fazia isso há anos e sempre muito bem feito. Mas hoje sou dependente de um modelo para ilustrar e não faço mais objetos inanimados nem animais. As coisas mudaram, eu mudei.
Eu me concentro finalmente no meu café da manhã que já está esfriando e olho a hora, me certificando de que vai dar tempo de ir à loja de utilidades antes da minha reunião.

***

Depois de comprar o que queria, chego com antecedência à editora. Não demora muito e sou chamada à sala de Daiane. Eu me sento colocando minha bolsa no braço da cadeira e ela logo começa a explicar como será a primeira cena — comigo já contratada — que farei de seu livro. O padrão continuará o mesmo: cenas do protagonista em várias situações e lugares diferentes com um acréscimo.
— Consegue me entregar amanhã?
Eu pisco, surpresa pela pressa. À princípio disse que me daria mais tempo, o que houve?
— O processo de edição do livro está bem adiantado, então antecipei a data de estreia.
Para mais nervosismo meu, ela diz isso calma e alegre. E devido a ausência de Rui e não saber quando volta, não posso prometer esse trabalho para amanhã.
Limpo a garganta.
— Acho que não consigo ver Rui hoje.
Seus olhos ficam confusos e sua testa se franze.
— O quê?
Imediatamente me arrependo do que disse, eu deveria ter te contado que tenho um modelo para ilustrar desde o início e que sem ele não teria feito nada do que fiz, mas na última vez que vim aqui, quando percebi que Daiane ainda não sabia da ajuda de Rui, não devia ter adiado. Enfim chegou a hora.
— Eu não inventei um personagem. Ele é uma pessoa de verdade que coincidentemente lembra seu personagem.
Daiane se levanta de sua cadeira depois de bater na mesa com as mãos.
— Você contratou um modelo sem minha autorização?
Ela levanta o dedo e eu me afundo mais na cadeira.
— Sequer comentou isso comigo antes de ser contratada.
Daiane cruza os braços finos dentro do blazer rosa claro.
— Não esperava isso de você, Liz. Estou decepcionada.
Ela balança a cabeça veementemente e fica quieta, acho que é minha deixa para explicar.
— Daiane, eu sinto muito.
Tomo fôlego para continuar.
— Na primeira vez que eu tinha conseguido ir à cafeteria que eu frequentava  para ilustrar, eu só consegui quando vi um estranho.
Ela bufa.
— E então vim aqui e você me deu uma oportunidade. Logo o fiz a proposta de trabalhar comigo e ele aceitou.
Eu balaço a cabeça.
— Em nenhum momento eu tive a intenção de te enganar. E eu só me dei conta de que você ainda não sabia, na última vez que vim aqui.
Ela vira os olhos e respira fundo.
— E Rui está recebendo para posar para mim, ele nem deve fazer questão dos direitos de imagem.
Arrisco, sabendo que não é justo ele ficar sem receber e já planejando dividir minha parte com ele.
— Eu que não posso arriscar meu livro a uma possibilidade dele não fazer questão.
Realmente, no futuro, Rui poderia processá-la por expor sua imagem sem ter recebido o pagamento adequado por isso. Conhecendo ele, acho que jamais o faria, mas é possível ficar ressentido, já que o livro tem tudo para ser um best-seller. Mas Daiane amou minhas ilustrações, palavras dela. Espero que me perdoe e que aceite pagar ao modelo.
— Não acho que Rui se preocuparia em pedir muito. E também pode tirar metade dele da minha parte.
Tento amenizar. Ela bufa e senta em sua cadeira.
— Ainda não consigo ilustrar sem Rui.
Digo, desanimada.
— Eu preciso desse trabalho, Daiane, por favor, não o tire de mim.
Insisto. Se precisar me ajoelhar, farei isso. Realmente acredito que teria uma bela recaída se perdesse esse trabalho.
Ela passa a mão nos fios loiros soltos e os joga para detrás do ombro enquanto encara sua mesa.
— Ai, Liz, Liz...
Ela suspira e finalmente olha para mim.
— Eu não quero ter que trocar de ilustrador porque eu realmente gostei do que fez.
Eu engulo seco, sentindo que um “mas” vem aí.
— E não vou fazer isso.
O “mas” não veio. Será que posso comemorar?
— Eu amei as ilustrações e fico impressionada em saber que essa cara existe.
Ela arregala os olhos e eu acompanho sua risada alta, não tão feliz com sua animação repentina.
— Eu preciso do número dele.
Para que raios...?
— Para informá-lo de sua contratação.
Dou um sorriso sincero, satisfeita que não perdi meu trabalho, mas desconfortável com seu pedido.
— Pode deixar que eu o informo, mas muito obrigada, Daiane.
Ela levanta as sobrancelhas com um sorriso esperto. Acho que já entendeu que Rui não está disponível para ela.
— Ok. Fico feliz de estar dando continuidade em sua carreira e nas outras áreas também.
Acho que corei agora. Agradeço rápido mais uma vez e peço até o fim do dia para confirmar quando poderei te entregar a ilustração, tendo pressa, é claro. Ela concorda e eu me despeço, pegando minha bolsa e saindo de sua sala.
Descendo a escada do prédio pequeno procuro o nome de Rui na agenda do meu celular e ligo para ele, ansiosa para contar a novidade incrível que o envolve. Mas ele não atende. Tento outra vez, me convencendo de que mesmo quando vir duas chamadas perdidas minhas não vai me achar desesperada. Mas Rui não atende de novo. O sorriso que estava no meu rosto acaba de sumir, ele já está em outra cidade e agora nem me atende. Isso me faz pensar que está ocupado com a tal loira. Viro os olhos, irritada pela minha suposição e lembro que decidi passar na casa de Tadeu agora só para confirmar se Rui ainda não chegou, torcendo para que tenha chegado.
Caminho até meu carro que deixei do outro lado da rua respirando devagar o ar fresco. É um dia lindo de sol e bastante vento. Meu clima preferido, no meu lugar preferido. Penso em ir à uma praia daqui. São todas lindas, mas eu tenho algumas preferidas para banho, como Geribá, Azeda, e Azedinha. Entro no carro fazendo uma nota mental de contar meu desejo às minhas irmãs. Sol, de resguardo não vai poder, mas posso ir com Ada e meus pais. Sorrio lembrando dos muitos bons momentos que passamos nas praias. Lembro também de Otávio. Ele se esforçava em jogar vôlei de praia comigo mesmo não gostando. Por vezes ficávamos sentados na areia esperando para ver o pôr do sol. Era romântico, era incrível. Suspiro alto depois dessa última lembrança arrebatadora e dou partida no carro.
Já na rua da casa de Tadeu diminuo a velocidade do carro para ter tempo de procurar a moto de Rui em frente da casa e dentro da oficina se necessário sem ter que descer caso ele não tenha chegado. Mas vejo sua moto estacionada em frente a casa ao lado da varanda. Paro o carro, aliviada, e com um sorriso besta no rosto. Finalmente ele chegou. Pisco e vejo Rui surgindo por detrás da porta. Com roupa na paleta de cor de sempre e com o semblante sério de sempre, coloco a mão sobre meu coração para tentar acalmá-lo e então decido sair do carro, abro a porta enquanto o olho de novo e dessa vez tenho uma surpresa ruim, uma loira surge atrás dele, à medida que ela sai da casa, meu sorriso diminui. A mulher toca o ombro de Rui, que se volta para ela. Não acredito que ele a trouxe para a casa de Tadeu. Sua suposta ex-namorada não deve mais ser ex. Como eu fui estúpida em acreditar que a suposição dele estar com ela poderia ser só uma suposição. Ele ter fugido do nosso quase beijo, ele tê-la levado à cafeteria, ele ter voltado para sua cidade foram sinais bem claros que não quis ver. Não duvido nada ela ser de lá e ele ter ido encontrá-la, ou pior, buscá-la. O óbvio estava na minha frente o tempo todo e eu fechei os olhos. Rui está namorando. Fecho a porta do carro com força sem me preocupar em fazer barulho e dou partida. Olho rápido em sua direção e consigo ver que Rui e a loira olharam para mim, mas não acredito que ele tenha me reconhecido. Olho pelo retrovisor e então Rui aparece. Pelo visto me reconheceu. Acelero mais um pouco até quase o fim da rua, quando desacelero e viro a esquina, perdendo Rui de vista por completo. Por que isso tinha que acontecer logo agora quando eu finalmente já tinha aceitado que esse sentimento não é traição a Otávio e estava se sentindo bem em gostar de outro homem que não fosse meu falecido marido? Logo agora que parecia ser recíproco e cogitei ter uma segunda chance no amor.
Algumas lágrimas percorrem meu rosto, as seco bruscamente com uma mão quando ouço meu celular tocando. Olho para a tela e leio o nome de Rui, rejeito sua chamada e segundos depois meu celular volta a tocar, rejeito de novo. Sendo sincera comigo mesma, não é só isso que sinto que Rui me escondeu. Quando pergunto sobre seu passado, sua cidade natal, se esquiva do assunto. Ele me contou sobre a morte do pai, eu contei sobre a de Otávio, ele contou que também perdeu a mãe, contei que tive depressão, ele mostrou para onde se mudou e onde trabalha, eu o mostrei minha casa e meus sentimentos. E então ele fugiu dos seus e de me contar mais sobre si. Realmente não consigo acreditar que tudo que me esconde acerca de seu passado seja a tal loira. Tem pelo menos mais alguma coisa. Talvez sobre a morte de sua mãe, mas pensando bem, também não me contou sobre o motivo de ter vindo para Búzios nem se deixou amigos ou parentes lá sequer me disse sua idade. Então pode ser um problema com qualquer uma dessas coisas com exceção da última. Eu não sei como logo Rui, de quem não sei muita coisa,  foi minha inspiração para voltar a ilustrar e foi por quem me apaixonei.
Chega uma notificação no meu celular que olhando rápido consigo ver que é uma mensagem de Rui.
“A onde está indo??”
Eu desdenho rindo, irritada. Eu não mexo no celular quando estou dirigindo — pelo menos não depois do acidente que sofri com Otávio — quando vi que qualquer distração no trânsito pode ser fatal, mas mesmo que estivesse com o carro parado não responderia sua mensagem. Assim que chego em frente de casa, recebo outra mensagem, agora de Sol falando algo sobre Benjamim. A mensagem é longa e não dá para ler só pela notificação, então assim que termino de estacionar o carro em frente à minha garagem, pego o celular e leio seu pequeno texto explicando que meu sobrinho receberá alta do neonatal amanhã pela manhã. Suspiro de alívio, fico feliz por ele estar saudável e não precisar mais de uma incubadora e de cuidados médicos o tempo inteiro. Respondo Sol, animada. Mas me culpo por ele ter ficado quase uma semana no hospital e eu só tê-lo visitado uma vez. Sorrio para mim mesma lembrando de seu rostinho pequeno e ansiosa para poder segurá-lo no colo. Pego minha bolsa e a sacola com os porta retratos que comprei mais cedo e saio do carro e da mensagem aberta de Sol, vendo de novo a de Rui que sequer abri, a ignoro novamente e sigo para a porta de casa. Viro a chave e entro, levando um susto com meu pai parado em pé na sala. Ele ri do meu grito fino e trêmulo enquanto eu ponho a mão no coração, tentando me acalmar.
— Desculpa pelo susto, filha, não foi a intenção.
Ele chega mais perto e me dá um beijo na testa. Eu dou alguns passos e deixo minha bolsa e sacola sobre o sofá.
— Tudo bem. Veio trazer um bilhetinho?
Pergunto já mais calma, reparando finalmente que está no seu uniforme azul marinho.
— Sua mãe insistiu para eu ver se está precisando de alguma coisa.
Semicerro os olhos, chateada com os dois por desconfiarem da minha capacidade de me cuidar. Mas logo lembro que dependi deles por quase dois anos e os perdoo.
— Mas trouxe um.
Ele tira um bilhete de seu bolso da frente do uniforme. Eu agradeço e ele pede para eu ler depois, então o colo em cima da mesa de centro.
— Obrigada, pai.
Sorrio para ele que retribui o gesto, fazendo aparecer suas poucas rugas.
— Também vim te chamar para comemorarmos as duas ótimas novidades. Já está sabendo?
Quando ele veio, deve ter imaginado me encontrar em casa e acabou encontrando afinal.
— Benjamim vai receber alta.
Digo alto, animada, mas curiosa para saber a outra notícia.
— E a sua contratação.
Ele diz depois de uma longa espera minha. Inclino a cabeça para trás.
— Ah. Verdade.
Sorrio, escondendo minha preocupação em conseguir trabalhar com Rui depois de tudo que aconteceu hoje. Então lembro que Daiane pediu pressa para a próxima cena, mas a última coisa que quero agora é ver Rui quem dirá ilustrá-lo.
— O que pretende fazer?
Pergunto, tentando manter o foco na conversa.
— Pensei em um jantar.
Fazer tarefas em casa já me ajudou a pensar menos em Rui antes, talvez possa me ajudar de novo.
— Eu posso fazer o jantar.
Arregalo os olhos, animada com minha ideia, lembrando da sensação boa que é de servir a família e ela ficar satisfeita com minha comida e com meu esforço. Tenho saudades dessa sensação.
— Tem certeza?
Seus olhos castanhos brilham com minha sugestão. Balanço a cabeça em resposta.
— Posso mandar Ada para te ajudar.
Quando cozinhava em quantidade, eu preferia fazer isso sozinha e em silêncio para organizar tudo na mente e não errar ou esquecer de nada.
— Se precisar, eu ligo.
Dou uma piscadela. Ele sorri e põe as mãos nos meus ombros.
— Estou tão feliz e orgulhoso por você, Liz.
Eu o abraço, agradecendo pelo elogio e por ser quem é. Meu pai se despede de mim e caminha até a porta. Mas antes de ir, se vira e me entrega a cópia da chave que fizeram daqui logo depois que voltei para cá sem Otávio. Eles sabiam que eu precisaria de cuidados. Essa atitude que meu pai acaba de tomar mostra que ele confia em mim, acho que ainda mais que minha mãe confia, mas não preciso me preocupar em tomar susto de novo, a não ser por Ada, que ainda tem a dela. Eu sorrio para ele, que vai embora.
Tiro os sete porta retratos da sacola, ansiosa para preenchê-los, então os levo para frente do rack e sento no chão. Pego os três álbuns de fotos que tenho e os coloco ao meu lado no chão, procuro com cautela quais fotos da minha família devem substituir os espaços vazios na parede.
Levo mais de meia hora para escolher porque acabei viajando a para o momento de cada foto que via. As escolhidas foram: duas de mim com minhas irmãs que Otávio tirou numa praia, duas dos meus pais em sua renovação de votos uns dois anos atrás, uma de mim criança com meus bisavós maternos falecidos desde essa época — infelizmente não conheci os meus paternos — e duas com a família toda em datas festivas.
Assim que coloco os porta retratos novos na parede, decido arrumar espaço para um com Benjamin e um com toda a família, que pretendo tirar no dia do jantar, então retiro dois porta retratos que tem fotos com Otávio, uma dele me abraçando por trás no nosso ensaio pré-casamento e outra do mesmo dia de nós dois sentados numa pedra grande na nossa praia preferida: Azedinha. Sorrio para as fotos, que me trazem tantas boas lembranças e as levo para o rack da sala. Dessa vez as tiro dos porta retratos brancos como os outros e as guardo sem nenhuma proteção. Eu me sinto mal por deixá-las tão expostas e as coloco de novo em seus porta retratos. Acho que já estou evoluindo bem no meu tempo, não preciso exagerar. Posso passar na loja de utilidades sempre que eu precisar. Ainda tem sete fotos minhas com Otávio, então talvez eu compre logo nove porta retratos e os deixo guardado para quando conseguir trocar. Fico surpresa por estar sendo tão otimista que parece insensível e deixo esse assunto para decidir depois. Guardo os álbuns e fecho o rack. Levanto e suspiro olhando em volta, vejo então o bilhete que meu pai me deu em cima da mesa e aproveito para lê-lo.
“O que não é conversado não é resolvido.”
E pela segunda vez, meu pai tem um conselho perfeito para um problema meu sem sequer ter sabido do problema. Lembro que mais cedo na cafeteria, Sofia também disse para eu conversar com Rui. Acho que é mesmo o que devo fazer, afinal estou mesmo curiosa para ouvir tudo o que tem a dizer, mas vou deixar ele me procurar mais uma vez.

Um passo de cada vez (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora