Liz
Chegando em casa mais cedo, sentei no sofá, colocando a bolsa pesada do meu lado. Suspirei fundo, satisfeita com tudo que havia acontecido hoje, mas lembrando que ainda faltava uma coisa.
Eu realmente estava ansiosa para ler o livro de Daiane, mas também queria muito terminar minha lista de cinco passos, da qual eu pulei o quarto, que é voltar à academia. Realmente sinto falta de exercício físico. Tinha bastante massa magra e era bem satisfeita com meu corpo, diferente de como estou agora.
Tirei o manuscrito da minha bolsa e o deixei na mesa de centro da sala. Sigo para meu quarto e troco minha roupa por um legging e blusinha.
Agora vou à cozinha para pegar uma maçã, passo por aquelas fotos e dessa vez decido não ignorar. É inevitável pensar em como Otávio reagiria se me visse assim depois de nem um ano de sua trágica morte. Lembrando de sua personalidade resiliente e de seu amor por mim, a resposta é óbvia: ele ficaria feliz por mim. Beijo a ponta do meu dedo e o encosto em cima de seu lindo rosto no quadro. Essa foto, diferente das outras, não é do dia do nosso casamento. É do nosso primeiro aniversário de namoro. Estamos na praia dos ossos, ele me abraçando e eu sorrindo para o celular que tirou a foto. Sua irmã, Cíntia, quem a tirou. Saímos em casais nessa época, até ela terminar com esse namorado e ficar solteira até então. Eles nos acompanhavam nas pedaladas, que Otávio amava fazer. Eu nunca gostei, mas sempre ia para agradá-lo até porque ele treinava quase todos os dias na academia do bairro comigo porque eu sempre gostei. A única atividade física que nos dois amávamos era vôlei de praia. Já fazia tempo que não jogávamos por conta do meu trabalho. Meses antes de nos casar, eu resolvi pegar o máximo de desenhos que consegui para pagar várias coisas da festa de casamento que eu fui acrescentando, como o carrinho de crepe, o de pastel, cabine de fotos, dentre outras coisas caras.
Respiro fundo ao lembrar dessa correria boa. Da melhor época da minha vida. Mas desperto das lembranças que não irão voltar e me apresso em melhorar a vida que tenho agora. Vou à cozinha e finalmente pego aquela maçã, passo na sala para pegar minha bolsa e calço meu tênis que trouxe antes do quarto.
***
Chegando à academia que sempre frequentei, Carla me recepciona.
— Oi, Liz. Como você está?
Quase não a reconheci. Quando vinha aqui, ela tinha o cabelo não tão longo e era castanho. Gostei do que fez nele, mas odiei sua expressão de pena.
— Estou bem. Pode reabrir minha matrícula?
Lembro também que a vi, mas não tinha reconhecido, na cafeteria dias atrás quando eu ilustrei o estranho misterioso que acabou riscando meu esboço. Carla falava dele com uma amiga, interessada. Não que isso que me interesse.
— Claro.
Ela me olha de cima a baixo.
— Emagreceu bastante!
Ela finge me parabenizar como se eu quisesse ter perdido toda a definição e músculos que tinha. Fico em silêncio enquanto ela faz o que pedi. O processo é bem rápido visto que ainda tem todos meus dados necessários no sistema.
— Prontinho. Sua senha eletrônica continua a mesma.
Agradeço rápido e fujo dela antes que pergunte mais alguma coisa com dó. Digito os dois dígitos e a catraca se abre. Passo o corredor enorme e finalmente chego à cadeira extensora. No caminho para cá decidi começar com inferiores, era o que eu mais gostava de treinar.
Antes de começar as repetições, me alongo um pouco e então sento no aparelho. No meio do exercício, ainda sem muita dor, meus olhos se perdem pela academia e acabam encontrando o estranho da cafeteria.
— O que ele está fazendo aqui?
Murmuro enquanto me forço a não encará-lo. Enfim lembro de terminar o exercício e descanso.
Vira e mexe, sinto ele olhar para mim. Já tem alguns minutos que o ignoro então resolvo olhar justo quando ele me encara. Seu rosto sério me dá calafrios. Fico incomodada, mas também sinto vontade de responder ao seu olhar.
Ele está com uma regata soltinha e alteres pesados fazendo elevação lateral e não para seu exercício. Resolvo finalmente dar fim ao meu último descanso nessa máquina e sigo para outra, que não nos permita estar em uma comunicação silenciosa.
Um tempo depois, termino meu treino, mas notei que tem meia hora que o estranho está na esteira, como se estivesse esperando eu acabar. Outra vez sinto o corpo arrepiar. Eu até pretendia fazer dez minutos de aeróbico, mas não quero ficar perto dele, então me dirijo rapidamente à saída. Dou a última olhada para a esteira onde ele está e tomo um susto. Ele não está mais lá. Resolvo me apressar já discando o número da polícia, pois se ele vier falar comigo eu aperto em uma tecla discretamente e chamo socorro. Dou passos largos e quando já estou quase na próxima esquina, o vejo saindo da academia e subindo naquela moto. Mais rápido do que estou andando agora só correndo mesmo, mas é melhor não chamar tanta atenção, isso pode ser só coisa da minha cabeça. Quando estou finalmente me tranquilizo por ele ter passado por mim, ele para a moto alguns metros na minha frente e eu por instinto começo a voltar para a academia.
— Por que está me seguindo?
Fico aturdida e paro imediatamente. Pensando que o que está acontecendo é exatamente o contrário. Qual o problema desse cara? Viro-me olhando para ele.
— É você que está atrás de mim.
Meu bairro sempre calmo demais, permite pouca iluminação. Nunca temos problemas com violência por aqui, isso acaba não despertando a atenção do prefeito para investir em postes, o que tem por consequência várias ruas escuras. E esta ainda não tem muito movimento, já que tem poucos estabelecimentos.
O homem desliga e desce da moto, vindo atrás de mim. Acho que estar irritada me fez ter coragem ou demência suficiente para ficar parada. A um metro de mim, ele retruca:
— Você é amiga dela, não é? Fala o que quer comigo, garota.
Arregalo os olhos, ainda mais aturdida já que agora parece que está me confundindo com alguém. Na verdade, isso é motivo para me tranquilizar já que obviamente não sou quem ele procura.
— Amiga de quem? Olha, você está enganado. Eu não quero nada com você!
Ele desdenha e umedece os lábios devagar.
— Então me ilustrar e ir à mesma academia que eu no mesmo dia é só uma coincidência?
Respiro fundo rápido, irritada o suficiente com a situação para dar um fim nela.
— Uma infeliz coincidência.
Lamento com repúdio, dando ênfase ao adjetivo. Ele chega ainda mais perto, ameaçador. Tão perto que tenho que olhar para cima para encará-lo.
— É amiga dela ou não?
Minha testa se franze, cansada desse interrogatório enigmático — ele parece não querer falar o nome dela mulher. Cansada demais para prolongar o assunto.
— Eu não tenho amigas.
Admito. Sempre tive as companhias das minhas irmãs e além da escola, onde tive amizades, quando sai as únicas que permanecem, foram apenas Sol e Ada.
Ele tenta esconder seu alívio e mesmo eu tendo respondido, ele não se afasta.
O estranho treinou até suar, mas ainda assim está com um cheiro bom amadeirado. Fraco para ser um perfume e forte para não ser nada, deve ser um desodorante. Enquanto seus olhos, pela pouca luz, negros, agora mais tranquilos estão fixos nos meus, fico mais calma, o que é bem contraditório já que mesmo assim ele parece prestes a me ameaçar.
Sua testa se franze de repente se forçando a lembrar de que ainda posso ser uma ameaça.
— Fique longe de mim.
Pronuncia cada sílaba com precisão. Seus olhos percorrem meu rosto devagar, causando outro arrepio. Quando chegam aos meus olhos, ele se afasta ritmado, mexendo o maxilar de maneira a deixá-lo ainda mais proeminente. Então se vira, sobe na moto barulhenta e vai embora.
Ainda paralisada, o vejo se afastar cada vez mais, até dobrar a rua. Pisco rápido, me lembrando de que tenho que me mover para chegar em casa, continuo enfim minha caminhada.
As palavras dele ressoam em minha mente e algumas perguntas também. Por que esse cara apareceu para mim? Por que ele foi o único que consegui ilustrar? Por que ele é tão desconfiado e grosso? E por que me sinto tão atraída por ele?
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Um passo de cada vez (COMPLETO)
Romance🔴Liz perde o recém marido e com ele se vai sua alegria pela vida. A jovem passa anos sem qualquer esperança ou objetivo até sua irmã caçula ter a ideia de fazer uma lista a fim de ajudá-la. Cumprindo determinado passo dessa inusitada lista, ela con...