Capítulo 35

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Liz

O vento no rosto é surpreendentemente bom. Tive coragem incentivada pela que Rui teve ao permitir que sua dor se dissolva ao deixar as lágrimas caírem. Realmente acho que era chegada a hora de superar esse meu medo, principalmente por se tratar de algo tão importante para a pessoa com quem quero ficar.
Ele liga a moto e o roncado alto me assusta, me levando diretamente para o dia do primeiro e último passeio de Otávio na CB mil dele. Tento bloquear a terrível lembrança para não perder a coragem. E funciona quando Rui acelera, o que me distrai. Fecho os olhos e o aperto com força. Não acho que esteja tão rápido, mas para mim talvez seja demais. O roncado fica mais forte e o vento também. Eu me encolho e continuo apertando Rui.
— Abra os olhos!
Rui grita. Mas não tenho vontade de fazer isso. Continuo segurando nele o mais forte que consigo.
— Olha que lindo, Liz.
Sou muito grata pela minha visão e com sua insistência começo a ficar curiosa. Talvez um pouco louca porque abro um olho devagar. Vejo Rui pilotando e sempre que pode olhando para a esquerda, sigo seu olhar e então insistência faz sentido.
— Uau.
Sussurro, agora com os dois olhos bem abertos admirando o pôr do sol mais lindo que já vi. Com tons rosados e alaranjados, o sol submerge aos poucos no mar espelhado. As árvores, bancos de madeiras e o caminho de pedras complementam a paisagem. Até as pessoas parecem mais bonitas hoje. A cena é tão linda que posso ouvir um fundo musical. O que percebo também ser real. Uma música boa tocada à voz e violão em algum restaurante da rua embala nosso passeio. Sinto vontade de soltar os braços, mas acho que seria perigoso, então me contento em relaxar o corpo e inalar bem os aromas misturados que estou sentindo. Frutos do mar e massas sendo preparadas para turistas famintos são alguns que consegui identificar, chega a abrir o apetite até porque não comi toda minha refeição. Batemos corrida com o sol e empatamos. Chegamos ao fim da rua ao mesmo tempo que ele se despediu, deixando todos na escuridão na noite e à luz amarela dos postes, o que também não é uma visão ruim. Descemos da moto.
— Que espetáculo.
Digo ainda boquiaberta.
— Sim.
Rui concorda, me olhando de cima a baixo.
Num ato sincronizado, meu celular toca quando no dele chega uma mensagem. Rimos um pouco e me afasto para atender a chamada.
— Daiane! Como está?
— Maravilhada, Liz. Eu estou maravilhada.
Fico animada, pois se me ligou feliz assim, vem uma boa notícia por aí.
— Conta então.
Peço e ela respira fundo.
—  Aprisionado(s) já tem mil e oitocentas cópias vendidas em menos de um mês da estreia.
Coloco a mão sobre a boca depois de um gritinho de susto.
— Daiane, meus parabéns! Você merece muito!
Ela agradece com a voz embargada. Logo se recompõe.
— E por isso em breve vou anunciar que será uma série.
Fico surpresa de novo.
— Isso é incrível!
Vibro por ela, que se dedicou em demasia a esse trabalho e que merece todo reconhecimento. Vibro por mim e também por Rui, pois isso quer dizer que...
— Quero firmar contrato com você e Rui para mais alguns livros.
Sorrio e dou um pulinho em comemoração. Olho para Rui que me julga, mas logo volto minha atenção para Daiane.
— Vocês aceitam?
Teve que perguntar já que fiquei ocupada demais comemorando em silêncio para respondê-la. Isso vai alavancar a minha carreira, provavelmente com a visibilidade serei chamada para ilustrar livros de outros autores em breve. Sem contar que serei a ilustradora oficial de Daiane, dona da editora, o que sozinho já é muita coisa.
— Fico muito feliz. Com certeza aceitamos. Só preciso dar a boa notícia a Rui.
Ele olha para mim, curioso.
— Podem passar na editora amanhã? Meu advogado já está preparando os papéis.
Mesmo trabalhando num domingo, o advogado de Daiane deve estar feliz, também ansioso para mais contratos.
— Com certeza.
Confirmo e encerro a chamada, me aproximando de Rui.
— O livro de Daiane é um sucesso e vai virar série!
Solto depressa.
— Amanhã vamos à editora para firmar contrato.
Concluo de olhos arregalados, esperando a comemoração de Rui, que não vem. Ele franze o cenho e mira o mar escuro.
— Você não entendeu o que eu disse?
Toco seu ombro.
— Somos um sucesso!
Paro na frente de Rui, que ainda encara as ondas escuras.
— Eu não sei se quero continuar sendo modelo.
Dá de ombros.
— Como assim? Pensei que gostasse de posar para mim.
Deixo os ombros caírem. Ele segura meus braços e olha para mim.
— Eu gostei, na verdade esse tempo que passamos juntos fez de nós o que somos hoje.
Sorrio, apaixonada, concordando.
— Só que não sabia que ia durar.
Ouço em silêncio.
— Sou mecânico e não posso ficar deixando serviço acumular ou deixar de pegar novos para posar.
Suspiro, desanimada.
— Ela disse quantos mais livros seriam?
Respondo que não e procuro desesperadamente uma solução. Então lembro do que ainda não contei para ele.
— E se eu te disser que já consigo ilustrar sozinha?
Dou um sorriso amarelo.
— O quê?
Seu queixo cai.
— Só vai vender seu direito de imagem.
Dou de ombros, pensando em como eu posso ter esquecido disso. Rui sorri.
— Isso é incrível, Liz, parabéns.
Agradeço, sorridente e aceitando seu carinho.
— Então não precisa mais de mim.
Ele sorri, fazendo parecer que o sol voltou a brilhar. Chego mais perto, o abraçando.
— Eu sempre vou precisar de você.
Ele se aproxima mais e me dá um celinho demorado. Tira uma mecha de cabelo do meu rosto e coloca atrás da minha orelha.
— Então eu aceito.
Dou um sorriso grande.
— Que bom porque eu já confirmei.
Ele resmunga, mas ri.
— Por que não vamos lá para casa?
Eu aceito e ele me leva pela mão até a moto, alguns passos de nós.
— Podemos ver um filme.
— Eu não vou sentar naquele sofá, Rui.
Contesto, balançando a cabeça. Ele ri.
— É só um sofá!
Diz em tom agudo.
— De jeito nenhum.
Subimos na moto, sinto seu celular no bolso quando vou abraçá-lo e finalmente me lembro.
— Quem era aquela hora?
Rui entende que me refiro à mensagem que chegou e a conversa que teve por ela. Não julguei invasivo perguntar até ter perguntado.
— Era Priscila.
Fico surpresa. Ele liga a moto.
— Ela quer se aproximar...
Fala virando a cabeça para que eu possa ouvir. Manobra a moto e saídos do lugar.
Não sei porque Priscila quer se aproximar dele depois de eu ter conversado com ela sobre ele ontem. Ela realmente pareceu entender e aceitar nossa relação.
— De nós.
Ele conclui e minha suposição cai por terra. Sorrio, lembrando do tanto que ela foi e é importante para Rui e imaginando que talvez possa ser minha amiga também.
Eu o aperto quando acelera um pouco. Então tenho uma ideia.
— Convida Priscila para vir nos ver. Podemos fazer um jantar para ela.
Grito.
— Que bom que pensa assim porque eu já convidei.
Implica quase imitando minha fala. Dessa vez eu resmungo, mas rio.
— Ela disse que vai trazer alguém.
Sorrio por ter mais um motivo para acreditar na nossa futura amizade e por estar sentindo menos medo de estar numa moto que na nossa ida. Aproveito a velocidade confortável de Rui e solto os braços, esticando-os. Respiro fundo, sentindo os aromas que essa rua nos oferece e apreciando o vento no rosto. Finalmente entendi a liberdade, a qual Rui tanto aprecia. Com ele também aprendi a deixar de sobreviver e voltar a viver. Agradeço a Deus por nossos caminhos terem se cruzado. Agradeço a Deus por em meio tanta dor termos nos permitido viver nosso segundo amor. Agradeço a Deus por Rui e agradeço a Rui pela nossa vida.

Um passo de cada vez (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora