mentiras e verdades

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Representar um estado não era uma tarefa fácil, ainda que o Brasil tentasse sempre facilitar as coisas e nunca sobrecarregar seus Estados. No entanto, independente da bondade e boa vontade do chefe, o trabalho podia ser cansativo e altamente capaz de se tornar muito caótico em questão de minutos.

Os imprevistos não eram inéditos. Negociações podiam gerar dores de cabeça e, não apenas isso, ainda era necessário lidar com outros representantes no ambiente de trabalho.

Isso não deveria ser um problema para a grande maioria dos 26 Estados, mas isso não se aplicava a todos. Tirando eventuais discussões acaloradas e não prejudiciais de fato, o clima entre os Estados era harmônico e colaborativo, com exceção de quatro.

São Paulo e Rio de Janeiro.

Paraná e Rio Grande do Sul.

Os dois primeiros tinham uma relação um tanto quanto diferente e, muitas vezes, acabava sendo problemática por conta de discussões irrelevantes sobre assuntos mais irrelevantes ainda. Porém, todos sabiam que esses dois tinham mais amor do que ódio um pelo outro, de um jeitinho especial só deles, mas tinham.

Já os outros dois...

Bem, não era como se eles não fossem amigos ou não se ajudasse, mas eles podiam ser tão infantis quanto SP e RJ. Suas brigas eram bem intensas, geralmente por conta do jeito teimoso do paranaense e do pavio curto do gaúcho. A única diferença entre eles e os dois Estados sudestinos era que parecia... Estranho, especialmente para os de fora.

Quase como se a cada novo desentendimento, algo entre ambos ficasse mais frágil ou mais exposto. Como no exato momento.

- Porra, tu perdeu o prazo de novo?! - a voz estridente de Rio Grande do Sul soou por todo o escritório, avisando os Estados de que mais uma discussão começou. O som do baque da mão do homem contra a mesa de Paraná também foi ouvido.

Assim como Paraná suspirou, alguns outros representantes também o fizeram.

O paranaense passou os dedos pelos cabelos morenos, até chegar na testa. Ele respirou fundo e virou a cadeira giratória para o lado. E lá estava Rio Grande do Sul, com seus cabelos claros, lenço inseparável e esbanjando a expressão que o paranaense, infelizmente, mais conhecia: raiva. Aqueles olhos castanho-claros queimavam com uma intensidade quase palpável, como se condenassem toda geração familiar de Paraná.

- Eu já disse que tava ocupado, que saco - Paraná respondeu, parecendo tão cansado quanto sua voz indicava.

- Ocupado com o quê, guri?! O quê? Se tu não faz nada!

Paraná bufou com isso, Rio Grande do Sul sempre dizia isso. Só porque ele não via o menor fazendo as coisas, não significava que ele não trabalhava, bem pelo contrário. O que ele fazia no escritório eram assuntos mais brandos ou negociações, mas fora dele, havia uma tonelada de serviço a ser feita, algo que ocupava até mesmo seus finais de semana.

Mas mesmo que ele tentasse explicar, o gaúcho não iria entender, ou acharia que era mentira, como sempre. Desde quando o maior o pegou descansando uma vez no escritório, ser acusado de procrastinação, preguiça e afins se tornou comum. Mais uma peça do quebra-cabeça de insultos e provocações do mais alto. Não é como se o paranaense também não tivesse seu compilado para irritar o outro, contudo, hoje ele se sentia cansado demais para retrucar.

Dessa vez, Paraná já tinha falado sobre seus compromissos com Rio Grande do Sul, só que parecia que o gaúcho tinha deletado essa informação da mente.

- Já te disse que tô planejando o aniversário de Curitiba! Tenho que ver todos os eventos culturais e daí-

- Eventos culturais? - Rio Grande do Sul levantou uma sobrancelha e um sorrisinho de lado surgiu em seus lábios.

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